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Tendo em vista que buscamos compreender como os professores de EJA articulam suas aulas de matemática, definimos que a prática pedagógica é uma das temáticas contempladas em nosso estudo. Entendemos que prática pedagógica deve compreender ações que podem ocorrer em vários espaços educativos, contemplando as relações sociais nas suas diversas conjunturas. Contudo, em nosso estudo, compreendemos a prática pedagógica como a ação do professor no espaço escolar, especificamente em turmas de EJA na zona rural, lócus de nossa pesquisa.

Consideramos que, como ação docente em sala de aula, tais práticas precisam estar embasadas em uma intencionalidade e finalidade pedagógicas, afirmando-se como educativas. Para isso, o professor é um profissional que precisa envolver-se com a aprendizagem do estudante, pensando, construindo, elaborando práticas pedagogicamente tecidas ao processo didático desta aprendizagem. Ele precisa compreender o sentido de sua aula em face da formação dos estudantes, saber como sua aula integra e expande a formação desses estudantes e que tenha a consciência do significado de sua ação em sala (FRANCO, 2016).

Entendemos ser necessário também que os professores compreendam que, mesmo estando no contexto do espaço educativo e sendo elaboradas intencionalmente, as práticas pedagógicas estão passíveis das incertezas e eventualidades que possam ocorrer neste espaço, por isso, precisam estar em constantes reelaborações e refinamentos. Posto isso, compreendemos que as práticas pedagógicas encontram-se emergidas no desafio da complexidade (MORIN, ALMEIDA e CARVALHO, 2007), segundo o qual, não nos cabe ter certeza do que pode ocorrer no futuro, mesmo diante de um planejamento estruturado e de todo o aparato técnico à solução de quaisquer problemas. Precisamos reconhecer que o “progresso infalivelmente previsível pelas leis da história ou pelo desenvolvimento inelutável da ciência e da razão” (id. p. 64) deve ser repensado constantemente tendo em vista que “encontramo-nos numa situação na qual nos conscientizamos acerca das necessidades de religação e solidariedade e da necessidade de trabalhar na incerteza” (id. ibid.).

Compreendemos que este “trabalhar na incerteza” ocorre quando o professor, mesmo ciente das ações que irá desenvolver em determinada aula pedagogicamente elaborada, na prática, pode deparar-se com situações não pensadas, seja na sala com os estudantes ou mesmo na escola com outros sujeitos. Tais situações podem acarretar, por exemplo, a dispersão do momento de aula e, consequentemente, do momento de ação da prática pedagógica, exigindo que o professor o retome em outras circunstâncias, diferentes daquelas anteriormente pensadas. Dessa forma, espera-se que ele desenvolva sua sensibilidade para refletir sobre o novo momento de sua prática pedagógica.

Todavia, como nos informam Florentino e Fernandes (2011), o professor determinado em seguir cartesianamente o plano de aula, muitas vezes não compreende suas ações em sala de aula como um devir complexo28. Isso pode ser resultante da falta de

oportunidade que os mesmos tiveram durante suas formações acadêmicas para dialogar sobre como constroem sua prática pedagógica. Segundo tais autores, podemos perceber quando práticas pedagógicas não foram pensadas ou articuladas em sua complexidade, quando professores propõem “atividades fora de contexto, sem referências à realidade dos alunos,

28 A “tendência de confundir complexidade com complicação” é assinalada por Florentino e Fernandes (2011, p.

174) quando estes, discorrendo sobre o “trabalho com o paradigma complexo da educação”, nos informam que a complexidade “está presente naqueles momentos em que nem sempre é possível superar contradições, vencer obstáculos, antagonismos, ultrapassar os paradoxos porque as inter-relações e conexões estão tecidas juntas. Como bem podemos observar na prática pedagógica, em que desafios são impostos diariamente ao professor que necessita “dar conta” de superá-los – havendo nesse momento uma grande lacuna entre a teoria e a prática, pois em muitas situações ele (professor) não aprendeu a lidar/tratar com as contingências da sala de aula porque não as viveu reflexivamente na tecitura das relações pedagógicas (FLORENTINO e FERNANDES, 2011, p. 175, grifos dos autores).

sem objetivo aparente” a não ser responder, “terminar os exercícios ou dar continuidade ao conteúdo programático” (id. p. 175). Resume-se, portanto, em práticas pedagógicas tecnologicamente elaboradas sem uma ação reflexiva, sobretudo, acerca da complexidade em que são construídas.

Fernandes (2007, p. 105, grifo da autora), influenciada pela sua experiência docente e baseada em uma perspectiva interdisciplinar, “vem construindo a concepção de prática pedagógica” como:

[...] a prática intencional de ensino e aprendizagem, não reduzida à questão didática ou às metodologias de estudar e de aprender, mas articulada à educação como prática social e ao conhecimento como produção histórica e sociocultural, construção humana em uma relação dialetizada entre prática- teoria, conteúdo-forma e apropriação dos meios de produção desse conhecimento (FERNANDES, 2007, p. 105, grifos da autora).

Corroboramos com Fernandes (2007) quando esta nos aponta ser necessário haver uma intencionalidade “de ensino e aprendizagem” em uma prática pedagógica. Contudo, compreendemos que uma prática pedagógica pensada ao espaço da educação escolar, em seus diversos níveis e modalidade de ensino, precisa estar articulada a uma questão didática e, não obstante, são as metodologias com que elas são articuladas neste espaço educativo que irão defini-la como práticas pedagogicamente tecidas ou práticas tecidas tecnologicamente a uma finalidade no processo de aprendizagem dos estudantes (FRANCO, 2012).

Na perspectiva de Franco (2016), a educação está inserida no contexto da pedagogia, sendo objeto de estudo desta. Na medida em que o sentido de pedagogia foi adaptando-se aos contextos políticos e sociais, ela foi sendo interpretada como a maneira de ensinar, regradas por um padrão de aula e práticas. Consequentemente, o sentido de prática pedagógica também foi sendo adaptado, o que possibilita ela ser entendida, atualmente, como “pacotes instrucionais prontos, cuja finalidade é, cada vez mais, preparar crianças e jovens para avaliações externas” (id. p.538). Já a educação, por sua vez, é entendida como ensino.

Franco (2012) nos informa que a pedagogia articulada com a prática pedagógica, funciona como um filtro do que se apresenta na sociedade como educativo para o espaço escolar, compreendendo mais o pedagógico. A autora utiliza-se do exemplo da massificação do uso da mídia, os meios eletrônicos e as redes sociais para enfatizar essa filtragem, em uma tentativa de alerta para compreendermos que, nem tudo que está na sociedade como educativo é, necessariamente, pedagógico. Ao mesmo tempo, não podemos relegar este tudo a uma posição secundária, pois, é a partir dele que compreendemos as especificidades do que pode estar no espaço escolar. Sinaliza Franco (2012, p. 153) ainda que “a escola e suas práticas

pedagógicas têm tido dificuldades em mediar e potencializar” o alcance entre educativo das mídias sociais para o pedagógico de dentro da escola.

Desta forma, entendemos haver uma influência das práticas que estão fora da escola, para as que devem estar dentro dela e para as que nela estão. A comunicação existente entre educativo, que está fora, e o pedagógico, que está dentro do espaço escolar, é chamada por Franco (2012, p. 162, grifo da autora) de relação dialógica entre o “dentrofora da escola”. É a partir desta relação que reafirmamos nossa compreensão de que o espaço de educativo estende-se para além da escola e da sala de aula.

Nesta perspectiva, compreendemos que a educação, situada no espaço escolar, orienta-se pelo filtro da pedagogia e esta, por sua vez, conduz o sentido de prática pedagógica. Estando a escola situada no contexto do espaço educativo, reiteramos nosso entendimento de que as práticas pedagógicas, se intencional e pedagogicamente elaboradas com fins de acompanhamento de todo o processo de aprendizagem dos estudantes, também são práticas educativas. Com isso, balizamos nossas discussões nos estudos de Franco (2015), a qual define práticas pedagógicas como ações organizadas e elaboradas para concretizar determinadas expectativas educacionais.

São práticas carregadas de intencionalidade e isso ocorre porque o próprio sentido de práxis configura-se através do estabelecimento de uma intencionalidade, que dirige e dá sentido à ação, solicitando uma intervenção planejada e científica sobre o objeto, com vistas à transformação da realidade social (FRANCO, 2015. p. 604).

Compreendemos que as expectativas educacionais associadas à intencionalidade da prática pedagógica, referida por Franco (2015), dizem respeito ao objetivo que o professor precisa ter ao pensar uma aula e as ações para atingi-lo, considerando que todos os estudantes possam aprender. É esta ação de intencionalidade e práxis, o primeiro dos três princípios que constituem uma prática pedagógica. Além deste, Franco (2015) apresenta outros dois29

princípios que as caracterizam: um segundo, o qual a autora nos diz que as práticas “caminham por entre resistências e desistências, em uma perspectiva dialética, pulsional, totalizante” (id. p. 606) e o terceiro, que diz que as práticas “trabalham com e na

29 Analisamos que o segundo princípio, ao trazer a resistência, retoma que determinadas práticas pedagógicas,

podem ser resultantes de imposições, por fatores outros que independem do espaço escolar. Sendo impostas e, por isso mesmo, tornado-se um modelo a ser seguido, poderá haver estranhamento dos professores que, como ato de resistência, desenvolverão suas próprias práticas. O terceiro princípio complementa o segundo no que diz respeito à resistência dos professores nas tomadas de decisões quando as práticas são impostas ou resultam de relações não dialéticas entre as partes que as constituem.

historicidade; implicam tomadas de decisões; de posições e se transformam pelas contradições” (id. p. 607).

Posto isso, reafirmamos que baseamos nosso estudo nas interpretações e pressupostos de práticas pedagógicas como práticas educativas e, ao mesmo tempo, práticas sociais, por ser a sociedade o espaço maior onde elas se situam. Contudo, centramos nossas discussões considerando-as como ações praticadas com uma intencionalidade pedagógica, em constante elaboração, mediada por uma didática, dadas em circunstâncias complexas em que estão envolvidas no espaço escolar, exigindo-se do professor uma ação reflexiva sobre as mesmas.

É tomando por base esta compreensão de práticas pedagógicas que as consideramos como ações que nos possibilitam compreender como acontece a construção do currículo nos espaços escolares. Razão pela qual adentramos nas observações em sala de aula na perspectiva de perceber as possíveis tensões existentes entre as práticas pedagógicas dos professores de EJA de Sobral e a proposta curricular do sistema de ensino em que os mesmos lecionam, o que será discutido no Capítulo 4, de resultados e análises. No tópico posterior trazemos os estudos teóricos os quais baseamos a temática Currículo.