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A região de influência da metrópole recifense: uma região periférica com marcos de dinamismo

Nos anos 60 do século passado, num país periférico pre- dominantemente rural e onde a indústria e o consumo estavam se concentrando numa região core no Sudeste e especialmente na Grande São Paulo, era consenso que a difusão do processo de inovação e desenvolvimento se daria fortalecendo sucessivamente centros metropolitanos e capitais regionais, fluindo dali para os centros menores. Estabeleceu-se, então, uma agenda para o planejamento

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estatal que consistia, numa primeira etapa, em fortalecer as grandes cidades fora da região core. (SOUZA; BITOUN, 2015, p. 49)

Na periferia da periferia, onde se reconhecia o caráter agudo do subde- senvolvimento nordestino, foram instituídas três regiões metropolitanas (Salvador, Recife e Fortaleza) decorrentes, então, “de intenções lastrea- das em estratégias de desenvolvimento regional.” (MOURA; HINOSHI, 2015, p.13) Urbano-centradas essas estratégias, apoiavam-se em diagnós- ticos da rede urbana que procuravam identificar, por meio de fluxos cen- trípetos e centrífugos de bens e serviços, hierarquias e áreas de influên- cia das cidades. Sucessivos estudos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – 1967, 1972, 1987, 2000, 2008 – vêm desenhando uma área de influência para a metrópole recifense cada vez mais centrada no litoral norte-oriental do Nordeste, estendendo-se a oeste nos sertões pernambucano, paraibano, alagoano e à parte central do Rio Grande do Norte. Se, nos primeiros estudos, a região de influência estendia-se até os longínquos sertões piauiense e maranhense,

[...] tratava-se de uma vinculação episódica, herança do pro- cesso de colonização, seguindo os caminhos de tropeiros e do gado, reafirmada, sobretudo, na procura por parte das elites locais do ensino superior e dos seminários do Recife para estudar. (SOUZA; BITOUN, 2015, p. 62)

No seu estudo mais atualizado (IBGE, 2013), o instituto adota novos paradigmas da simplificação da hierarquia urbana (SANFELIU, 2009) e do policentrismo, como diretriz de desenvolvimento, privilegiando o for- talecimento das conexões entre as cidades intermediárias e as suas arti- culações regionais, dando peso menor nas estratégias a serem adotadas à difusão das inovações, das cidades maiores para as menores, paradigma predominante no século XX. (BRASIL, 2008)

Mais compacta (267.060 km2) e mais densa em centralidades inter-

mediárias (19 Regiões intermediárias de articulação urbanas, entre as quais destacam-se aquelas quatro vinculadas a grandes aglomerações – Recife, Maceió, Natal e João Pessoa – e nove, a aglomerações e cidades de porte médio – Petrolina/Juazeiro, Campina Grande, Caruaru, Arapiraca, Garanhuns e Patos), a Região Ampliada de Articulação Urbana do Recife reúne 18.353.407 habitantes. (IBGE, 2013) A aglomeração recifense (con- siderada nos seus limites institucionais da Região Metropolitana) con- centra 1/5 (3.690.547 habitantes) da população da sua Região Ampliada sobre 1,04% da área (2.774 km2).

A Região Ampliada do Recife, como muitas outras no país, resulta no longo tempo histórico da sucessão/superposição das formações territo- riais “escravista atlântica”, “agromercantil nacional”, “urbano-industrial nacional”, segundo periodização estabelecida por Cláudio Egler (2001, p. 84-85):

Essa última consolida-se a partir da década de 30 e caracte- riza-se pelo processo de industrialização que passa a deter- minar a lógica da acumulação endógena. Na consolidação dessa formação, pode-se distinguir três fases: a) fase da industrialização restringida (1930-45 a 1956-60), quando a lógica da acumulação ainda dependia visceralmente da ca- pacidade de exportar bens agrícolas, em consequência da dependência da importação de bens de produção do mer- cado mundial; b) fase da industrialização pesada (1956-60 a 1975-79). O Plano de Metas e a industrialização pesada, comandada pelo Estado, que se estende até o II Plano Na- cional de Desenvolvimento, foram responsáveis por ex- pressiva aceleração no ritmo de crescimento do mercado doméstico, que se expressa em novas relações cidade/cam- po, iniciando o processo de constituição da rede urbana integrada em nível nacional. Essa rede era a expressão do dinamismo do mercado doméstico, que deu sustentação ao processo de industrialização.

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O mesmo texto segue identificando uma “fase de internacionalização financeira iniciada em 1975-79” e destaca algumas das suas características:

[...] crise e esgotamento fiscal e financeiro do Estado nacio- nal, cuja capacidade de comandar o processo de industria- lização foi seriamente comprometida pelo endividamento interno e externo. A lógica do investimento passou a ser diretamente comandada por empresas transnacionais e pela presença do capital privado a elas associado. O perío- do caracteriza-se pela redução do ritmo de crescimento das grandes metrópoles (São Paulo e Rio de Janeiro) e pela emergência de novos centros dinâmicos fora do eixo conso- lidado (Fortaleza, Manaus, Brasília-Goiânia, dentre outros). A partir de 1991-95, a orientação do processo de industria- lização passa a responder à dinâmica de uma estrutura de mercado que não está mais restrita às dimensões do territó- rio nacional, mas orienta-se para a consolidação de cadeias produtivas transfronteiras, principalmente no Cone Sul da América, destinadas a ocupar o mercado sul-americano e a competir em escala mundial. Nesse sentido, embora pre- maturamente, seria possível definir a emergência de uma nova formação territorial, cuja delimitação sugere dimen- sões transfronteiriças e cujo ritmo de acumulação está de- terminado pela capacidade de conquistar fundos privados, seja no mercado doméstico, seja no mundial, viabilizada, em grande parte, pelas políticas cambiais e monetárias do Estado-nação, que passa a cooperar e/ou a competir com outros Estados-nações pela captura desses fundos privados. A título provisório, pode-se denominá-la de “formação ter- ritorial urbano-financeira supranacional.

Dessa periodização para a Região Ampliada do Recife, precisam-se destacar algumas heranças:

1) Como um dos principais centros do tráfico negreiro no atlântico, Recife acumulou riqueza no decorrer desse grande e duradouro comércio (1600 a 1850). A predominância do trabalho escravo e a

longa transição para o trabalho livre constituíram ambientes des- favoráveis, no decorrer dos quais iniciou-se um contínuo esforço dos afro-americanos para reconstituir laços sociais após terem sido dessocializados e despersonalizados pelo grande comércio negreiro. (ALENCASTRO, 2000) Essa condição original, asso- ciada à estrutura fundiária cedo concentrada e intocada na mata canavieira, expressa-se com excepcional intensidade na Região Intermediária do Recife, de onde se originaram os grandes fluxos migratórios para a cidade desde os anos 1930. (ANDRADE, 1979) Essa Região Intermediária, com 1.827.345 habitantes em 2010, fica próxima à Região Metropolitana e mantém elevados níveis de pobreza, no mesmo período: 61,36% dos domicílios particulares permanentes apresentam-se sem rendimentos ou com rendimen- to nominal mensal domiciliar até dois salários mínimos; 54,58%, no conjunto da Região Ampliada sem a Região Metropolitana e, nessa, 41,95%. Vale ressaltar que, de todas as capitais do país, Re- cife e Maceió apresentam os dois mais altos coeficientes de Gini. 2) A implantação de ferrovias para o Agreste e o Sertão, durante a

consolidação da “formação territorial agromercantil”, nas últimas décadas do século XIX e nas primeiras do século XX, permitiu a implantação, na maior área da Região Ampliada, de uma econo- mia associando o criatório e as plantações de algodão destinados ao mercado inglês. (CLEMENTINO, 2010) Esse sistema consor- ciado, associando, em partes dessa região, meeiros e proprietá- rios, campos e cidades, foi desmontado nas décadas de 1970 e 1980.

Considera-se que esse desmonte gerou até hoje uma longa crise, em condições permanentes de fragilidade da agri- cultura familiar, decorrentes parcialmente da semiaridez e das secas, mas principalmente de condições fundiárias,

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sociais, técnicas e de práticas de comercialização penali- zantes ao pequeno produtor que, dentro desse sistema, já era o elo frágil. Com o passar dos anos, foram encontradas alternativas no campo em atividades produtivas em diver- sas escalas: arranjos produtivos, com padrões técnicos e organizacionais diversos, sendo somente um deles a ex- pansão do agronegócio em áreas irrigadas. (SOUZA; BI- TOUN, 2015, p. 63)

3) Na Região Ampliada do Recife, a expansão do agronegócio em áreas irrigadas ocorreu sobretudo na Região intermediária de Pe- trolina/Juazeiro, às margens do Rio São Francisco.

4) Na formação territorial “urbano-industrial nacional”, retrospecti- vamente, observa-se a fragilidade do tecido industrial muito con- centrado nas capitais e em algumas cidades do interior da Região Ampliada do Recife, na fase da “industrialização restringida”, com um mercado regional limitado pela pobreza generalizada (SIN- GER, 1969) e que não recebeu correntes imigratórios à imagem dos que ocorriam no Sudeste, que configuraram, lá, uma classe operária numerosa e dinâmica. Essa fragilidade revelou-se na fase seguinte de “industrialização concentrada”, durante a qual se des- fez, no ambiente da concorrência estendida ao território nacional integrado, esse tecido industrial regional (deixando numerosos “brownfields” no espaço das grandes cidades), que as estratégias implantadas pela Superintendência do Desenvolvimento do Nor- deste (SUDENE) tentaram compensar pela implantação de distri- tos industriais. Durante essa fase, a Região Ampliada do Recife assume um papel essencial na Divisão Regional do Trabalho de exportadora de mão de obra para outras regiões, especialmente, Sudeste, Norte e Centro-Oeste.

5) Na fase da “industrialização financeira”, até o final dos anos 90, a Região Ampliada, muito dependente das iniciativas de um Estado

esgotado fiscal e financeiramente não retoma uma dinâmica de industrialização. Mas essa fase é importante: a) para a tomada em consideração de movimentos estruturais, tais como a aceleração da transição demográfica e a construção da universalização do en- sino fundamental, as mudanças nos serviços de saúde – implanta- ção do Sistema Único de Saúde (SUS) – e a afirmação de direitos na Constituição de 1988; b) para entender os movimentos combi- nados dos agentes privados e públicos, a fim de se preparar uma nova conjuntura política e econômica, conforme veremos abaixo, quando trataremos de casos paradigmáticos de reconfigurações recentes na Região Metropolitana do Recife; reconfigurações essas tornadas visíveis numa etapa que Egler (2001) propõe denominar “formação territorial urbano-financeira supranacional”.

Nessa etapa, observa-se uma nova conjuntura política e econômica que no quinto Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pes- quisa em Planejamento Urbano e Regional (V ENANPUR), em 2013, foi caracterizado pelos organizadores do encontro como “momento peculiar da história do Brasil caracterizado pela emergência do chamado ‘novo desenvolvimentismo’, em que se ressalta a ampliação do poder do Esta- do, a retomada do crescimento e a redução da pobreza.” (FERNANDES; LACERDA; PONTUAL, 2015, p. 11) Na Região Ampliada do Recife, esse momento conjuga eventos vinculados ao maior protagonismo do Esta- do (numa conjuntura de melhora momentânea das finanças públicas, puxada pelos preços altos das commodities no mercado internacional), ao acesso ampliado ao consumo de populações pobres e à reversão de correntes migratórias (migrações de retorno e migrações descendentes de mão de obra qualificada, acompanhando a implantação de novos em- preendimentos), que, combinados, geram novas oportunidades para in- vestimentos na região. Souza e Bitoun (2015, p. 63-64) registram alguns desses eventos:

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• No Litoral, com o apoio do Programa de Desenvolvimento do Turismo no Nordeste (Prodetur), desde a segunda metade dos anos 90, a expansão dos empreendimentos turísticos e dos lote- amentos de segunda residência reconfiguram o uso do território, criando novos espaços com graus menores ou maiores de exclu- sividade.

• No semiárido, a difusão de cisternas, de modo a permitir a con- vivência com a seca, o que pode ter contribuído a diminuir o im- pacto das secas severas nos movimentos populacionais ao lado da discreta melhora da renda por meio do aumento do salário mínimo e, também, por meio das transferências de renda (apo- sentadorias e bolsa família).

• Na região, em geral, implantações e melhoras de rodovias, des- tacando a antecedência dos investimentos na melhoria de BRs estruturadoras de ligação entre as capitais estaduais e o agreste e o sertão dos estados em Alagoas, Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte, em relação à recente duplicação da BR 101, li- gando as capitais estaduais; generalização da eletrificação rural, praticamente completada, e de redes de torres de transmissão de sinais para celulares, ainda sem a cobertura completa de todas as localidades; multiplicação de unidades escolares nos três graus de ensino, de saúde e assistência social, principalmente concentra- das nas cidades de diversos portes.

Em conjunto, esses investimentos geraram novas conexões entre lugares e uma maior integração entre campos e cidades, reforçando o paradigma da urbanização extensiva (MONTE-MÓR, 2006) sem que se apagassem formas de organização da vida social, características dos di- versos lugares habitados (sítios, povoados e cidades dos mais variados tamanhos). Particularmente, no que se refere à configuração da rede ur- bana, a duplicação da BR 101, entre Recife e João Pessoa, pode ter gerado

a consolidação do arranjo urbano-regional identificado por Rosa Moura (2009) entre as duas aglomerações.

Na Região Metropolitana do Recife, Souza e Bitoun (2015, p. 25) asseveram:

O mercado de trabalho da metrópole do Recife também passou por uma melhora significativa entre os anos 2000 e 2010, embora persistam algumas fragilidades. A popula- ção ocupada da RMR cresceu 3% ao ano, na década consi- derada, levando a um incremento de mais de 34% do total de pessoas ocupadas e totalizando quase 1,5 milhão de tra- balhadores em 2010, embora registre-se, em paralelo, um incremento de 15,4% das pessoas ocupadas em situação de fragilidade. O crescimento generalizado da participa- ção da construção civil na população ocupada e no setor formal de empregos está diretamente relacionado com as obras de reestruturação da infraestrutura econômica, so- cial e urbana da RMR, a implantação e ampliação de plan- tas industriais (no sul e no norte da região), a construção de infraestruturas e equipamentos vinculados à Copa 2014 (no oeste metropolitano) e aos vários e dispersos empre- endimentos imobiliários. Vale ressaltar que o dinamismo deste setor deverá sofrer retração ao serem concluídas as obras de construção civil, com a desmobilização de grande parte da mão de obra empregada, a exemplo do que já vem ocorrendo em municípios nos quais este setor se destacou – Cabo de Santo Agostinho e Ipojuca (CIPS), São Lourenço (Arena Pernambuco). As mudanças na distribuição seto- rial e espacial da economia metropolitana e do entorno in- dicam o início de um processo de reestruturação produtiva na região, que perpassa também o mercado de trabalho e deve se consolidar nos próximos anos. A intensidade dessa reestruturação está diretamente relacionada à capacidade de internalização dos efeitos positivos dos novos empreen- dimentos e às articulações com a base econômica existente (ampliação e adequação da produção de bens e serviços aos novos padrões exigidos).

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Reconfigurações seletivas no centro e nas

periferias da metrópole recifense: marcos