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3.2. Algumas ideias sobre o Currículo

3.2.1. O currículo como prática

Entender o currículo como influenciador e, ao mesmo tempo, influenciado pelas práticas em sala de aula, no possibilita aproximarmos nossas discussões à concepção teórica de currículo em Sacristán (2000; 2013). O referido autor apresenta sua perspectiva de currículo como sendo resultante de uma construção social que vai sendo tecida às realidades dos espaços de educação e cultura, devendo, inclusive, considerar a realidade da sala de aula, por ser este o espaço onde se consolida o currículo adaptado e praticado pelos professores. É neste espaço concreto e com estes sujeitos concretos que o “currículo deixa de ser um plano proposto”, passando a ser “interpretado pelos professores, o que também ocorre com os materiais curriculares (textos, documentos, etc.), autênticos tradutores do currículo como projeto e texto expressos por práticas concretas” (SACRISTÁN, 2013, p. 26).

Discorre também de Sacristán (2000) o nosso entendimento de que o currículo traz representações simbólicas formalizadas, algumas entendidas diretamente outras subentendidas, com que os sistemas de ensino conferem aos modos dos professores lidarem

em suas ações docentes em sala de aula. Desta forma, o autor sinaliza que o currículo é elaborado intencionalmente, trata-se de

[...] uma prática, expressão, da função socializadora e cultural que determinada instituição tem, que reagrupa em torno dele uma série de subsistemas ou práticas diversas, sobre as quais se encontra a prática pedagógica desenvolvida em instituições escolares que comumente chamamos ensino. [...] É uma prática na qual se estabelece um diálogo, por assim dizer, entre agentes sociais, elementos técnicos, alunos que reagem frente a ele, professores que o modelam, etc. (SACRISTÁN, 2000, p. 16).

Com isso, entendemos que Sacristán (2000) apresenta o currículo escrito como um documento que se encontra no entremeio de um espaço de disputa entre o estabelecido pelos sistemas de ensino e o praticado nas salas de aula por professores e estudantes. Estes, com suas resistências, são os agentes que se opõem aos modelos impostos, que estão a frente com suas práticas pedagógicas, os saberes de suas vivências, adaptando-as e reconstruindo-as no espaço escolar. Entendemos, com isso, que sendo parte da prática pedagógica, o currículo não se finda em um texto prescrito, mas vai sendo construído conforme os diálogos, as práticas dos professores e os princípios que norteiam o ensinar e o aprender no espaço escolar. Esta construção é sinalizada por Sacristán (2013, p. 27) como uma “perspectiva processual e descentralizadora do currículo que propõe uma visão deste como algo que ocorre desde ser um plano até se converter em práticas pedagógicas”.

Dessa forma, como expressa Sacristán (2000), entendemos que a análise do currículo de determinado sistema ou escola é uma condição para compreendermos o que de fato estas instituições representam. Conquanto, consideramos que a afirmação desta análise precisa levar em consideração o contexto em que o currículo foi elaborado, está sendo posto em prática bem como, a relação entre as práticas pedagógicas que se tecem envolvendo os agentes destas instituições. Sacristán (2000) destaca que

[...] o valor da escola se manifesta fundamentalmente pelo que faz ao desenvolver um determinado currículo, independentemente de qualquer retórica e declaração grandiloquente de finalidade. Nessa medida, o currículo é um elemento nuclear de referência para analisar o que a escola é de fato como instituição cultural e na hora de elaborar um projeto alternativo de instituição (SACRISTÁN, 2000, p. 18).

Sendo a escola e, por assim dizer, as ações de práticas que nela se desenvolvem, reconstruídas dentro da sua especificidade, ela, como instituição de educação escolar, representa o ensino como integrante das práticas sociais. Com isso, entendemos que o currículo a ela imposto ou com ela não dialogado, não resume esta representação, mas

associa-se a isto, o reconhecimento de práticas pedagógicas concretas que nela se constroem ou modelam-se. Compreendemos assim, que

[...] se o currículo expressa o plano de socialização através das práticas escolares imposto de fora, essa capacidade de modelação que os professores têm é um contrapeso possível se é exercida adequadamente e se é estimulada como mecanismo contra-hegemônico. Qualquer estratégia de inovação ou de melhora de qualidade da prática do ensino deverá considerar esse poder modelador e transformador dos professores, que eles de fato exercem num sentido ou noutro, para enriquecer ou para empobrecer as propostas originais (SACRISTÁN, 2000, p. 166).

É na perspectiva de entendermos esse poder modelador que os professores têm sobre as práticas que centramos nossas discussões no que Sacristán (2000) vai chamar de Currículo na Ação. De acordo com este autor, “o valor de qualquer currículo, de toda proposta e mudança para a prática educativa, se comprova na realidade na qual se realiza, na forma como se concretiza em situações reais” (SACRISTÁN, 2000, p. 201). O autor se refere à prática educativa, tendo em vista seu entendimento do espaço escolar como espaço educativo. Dessa maneira, compreendemos que o currículo em ação se expressa como práxis, na medida em que o professor aproxima sua prática pedagógica ao contexto do espaço escolar, da vivência dos estudantes, sendo capaz de refletir sobre sua prática e o reflexo desta sobre os estudantes. A partir desta práxis compreendemos que o currículo em ação “adquire significado definitivo para os alunos e para os professores nas atividades que uns e outros realizam” (id. ibid.).

Esta concepção de currículo em ação reitera nosso entendimento de serem as práticas pedagógicas, ao mesmo tempo, práticas educativas. É partir do entendimento do currículo em ação que Sacristán (2000) informa ser uma função das ações docentes, a de possibilitar aproximação ou distanciamento entre o que está prescrito nos regulamentos dos sistemas de ensino como currículo e o que é praticado na sala de aula, como currículo praticado. Destaca o autor que, se o currículo “é ponte entre a teoria e a ação, entre intenções ou projetos de realidade, é preciso analisar a estrutura da prática onde fica modelado” (SACRISTÁN, 2000, p. 201). Destarte nossa entrada em campo para acompanhar as aulas dos professores de EJA, nos possibilitou compreender como a Proposta Curricular de Matemática aplicada às escolas municipais que atendem a EJA da zona rural de Sobral baliza e estrutura a prática pedagógica matemática dos mesmos. Este contato direto com os professores e estudantes, nos permitiu compreender “o significado da prática e do currículo na ação” (id. p. 207).

No intuito de compreender mais sensivelmente os saberes matemáticos que os estudantes da EJA trazem de suas vivências para as salas de aula, aprofundamos nossas

discussões de Educação Matemática à luz do Programa Etnomatemática, temáticas abordadas no tópico seguinte.