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Destacamos a importância da tese central de Adauto Barbosa quando, ao concluir sobre o megaempreendimento do Paiva demonstra o

[...] processo contraditório da inclusividade exclusiva. Na sua essência, ao mesmo tempo em que se projeta e se manifesta a inclusão de uns, há, também, a exclusão de outros. A este quadro contraditório, é bastante plausível relacionar a metáfora do cão que tenta morder a própria calda, como se do seu corpo ela não fizesse parte, e tal- vez por sua incapacidade de enxergar a realidade por um outro ângulo, ignorantemente, teima em livrar-se de um pedaço de si. O mais grave é que os agentes em contexto estão longe de ser ignorantes como o cão. Neste caso, a ‘lógica Frankenstein’ vigora com todo seu esplendor e a cidade cada vez mais se vê constituída de pedaços bonitos e feios, mas que na sua totalidade não se combinam, e corre o sério risco de se transformar em algo cada vez mais irreconhecível. (BARBOSA, A., 2014, p. 277-278)

Essa metáfora canina já estava presente no curta metragem de Katia Meisel, Recife de dentro para fora (1997), no qual, com base no poema de João Cabral de Melo Neto (2007), “o cão sem plumas”, a diretora procu- rava cumprir a tarefa de reconhecimento do espaço socioambiental reci- fense. Na trajetória recente, a aglomeração do Recife manteve-se estrutu- ralmente excludente, remetendo a horizontes utópicos, sua completude como metrópole regional e cidade boa para se viver, bem como a redução da desigualdade, valendo, então, relembrar alguns trechos do poema:

“Como o rio aqueles homens são como cães sem plumas; um cão sem plumas é mais que um cão saqueado; é mais que um cão assassinado.” Escrevendo sobre o rio, o poeta revela ainda: “Ele tinha algo, então, da es- tagnação de um louco. Algo da estagnação do hospital, da penitenciária, dos asilos, da vida suja e abafada (de roupa suja e abafada) por onde se veio arrastando.” (MELO NETO, 1994, p. 107)

Em direção ao rompimento dessa estagnação, David Tavares Barbosa (2014, p. 171) ressalta o papel contemporâneo de coletivos de cinema e do movimento Direitos Urbanos. Destaca:

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[...] os seguintes assuntos nas representações contra hege- mônicas: a) Crítica ao modelo de desenvolvimento econô- mico, suas ligações políticas e correlatas formas de ocu- pação do solo e de participação social; b) Desmistificação da retórica do desenvolvimento, progresso e modernização imposta pelos discursos hegemônicos; c) Necessidade de reaproximação da sociedade civil do processo de constru- ção das opções de planejamento urbano, de ocupação do espaço público e valorização da paisagem; d) Consideração de uma ’paisagem-cidade’ em contrapartida à ‘paisagem- -cenário’ dos discursos hegemônicos, quer dizer, utilizar do debate do Novo Recife não para discutir projetos, mas para pensar a cidade e o direito à cidade.

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