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DA “PRAIA DA ROCHA” COMO ESTÂNCIA BALNEAR

Portimão O desafio museológico entre turismo e património

DA “PRAIA DA ROCHA” COMO ESTÂNCIA BALNEAR

É na viragem para o século XX que chegam os primeiros “touristes” e alguns veraneantes, acusando o declínio dos hábitos termais.

Começam a definir-se alguns potenciais destinos balneares regionais, de onde se destacariam Monte Gordo e a Praia da Rocha, a par também das primeiras tentativas de esboçar estratégias de divulgação destes e de outros destinos a nível nacional.

1 Denominação encontrada em alguma literatura da época reportando-se aos

primeiros visitantes. Este termo surgiu em França, no decurso dos vários incrementos introduzidos pelo general De Gaulle relativamente à democratização do fenómeno turístico.

Alguma imprensa regional como a Alma Algarvia, publicações periódicas entre as quais o Almanaque do Algarve ou a Revista Internacional e alguns registos bibliográficos como as Cartas de um Viajor de João Arruda (1908), ou o Manual do Viajante de Leonildo Mendonça (1907), dão já conta dos principais destinos turísticos e balneares do país.

Na Alma Algarvia relata-se a época balnear, os seus aspectos e rituais quotidianos, geralmente com início em Maio e encerramento em Outubro, enunciando as famílias que chegavam ao Algarve, a sua origem e a constituição de uma comunidade de elite nas praias de eleição, entre as quais a Praia da Rocha, onde eram alugadas casas e chalets.

A Praia da Rocha surge, neste contexto, como uma das mais promissoras estâncias balneares do país, pela beleza e qualidade da praia e pela amenidade do clima, sendo comparada à Cote d’Azur e à Riviera Francesa. Famílias de alentejanos, algarvios de terras vizinhas, Lagos, Monchique, Faro, um ou outro lisboeta e andaluzes movidos também pelos negócios, começam a ocupar esta estância.

No entanto, apesar da procura que já se fazia notar e à imagem do restante Algarve, o eixo Praia da Rocha–Portimão debatia-se ainda com insuficiências e limitações de vária ordem.

A falta de acessos era um dos principais motivos de constrangimento da Vila Nova de Portimão que se afirmaria, nos finais do século XIX, como “o primeiro centro de vida do Algarve” e o segundo porto comercial depois de Vila Real de Santo António.

Embora já com estradas municipais que ligavam todo o concelho, apenas em 1876 é inaugurada a ponte rodoviária, dando desse modo continuidade ao projecto da estrada do litoral algarvio o qual, passando por Portimão ligava Vila Real de Santo António a Lagos e, somente em 1922, seria inaugurada a ponte ferroviária sobre o rio Arade.

As incipientes condições de acolhimento de potenciais visitantes, a falta de luz e água, a inexistência de uma rede de esgotos, associada às más condições de higiene e de alojamento também seriam fortes condicionantes à capacidade da atractividade local.

Uma das prioridades passaria igualmente por mudar a mentalidade da população local para alterar os seus hábitos de vida, os quais primavam por parcos cuidados de higiene e de saúde pública.

Nos finais do século XIX começam a oferecer-se serviços de alojamento e alimentação e existiam no centro da vila quatro hotéis: o Hotel Francês, o Hotel Seromenho, o Hotel Central e o Hotel Sansão.

A dois quilómetros de Porti- mão, a Praia da Rocha acompanhava este cenário. Constituída sobretudo por chalets e quintas que progressi- vamente começavam a ser alugados na época balnear, existia apenas um hotel o Hotel Viola (1912), o qual no entanto, reunia poucas condições de acolhimento, pelo que era na vila que as famílias encontravam aloja- mento com mais facilidade.

À Praia da Rocha era também apontada a falta de algumas infraes- truturas, como o fornecimento de água, o alcatroamento da avenida principal, e a falta de atrativos como um casino, animação musical e cam- pos de golfe, entre outras.

No entanto, a crescente procura desta estância tão afamada pela sua beleza natural, motivou a abertura de um posto de telégrafo, a inauguração do Casino da Rocha em 1910 e a constituição de algumas Comissões (de alojamento e itinerários) em 1911, para a receção aos “touristes”.

Este crescimento que coincide com a passagem da Monarquia à República, culmina com a realização do I Congresso Regional Algarvio, entre os dias 3 e 5 de Setembro de 1915, no Casino da Praia da Rocha, uma das mais importantes afirma- ções do regionalismo republicano do Algarve.

Dinamizado na sua génese, pe- los algarvios António Teixeira Biker, presidente do núcleo portimonense da Sociedade de Propaganda de Por- tugal e por Thomaz Cabreira, presi- dente da Comissão Organizadora do

Figura 2 Hotel Viola, 1912

Figura 4 1.º Congresso Regional Algarvio 1915A Figura 3 Casino da Praia da Rocha

Congresso, nele se pretendia analisar as condições e os problemas gerais com que o Algarve se debatia, visando igualmente potenciar o seu desenvolvimento, designa- damente a promoção do turismo no Algarve.

Desde o clima, aos principais setores de atividade, entre os quais as indústrias, a agricultura, os transportes, a educação, a arte, a pesca, os portos e barras algarvias, foram apresentadas 25 comunicações procurando caracterizar a região, apresentar soluções e sublinhar as suas mais-valias.

Entre estas analisaram-se também as áreas mais carentes e os temas que então deveriam merecer mais atenção, como seria o caso das “Zonas de Turismo”, por Thomaz Cabreira, o qual propunha a criação de uma “Estação de Turismo: Praia da Rocha – Monchique” para tirar partido das potencialidades e da invejável proximidade entre o mar e a montanha, a comunicação “Hoteis” de Raul Lino, onde aquele arquiteto apresentava a sua tipologia de construção para um “Hotel Solar“, como sendo o adequado ao litoral algarvio e um tema apresentado por Manuel Emygdio da Silva, designado “Kurtaxe”, sobre os “benefícios para o turismo da região, resultantes da aplicação de uma taxa designada por “imposto municipal”.

Este Congresso foi igualmente acompanhada por um intenso programa aberto à população no qual, para além da animação musical, artística e desportiva, contou com uma importante “Exposição de Produtos Agrícolas e Industriais do Algarve”, cujos proprietários e empresários atravessavam graves problemas de exportação, em especial para a Alemanha, devido ao difícil contexto da 1.ª Grande Guerra (1914-1918).

No entanto, do que foi discutido neste Congresso e dos seus contributos infelizmente pouco se efectivou e é mais tarde, do interior da própria elite portimonense, entre os quais os industriais Cayetano Feu e Magalhães Barros, que surgem iniciativas como a Sociedade da Praia da Rocha, com o objetivo de fomentar a construção de algumas infaestruturas designadamente hotéis.

Mais tarde (1930) surge a Comissão de Iniciativa da Praia da Rocha, formada também por Cayetano Feu, João Josino da Costa e José Simões Quintas.

É de realçar o papel de algumas das mais influentes personalidades de Portimão no desenvolvimento da Praia da Rocha, onde se incluem Industriais, proprietários, comerciantes locais e outros que, vindos de fora, aí se fixaram a pretexto dos negócios e interesses na localidade.

Figura 5 Anúncio de espetáculo no Casino 2 de agosto 1925

Foram eles os primeiros a construir ou a comprar chalets na Praia da Rocha, para aí passar a época balnear, contribuindo desse modo para impulsionar o desenvolvimento desta estância.

Mas apesar destas tentativas promocionais e estruturantes, chega-se ao Estado Novo, sem grandes melhorias ou transformações.

Com a criação do Secretariado Nacional de Informação (SNI), organismo estatal promotor do turismo e, à imagem da política de um governo que procurava o elogio de uma ruralidade moribunda e temia o progresso e as novas mentalidades, rejeitava-se a ideia de divulgar um Algarve balnear ou centrado na amenidade do seu clima e na qualidade das suas praias.

Em vez disso, este organismo tentou exaltar um outro tipo de belezas naturais, os supostos símbolos da ruralidade e da “tipicidade” aí existente.

Surgiram representações como as amendoeiras em flor, as casas caiadas, as chaminés algarvias, entre outras.

Neste contexto surgiu também uma nova forma de turismo popular nacional, o excursionismo, muito ligado à época das amendoeiras em flor, cuja imagem aliás foi escolhida para o primeiro grande cartaz turístico do Algarve.

A criação da Empresa de Viação do Algarve (EVA) em 1933, possibilitou no ano seguinte, o início da organização de excursões e iniciativas em grupo, para visitar o Algarve na época das amendoeiras floridas.

Sagres foi, neste contexto, alvo do turismo de propaganda como ponto de partida histórico e mitológico para a expansão marítima portuguesa, juntando-se assim aos destinos “Praia da Rocha” e “Monchique”, que constituiriam o “O brinquinho do Algarve”.

No entanto, apesar dos esforços do Estado Novo para controlar o fenómeno turístico, promovendo uma política regionalista promotora do “rusticismo”, era mesmo para as praias que se dirigiam os turistas.

A Praia da Rocha vai crescendo em fama e as condições de acolhimento vão conhecendo melhorias.

A ligação a Portimão torna-se mais efetiva pois, para além das famosas viagens de carrinha que fizeram a maravilha de muitos turistas e locais até aos anos oitenta, a partir de 1936 surgem as carreiras de autocarros.

Dá-se o alcatroamento da avenida principal, a iluminação da mesma e a melhoria das instalações aí existentes.

Figura 6 Folheto promocional da Praia da Rocha como Estância de Inverno

No início dos anos trinta melhora-se e amplia- se o antigo Hotel Viola e surge no seu lugar o Grande Hotel da Rocha (1932), a que se seguirá em 1936, a inauguração do Hotel Bela Vista, antiga residência do industrial António Magalhães Barros.

Este hotel, que manteve o romantismo presente na construção e nos aspectos decorativos dos seus interiores do seu primitivo edifício, era muito procurado por ingleses que, sobretudo no contexto da II Grande Guerra e pós-Guerra, se transformam numa presença assídua, geralmente nos meses de Setembro e Outubro. Sobre este fenómeno comentou Pearce de Azevedo, “(…) Chegam ao Algarve várias famílias de cidadãos britânicos, que vão aumentando nos anos que se seguiram e que constituem uma comunidade estrangeira na Praia da Rocha. São reformados, indivíduos na sua maioria das ex-colónias britânicas, atraídos pelo clima do Algarve e que se alojam naquela praia trazendo para ela o hábito do seu país (…)”. (AZEVEDO cit. in PRISTA, 1991)

Com a crescente afluência de gentes às praias, com diferentes culturas e comportamentos, os hábitos balneares e mentalidades foram sofrendo influências e alterações. As praias que eram sobretudo espaços marítimos, começaram a ter uma dupla demarcação, agora associadas ao ócio e lazer.

E do “fazer praia” porque fazia bem à saúde, progressivamente esta tornou-se um espaço recreativo onde as “modas”vindas do exterior, como o culto do corpo e do bronzeado, foram ganhando espaço.

Tendo em especial atenção o regime conservador em que Portugal se encontrava, surgiu toda uma regulamentação própria para evitar o descontrole dos “novos tempos”.

Esta era diversificada e abrangia diversas frentes, desde a segurança e decoro dos banhistas, com rigorosos detalhes sobre o tipo e dimensões da indumentária permitida na praia, à repressão da mendicidade, à exploração de negócios nos areais durante o Verão.

Até os uniformes das autoridades, as vestes dos vendedores, o horário dos banhos, o uso de chapéus- de-sol e os atributos dos nadadores salvadores foram contemplados na extensa e minuciosa regulamentação que incidiu sobre as praias.

A praia exigiu assim rigores de decência e vigilância que, antes do turismo, pareciam não se justificar e que subsistiriam mesmo em épocas de maior abertura.

Paralelamente, a praia tornava-se palco dos rituais, hábitos e comportamentos dos seus ocupantes.

Neste espaço coexistiam as famílias de algarvios, alentejanos, lisboetas, espanhóis que aqui faziam a sua época balnear, alugando um toldo para os meses da temporada que aqui passavam.

Frequentemente, era comum assistir-se, nesse ritual de chegada à praia, a uma sequência que se iniciava em geral com o grupo feminino, onde se integravam as “senhoras” com as crianças e as “criadas” e, mais tarde terminado o trabalho, com a chegada dos homens.

Pedro Prista (1991) refere que os algarvios citadinos apareciam na praia em Julho e Agosto, enquanto aqueles que trabalham na agricultura só o faziam em Setembro. Os alentejanos por seu lado frequentavam diferentes praias de acordo com o seu estatuto social: “(…) os pobres iam para Quarteira, os remediados para Albufeira, os ricos para Armação de Pêra e os finos para a Rocha”.

A par e passo com esta ocupação, ocorriam numa outra esfera, as festas dos trabalhadores agrícolas, a de S. João a 24 de Junho e a de S. Miguel a 29 de Setembro, quando as pessoas de Monchique desciam à praia para o piquenique e o banho, gerando um interessante entrosamento entre locais e turistas.

Posteriormente, com a vinda crescente de turistas estrangeiros, com as férias dos trabalhadores, entre outros fatores, a ocupação da praia altera-se no sentido de uma maior democratização deixando desse modo de ser o espaço elitista inicial.

A MASSIFICAÇÃO TURÍSTICA E A TRANSFORMAÇÃO