• Nenhum resultado encontrado

O ALGARVE E O CONGRESSO DE TURISMO

A visita das jornalistas ingleses em

O ALGARVE E O CONGRESSO DE TURISMO

A Imprensa regional deu conta da realização do IV Congresso Internacional de Turismo com alguma antecedência e criou grandes expectativas relativamente às repercussões directas que o mesmo teria para a região, em particular com a vinda de excursionistas estrangeiros ao Algarve. O semanário O Algarve na sua edição de 3 de Março de 1911 lembrava que o sul do 2 Para chefiar a Repartição de Turismo foi designado José de Ataíde e para o Conselho

de Turismo foi indicado Magalhães Lima. José de Ataíde (1881 – 1943) – Advogado e publicista, chefiou a Repartição de Turismo desde a sua criação até 1942. Era sobrinho do ilustre monografista algarvio Francisco Xavier Ataíde da Oliveira. Publicou vários folhetos e colaborou em muitos jornais e revistas da especialidade. Realizou várias conferências sobre Turismo e participou em vários Congressos. Magalhães Lima (1851- 1930) – jornalista, tribuno republicano e Grão-mestre da Maçonaria. Foi membro fundador da Sociedade Propaganda de Portugal e seu presidente após a implantação da República, funções que acumulou com a presidência do Conselho de Turismo, criado em 1911, na dependência do Ministério do Fomento.

Figura 2Sebastião Magalhães Lima (1851-1930)- Político, jornalista e Grão Mestre da Maçonaria. Foi fundador da SPP e seu Presidente. Acumulou com a presidência do Conselho de Turismo, criado em 1911.

Figura 3José de Ataíde (1881 – 1943). Advogado e publicista. Foi o primeiro Director da Repartição de Turismo, criada em 1911.

País devia ter “n’esta celebração um lugar distinto pelo que possui de encantos na feitiçaria com que a natureza aqui pôs os seus mais formosos atractivos”.

Depois descrevia com minúcia os encantos e belezas que o turista poderia encontrar, quer fosse para a beira-mar, para a faixa média do litoral algarvio, ou se pretendesse deleitar com a sua riquíssima história. De seguida lançava o repto: “assim compete aos nossos comprovincianos iniciar um movimento de cooperação no grande Congresso de turismo e preparar a nossa província em regalos e confortos, que deleitem os estrangeiros, que tem o dever de atrair a si, não somente para que digam no seu país que no Algarve se encontram milhares de casos, que lhes promovem agradáveis surpresas, como no mundo comercial e industrial aqui há com que fazer largo comércio e desenvolver lucrativas relações”. Parece que, numa primeira fase, as autoridades locais não manifestaram especial interesse nesta iniciativa, nem sequer responderam ao convite da Comissão Organizadora do Turismo para colaborarem na recepção dos visitantes.

Na campanha promovida por O Algarve, publica- se (12.03.1911) uma carta de um Português residente em Génova que, relativamente a esta parte do território nacional diz: “mostremos-lhe esta admirável província do Algarve, na minha modesta opinião, a região de maior futuro de Portugal, porque é susceptível de se tornar uma grande estação cosmopolita se o governo não se demorar em aproveitar a admirável baía de Lagos, a sentinela avançada no Atlântico e que é a primeira, que os que vêm do Panamá em direcção à Europa encontram, e onde se demorarão por certo se ali acharem as necessárias comodidades e atracções. O Algarve será, logo que se construa a linha de Huelva a Ayamonte, em circunstâncias de por ela transitarem expressos [sic], a primeira província portuguesa visitada por estrangeiros de Granada e de Sevilha. Se estiver devidamente preparada poderá retê-los no incomparável clima, bem superior ao da região mediterrânea. Façamos-lhes ver essa admirável Serra de Monchique com as suas termas já bem conhecidas, e pintemos, às suas imaginações, o que seria essa estação climatérica dotada com luxuosas instalações modernas no cimo de uma serra cuidadosamente arborizada, tendo a seus pés a admirável província algarvia, cuidadosamente cultivada, e coberta por uma flora riquíssima, e ao longe o mar imenso fechando grandiosamente o horizonte.

Se Lagos, com a abertura do canal do Panamá, fica em circunstâncias de se tornar um dos primeiros portos do mundo, Monchique possui todos os requisitos para ser uma das estações climatéricas mais notáveis da Europa”.

Este jornal desenvolveu uma intensa sensibilização junto dos algarvios a favor do turismo, a pretexto da realização deste Congresso, chamando a atenção para a necessidade da região despertar para esta realidade com os inevitáveis benefícios da atracção de estrangeiros “cuja passagem se assinala sempre por uma grande abundância de bem estar e um aumento de riqueza nos países visitados, pois que com eles vem o desenvolvimento comercial, as novas indústrias, toda a robustez da vida económica a quem o sangue novo do progresso, que o estrangeiro representa, traz vitalidade e transformação”.

No dia 19 de Março de 1911, o Dr. Diogo Marreiros Neto, ilustre Advogado algarvio, proferiu uma Conferência sobre Turismo no Teatro Circo de Faro, com a sala repleta e a presença das principais personalidades públicas e privadas da cidade. No final ficou constituída uma Comissão de Honra presidida pelo Governador Civil, integrando as principais autoridades da cidade e Sub-comissões (alojamentos, itinerários e fundos) com o objectivo de prepararem um programa

Figura 4As belezas naturais, condições climatéricas, sol e luz sem comparação eram razões apontadas para tornar o Algarve uma região de turismo.

de visita dos Congressistas à cidade de Faro. Foi dado conhecimento desta decisão à Comissão executiva do Congresso de Lisboa e manifestado o interesse em fazer outras Conferências sobre Turismo, nomeadamente em Portimão e nas terras que os Congressistas visitassem. Temos notícia que se constituíram comissões de recepção em Portimão, Lagos e Silves. Sabemos que estas comissões reuniram, prepararam programas (o de Faro vem publicado em O Algarve de 7 de Maio de 1911), enviaram-nos para Lisboa sem obterem resposta à medida que a data do Congresso se aproximava. Disso mesmo noticiava o jornal da capital algarvia: “ainda não veio para qualquer das comissões do Algarve comunicação alguma sobre a vinda dos congressistas estrangeiros a esta província”.

O Congresso abriu na Sexta-feira e ainda nada foi resolvido pela Comissão Central sobre as viagens nas províncias” (O Algarve – 14.05.1911). Os Congressistas acabaram por não vir ao Algarve, embora tenham visitado outras terras do País, o que gerou grande descontentamento na região algarvia, depois da intensa campanha de sensibilização para a importância deste acontecimento na imprensa regional, da mobilização que foi feita e ainda devido ao facto de na entidade organizadora do Congresso, a Sociedade Propaganda de Portugal, estarem alguns notáveis algarvios.

Por fim, acabaria por chegar uma carta explicativa, endereçada ao Director do jornal O Algarve, que transcrevemos:

“Não foi possível organizar a excursão ao Algarve como tanto desejávamos. A data fixada, isto é, depois da visita do exmo. Sr. Ministro do Interior, [estava prevista a vinda de António José de Almeida a Faro no dia 20 de Maio, no entanto, a mesma não se efectuou] ou seja a 22 ou 23, era demasiado tardia. Entretanto sei que alguns congressistas já visitaram e outros pensam ainda em visitar o Algarve, visto as referências que d’ele fizemos, mas irão isolados ou em pequenos grupos. Agradecemos em todo o caso a V. toda a boa vontade que mostraram em se associar á obra tão patriótica como foi o Congresso que finalizou hoje, e a forma como receberam alguns congressistas que vinham encantados com o acolhimento que tiveram. Os resultados d’esta reunião foram notáveis, e espero que das resoluções tomadas advirão muitos benefícios para o desenvolvimento do turismo no nosso País, com o qual tanto pode lucrar essa linda província. Uma coisa ficou

em Portugal, no ano de 1914; e, até lá, muito convirá que se trabalhe nas regiões não visitadas agora, para se lhes mostrar coisas novas. Apelo pois para os nobres sentimentos patrióticos de V. e para a sua iniciativa afim de, desde já se encetar uma campanha em favor de melhoramentos de várias ordens no Algarve. Saúde e Fraternidade Lisboa, 21 de Maio de 1911. O Vice- Presidente E. Vasconcelos”.3

PRÓ – ALGARVE

Por esta altura havia um sentimento generalizado de abandono e alheamento do governo central para com o Algarve, realidade que caracterizou muitos séculos da monarquia e agora com a República, não obstante a sua curta duração, as coisas pareciam estar na mesma. O Algarve era praticamente ignorado por Lisboa, situação que se alterou um pouco com a chegada do comboio nos finais do séc. XIX. O Algarve era uma espécie de ilha de difícil acesso, devido a uma barreira natural a norte de complicada transposição, senão mesmo perigosa em termos de segurança e de péssimas vias de comunicação. O resto era mar e rio, fronteiras por onde se processava, em grande medida, a circulação de pessoas e mercadorias.

As nossas praias, apesar das suas belezas naturais, não tinham expressão nacional, a tal ponto que Ramalho Ortigão no seu livro Praias de Portugal não se refere a nenhuma praia algarvia, apesar de desde os finais do séc. XIX serem frequentadas por alentejanos e espanhóis, sobretudo as praias de Monte Gordo e Praia da Rocha. A imprensa republicana teve um papel preponderante na criação de uma consciência regional, com vista a alterar este estado de coisas. Não era possível manter este ostracismo relativamente ao Algarve, tendo em consideração a “magnífica produtividade do seu solo pela extrema amenidade das suas condições climatéricas e pela sua inegável actividade comercial, mas ainda e muito principalmente, pela sua situação geográfica, de incontestável e primacial importância estratégica”.4

Por estas razões, entendiam que os governantes deviam olhar para o Algarve com outra consideração e atender às suas necessidades mais prementes. O Algarve não possuía comunicações rápidas e seguras, a rede ferroviária era exígua e de traçado absurdo, sendo o material circulante velho e em péssimas condições, 3 O Algarve – 28 de Maio de 1911

4 O Sul – 18 de Agosto de 1912.

Figura 6Caricatura de Rocha Martins sobre o mau estado das vias de comunicação portuguesas. O Algarve era a região do País onde a rede viária apresentava maiores deficiências.

levando uma viagem do Algarve a Lisboa cerca de treze horas. Por outro lado, os portos precisavam de ser melhorados e ampliados e hotéis praticamente não existiam. Nessa ordem de ideias, como reforçava um periódico: “se os governos e os municípios, numa intensa acção em que todos os esforços se conjugassem, o que estimularia também a iniciativa particular, procurassem melhorar este estado de coisas, é indubitável que nós poderíamos em breve tempo tirar o maior proveito das nossas excepcionais condições climatéricas, atraindo para aqui o touriste que foge para aonde lhes facultam todas as comodidades embora lhe não dêem, porque é coisa que não se compra, um céu tão puro e anilado, uma temperatura tão suave, um sol tão lindo e umas noites tão poéticas, finalmente, uma natureza em que tudo ande a florir suavidade, risos e poesia!”5.

Podemos, portanto, concluir que o diagnóstico dos principais problemas da região que impediam o seu desenvolvimento completo estava traçado. Tinham consciência de que Roma e Pavia não se fizeram num dia, mas que era imprescindível avançar rapidamente com a concretização de medidas essenciais tendo em vista a atracção de turistas.