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A literatura com que tivemos contato nos possibilita afirmar que lecionar matemática é um desafio a ser enfrentado nas escolas de EJA. Some-se a isso a existência ainda de concepções e pontos de vistas negativos do que se entende ser esta modalidade, referindo-se aos professores que nela atuam como de inferior importância que os das séries ditas regulares. Compreendemos que tais pontos de vistas podem ser resultantes de ações pontuais ou projetos, com que era pensada inicialmente um ensino para sujeitos adultos (PAIVA, 2006; OLIVEIRA, 2007), de currículos escolares obsoletos, conteúdos e atividades adaptados das séries regulares para atender um público fora da idade regular, e escolas estruturalmente despreparadas para receber estes outros sujeitos no turno noturno.

Dada nossa experiência como professor de jovens e adultos, reiteramos ser estes alguns dos fatores que tornam mais difícil o desafio de lecionar matemática na EJA. Acreditamos também que tais fatores têm uma parcela de contribuição para a presença de práticas pedagógicas mecanicistas ou, como nos informa Franco (2012), tecnologicamente elaboradas com fim único de ensinar os conteúdos escolares, como práticas de professores em sala de aula. As práticas pedagógicas elaboradas da referida forma pode refletir em um entedimento de aprendizagem como sendo resultante de ações desarticuladas de um percurso envolvendo professores, estudantes e o ambiente escolar. De outra maneira, possibilita a aprendizagem ser percebida como sendo fator resultante apenas do esforço do estudante, tida como “o progresso acadêmico em um número restrito de áreas curriculares” (BIESTA, 2012, p. 814) ou mesmo como algo que possa ser mensurado e comparado em resultados de testes e avaliações (id. ibid.).

Nossa compreensão de aprendizagem não se limita ao comum entendimento sobre que ela ainda se faz, como sendo algo que possa tomar dimensão, ser medido. Entendemos aprendizagem como algo que concebe também os conhecimentos e experiências de mundo, do senso comum das pessoas (BIESTA, 2012). Isso resulta de nossa compreensão do que vem a ser educação ou, como dito anteriormente, educações, no plural, pois a compreendemos em sua totalidade que engloba as práticas, manifestações culturais, rituais e formas de conhecer de cada etnia, grupo ou representações sociais diversas e, por isso, cada um destes têm suas educações específicas.

No tocante às turmas de EJA, reiteramos nosso entendimento de que elas não são homogêneas em quaisquer aspectos que a elas relacionem (social, cultural, etário, econômico, entre outros). Isso vai refletir na diversidade de conhecimentos que os sujeitos estudantes trazem consigo, entre os quais, os que dizem respeitos aos seus saberes e fazeres matemáticos. Com isso, entendemos ser a função do professor, especificamente daquele que leciona matemática da EJA, não só a de transmitir conteúdos, mas mediá-los didaticamente (LOPES, 1999) por meio de um sistemático acompanhamento dos processos de evolução da aprendizagem dos estudantes e que, ao mesmo tempo, estes conteúdos contemplem e complementem sua bagagem cultural. Decerto, cabe-lhes a função de permitir que os estudantes elaborem e construam outros conhecimentos matemáticos, reconhecendo os já existentes no seu espaço de vivência, os de suas culturas, e mostrar que há aproximações entre estes e ao que é apresentado na disciplina escolar Matemática.

É esta relação dos saberes matemáticos escolares com os saberes matemáticos da cultura e vivências dos estudantes que faz a EJA ser um espaço rico em conhecimentos que

merecem ser potencializados; conhecimentos muitas vezes tidos como inferiores porque, diferente do que se espera por boa parte dos professores, os estudantes podem não necessariamente seguir um algoritmo, de uma matemática cartesiana, quando da resolução de um problema ou situação-problema matemático, mas, certamente, ele desenvolverá caminhos próprios, que, provavelmente, utilizam em resoluções de problemas em seu cotidiano. Nesta perspectiva, compreendemos ser necessário que o professor de matemática desenvolva sua sensibilidade em reconhecer que os estudantes estruturam uma formalização de seus conhecimentos matemáticos de acordo com suas especificidades de pensamentos e identidades socioculturais, de certa maneira, buscando aproximar ao que é do assunto do conteúdo escolar (FONSECA, 2012).

Entendemos que uma educação matemática voltada para jovens e adultos não se reduz à uma visão dualista entre o saber da escola esaber dos estudantes, mas que, de posse destes últimos, os professores de EJA complementem os primeiros e reconheça-os a partir da perspectivas dos conhecimentos dos estudantes. Ademais, precisa ser ela uma educação que possibilite uma relação entre estes saberes matemáticos e que vise “aprofundar o conhecimento sobre como todos esses saberes, adquiridos na vida doméstica, profissional, ou até na experiência escolar passada, interagem na construção do conhecimento matemático do aluno” (FANTINATO, 2004, p. 89).

Dessa maneira, no bojo das discussões que ainda apregoam o entendimento de ser a disciplina Matemática, “a causa da evasão escolar” (FONSECA, 2012, p. 32, grifo da autora), emergimos no espaço da escola de EJA para observar e acompanhar as aulas de Matemática no intuito de conhecer os saberes matemáticos dos estudantes da zona rural, bem como, as formas com que eles lidam e relacionam estes saberes experienciados em suas culturas, com os conteúdos matemáticos da escola e as práticas pedagógicas matemáticas construídas pelos professores. Tratamos, portanto, de reconhecer, sob um olhar mais sensível, que cada sujeito tem suas táticas de sobrevivência matemática e delas fazem uso também na escola.

São estas táticas, partes constituintes dos “artefatos” (D’AMBROSIO, 2012, p. 53), por assim dizer, do conjunto “de instrumentos materiais e intelectuais” (id. p. 35) que “se manifesta nas maneiras, nos modos, nas habilidades, nas artes, nas técnicas, nas ticas de lidar com o ambiente, entender e explicar fatos e fenômenos” (id. p. 36, grifo do autor) que reconhecemos ser e fazer-se como saberes matemáticos dos estudantes da EJA. Têm estes, pois, suas formas próprias de entender e representar matemáticos, por nós entendidos como sendo uma possível Etnomatemática (D’AMBROSIO, 1990).

compreensões equivocadas do que seja este “programa de pesquisa” (D’AMBROSIO, 1990, p. 5). Tais compreensões têm, muitas vezes, a matemática escolar como ponto de referência e esquecem que esta também é uma forma cultural de saber contar, medir e interpretar de um povo, que foi sendo contruída em uma sociedade e tempo específicios. Assim como os outros saberes que podem ser compreendidos em uma perspectiva matemática, os que são apresentados na escola, convencionalmente chamado de Matemática, tem toda uma contextualização de discussão histórica, cultural e política, já trazida por alguns autores da área, dentre estes, o próprio D’Ambrosio (1990); razão pela qual, optamos por não refazer este percurso da matemática neste estudo.

Contudo, enfatizamos nosso entendimento de que a etnomatemática não se limita à perspectiva da matemática apresentada na escola, tampouco toma esta como referência aos seus estudos, mas sim, busca compreender a essência da forma com que grupos específicos constroem e utilizam-se de conhecimentos matemáticos na lida e para explicar fenômenos em seus cotidianos. Como nos informam Monteiro, Orey e Domite (2006, p. 55) “a etnomatemática não consiste nas ideias matemáticas de outras culturas, nem é a representação dessas ideias pela matemática. Esses constructos podem ser parte da etnomatemática, mas não são sua essência”.

Dessa maneira, entendemos que quem se propõe estudar os saberes matemáticos de grupos sociais sob um olhar da etnomatemática precisa desenvolver a sensibilidade de compreendê-la como “uma ponte entre a matemática e as ideias (e conceitos e práticas) de outras culturas” (MONTEIRO, OREY e DOMINTE, 2006, p. 55), possibilitando um entendimento sobre os conceitos e as práticas do grupo estudado, bem como, pode possibilitar os matemáticos “ganharem uma nova perspectiva (e possivelmente um novo material) para seu próprio objeto de estudo” (id. ibid.).

Compreendendo que os estudantes das escolas municipais de EJA da zona rural de Sobral, dentre estes, os moradores do Distrito de Bonfim, constituem um grupo específico de sujeitos que apresentam formas próprias de representar e lidar com a matemática, tecemos aproximações com os estudos etnomatemáticos. Tais estudantes são, em sua maioria, homens e mulheres adultos, trabalhadores, que desde a infância são moradores do campo, integram uma comunidade rural que tem uma história específica baseada no cultivo da carnaubeira e extração da palha de carnaúba, apresentam ainda uma cultura enraizada de religiosidades e costumes. É possível que seus saberes matemáticos tenham influência destes costumes e, quando em sala de aula, na condição de estudantes, estes homens e estas mulheres busquem, às suas maneiras, estabelecer relação ao que lhes é apresentado como matemática.

Possivelmente tais saberes perpetuam-se entre os membros das famílias que encontram-se também como estudantes das turmas multisseriadas de EJA. Eis a razão de buscarmos conhecer a relação que estes estudantes estabelecem entre os saberes matemáticos de suas vivências e os da escola, e da possível influência das práticas pedagógicas matemáticas dos professores para suas permanências neste espaço de ensino. Movidos por esta busca, trazemos os estudos sobre etnomatemática como balizadores também das discussões acerca da educação matemática nas turmas de EJA na zona rural.

Longe de limitar as discussões de nosso estudo, neste capítulo apresentamos nossos entendimentos sobre algumas as temáticas que serão contempladas em nossa pesquisa. As aproximações que ora trazemos busca contemplar os objetivos e a especificidade do lócus da pesquisa em um determinado espaço-tempo, bem como, a partir de uma perspectiva do pesquisador e metodologia específicos; o que precisa ser levado em consideração ao tomá-la como referência de estudo e análise. No capítulo posterior serão melhor detalhadas as temáticas específicas abarcadas em nosso estudo e o aporte teórico das mesmas.

CAPÍTULO 3

APORTE TEÓRICO DAS TEMÁTICAS DA PESQUISA

No capítulo anterior tratamos sobre algumas temáticas contempladas na pesquisa e a forma com que as articulamos nas discussões aqui apresentadas. Nele também especificamos os sentidos de alfabetização e de alfabetização matemática, presentes ao longo deste texto dissertativo.

Entendendo que a pesquisa, de uma maneira geral, centra-se na área da Educação Matemática na EJA, optamos por desdobrá-la em temáticas específicas, tendo em vista um aprofundamento sobre nosso objeto de estudo. A partir da questão de pesquisa que elaboramos para nortear nosso estudo e de nossas leituras ao logo do curso, destacamos como temáticas específicas enviesadas como nosso aporte teórico: Prática Pedagógica, Currículo, Educação Matemática, Etnomatemática e Permanência.

Neste capítulo apresentamos o aporte teórico em que baseamos estas temáticas. Definimos apresentá-las separadamente, tendo em vista que sobre cada uma dialogamos com e sobre autores específicos de seus campos.