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Natal no contexto da metropolização brasileira e regional

Natal foi institucionalizada como Região Metropolitana em 1997, mas os primeiros indícios do processo de metropolização em seu território co- meçam a aparecer já nos 1970: a expansão das periferias urbanas e o sur- gimento das cidades dormitório. As articulações econômicas e espaciais do contexto geral incidiram sobrecentros intermediários. Ao tomar Natal – uma “aglomeração urbana não-metropolizada” – para análise, acredita- se que os efeitos daí decorrentes ocorreram localmente em menor grau e intensidade, considerando o processo de metropolização brasileira.

Mas, pergunta-se: de que forma se insere uma “aglomeração urbana”, não propriamente metropolitana como Natal, ao processo de “metropoli-

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zação brasileira”, ponderando a nova ordem neoliberalizante que se ma- nifesta nos territórios metropolitanos no período de 1980-2010?

Em certa medida, o neoliberalismo no país – que avança a partir do governo de Fernando Collor e ganha força com o de Fernando Henrique Cardoso – foi precocemente internalizado pelos “governos mudancistas” do Nordeste, que sustentaram um discurso assentado em dois vetores: gestão pública eficiente, enxuta e com participação mínima do Estado, por um lado, e atração de investimentos, por outro. (LIMA JUNIOR, 2014) No Nordeste, o Estado teve papel importante na nova rodada de acumulação que emergia com as transformações do capitalismo, e a polí- tica local influenciava nos rumos da mudança. Ainda que o governo local passasse a ser o responsável pelo desenvolvimento econômico estadual, no Rio Grande do Norte (RN), o discurso não se revelou como prática, sendo tímida sua participação na “modernização de superfície”. (LIMA JUNIOR, 2014) Em Natal, não foi diferente: o avanço da metropolização não se desvinculou do ajuste neoliberal, tendo, a Capital, um papel es- tratégico na captura dos fluxos sobre o espaço potiguar e seus vínculos com outras arenas.

O padrão seletivo apontado na construção dos estudos que dão base a este trabalho é manifestado por meio de deslocamentos ocorridos na RMN nos anos de 1980 e no período entre 2000 e 2010. As maiores mudanças aconteceram na década de 1980, quando teve início a confi- guração da “metrópole em formação” (CLEMENTINO; PESSOA, 2009), e no período referente aos anos 2000 a 2010, no qual os impactos da reestruturação produtiva no RN articulam-se com os processos globais que expressam a lógica da renovação da acumulação. Mais uma vez, a capital é privilegiada, pois a lógica da renovação da acumulação no RN recai em setores particularmente urbanos, a exemplo do turismo e de sua imbricação com o imobiliário – substanciando o que foi denomina- do de “imobiliário turístico.” (FERREIRA; SILVA, 2006; DANTAS; FER- REIRA; CLEMENTINO, 2010; SILVA, 2010; SILVA; FERREIRA, 2012)

Inicia-se a análise pelas características do processo de metropoli- zação, ou seja, pelo contexto no qual se inserem a dinâmica de consti- tuição do espaço metropolitano de Natal – seu poder de articulação e de polarização no território regional e nacional – e os novos arranjos espa- ciais e suas conexões às configurações territoriais, conforme Figura 5, com as transformações demográficas e de suas bases produtivas. Para tal, a síntese da estrutura de desenvolvimento territorial, relacionada à dinâmica populacional e seus rebatimentos na economia urbana, será tratada à continuação.

Figura 5 - Região Metropolitana de Natal – localização no estado do Rio Grande do Norte

Fonte: Mapa base do IBGE (2009).

O REGIC nos dá elementos para examinar a inserção, na rede urbana brasileira, dos municípios que compõe o RN. (IBGE, 2008) Observaram- -se poucos deslocamentos na rede urbana potiguar. Indícios ocorridos na zona oeste do estado, com ênfase no município de Mossoró, não são su- ficientes para abalar a confirmação da macrocefalia urbana de Natal, em relação ao RN e à sua região metropolitana, ao concentrar excessivamen- te os equipamentos urbanos de comércio, serviços (públicos e privados), além da forte concentração do mercado de trabalho (como se verá mais adiante). Dos municípios que compõem a RMN, Parnamirim, São Gon-

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çalo do Amarante e Extremoz apresentam elevado grau de integração me- tropolitana com Natal, demonstrado na Figura 6, tendo em vista a consi- derada metropolização no Brasil. (RIBEIRO et al., 2012) Embora Macaíba não apresente alto grau de integração, a conurbação de Natal com o mu- nicípio de Parnamirim tem provocado transbordamentos em sua direção, aproximando-o de São Gonçalo do Amarante. A rigor, além de Natal, são quatro, os municípios que compõem a Região Metropolitana funcional: Parnamirim e Macaíba, ao Sul, e São Gonçalo do Amarante e Extremoz, ao norte; muito embora, a RMN esteja constituída por 11 municípios.

Figura 6 - Níveis de integração dos municípios metropolitanos de Natal à metropolização brasileira

Para explorar a relação entre a divisão social do trabalho e seus efeitos sobre a divisão socioespacial, Luiz César de Queiroz Ribeiro (2013) – orientado pela polêmica que alimenta o debate centrado nos efeitos da reestruturação produtiva sobre o mercado de trabalho, com significativas alterações na oposição entre as classes sociais que marcou a era indus- trial fordista – sugere que o surgimento de uma nova estrutura social é marcado por uma crescente polarização entre estratos superiores e infe- riores da sociedade. Assim, a verificação da posição de Natal no processo de metropolização e sua inserção na rede urbana brasileira pela estrutura produtiva e pelo mercado de trabalho torna-se necessária para a compre- ensão das transformações recentes.

Quanto à estrutura produtiva, as recentes transformações ocorridas no RN estão marcadas não somente por movimentos econômicos ocor- ridos em âmbito nacional, mas por mudanças substanciais próprias da dinâmica econômica local. Diferentemente das décadas de 1970 e 1980, nos anos 2000 a nova institucionalidade – em que os governos estaduais passam a ser o ente responsável, em primeira instância, pelo desenvolvi- mento econômico – vai exercer certa contribuição nesse processo. A po- lítica de promoção da indústria, efetivada pelo Programa Governamental de Apoio ao Desenvolvimento Industrial (PROADI), no entanto, não tem conseguido atrair empresas tecnologicamente avançadas e se voltou para a produção de gêneros industriais tradicionais. Além disso, observou-se a ausência de uma política de desenvolvimento voltada para o interior do estado e um direcionamento dos investimentos para os municípios me- tropolitanos. O que implicou em excessiva concentração de riqueza, em- prego e salários na RMN, demarcada pela clara tendência do PIB do RN nessa localidade, confirmando uma direção historicamente determinada.

Dentro dela, Natal continua concentrando excepcionalmente a riqueza, os salários e a ocupação. Entretanto, vem perdendo participação relativa no PIB e também desconcentrando a massa salarial. Mesmo assim, entre 2003 e 2010, Natal absorveu aproximadamente 75% do PIB do RN.

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Nesse contexto de intensas mudanças, o mercado de trabalho se apre- sentou com dinamismo, embora sem ocorrências importantes nos rumos da modernização estrutural do setor industrial e no destaque da RMN neste processo. Para Denílson Araújo, Marconi Silva e William Pereira (2015), considerando-se as últimas três décadas, a RMN sofreu significati- va transformação no seu mercado de trabalho: 1) redução na participação da RMN no número de pessoal ocupado no estado, porém com a concen- tração das atividades e ocupações econômicas na capital, Natal; 2) con- centração, em relação ao RN, no emprego formal e nas atividades econô- micas vinculadas à indústria da transformação, construção civil, serviços industriais de utilidade pública, comércio e serviços em geral; 3) redução na participação da RMN no número de pessoal ocupado no estado, com redução na participação de Natal, sem alterar o perfil da RMN no volume de pessoal ocupado. (ARAÚJO; SILVA; PEREIRA, 2015)

Uma mudança significativa do perfil ocupacional da RMN é a dimi- nuição da ocupação nos segmentos administração pública, defesa e se- guridade social (de mais de 47% para 29% no período 2003-2010) em relação ao crescimento do setor de comércio, reparação de veículos, ob- jetos pessoais e domésticos, que praticamente duplicou sua participação (de pouco mais de 11% para mais de 20%) no mesmo período. Quanto à evolução do pessoal ocupado na indústria de transformação na RMN, Natal ainda é responsável por um terço de toda a ocupação nesse ramo industrial no estado e por mais da metade da RMN. Isso revela que o mo- vimento de concentração da massa salarial frente ao movimento de des- concentração da ocupação na indústria de transformação implica num processo de concentração das ocupações de maiores níveis salariais em Natal. (ARAÚJO; SILVA; PEREIRA, 2015)

Na RMN, a dinâmica do mercado de trabalho, nos anos 2000 e 2010, aponta relativa melhora no que concerne às taxas de ocupação da força de trabalho, mas denunciam maiores taxas de empregos informais nos anos comparados. Esse grau de “não proteção social” pode ser explicado pelo

próprio nível de renda gerado na economia, pois muitas são as atividades com baixa remuneração. De certa forma, a condição de “não proteção so- cial”, ainda elevada no mercado de trabalho, tem como consequência a absorção de uma mão de obra pouco qualificada. De modo geral, a estru- tura sócio-ocupacional, entre os anos 2000 e 2010, manteve as mesmas características e não sofreu alterações significativas em sua composição.

É certo que existe um mercado de trabalho demandado pela dinâmica metropolitana que se caracteriza por ocupações de caráter mediano e in- ferior, manual e tradicional, demandado pela estruturação e dinamismo do setor terciário. Desse modo, o perfil sócio-ocupacional metropolitano de Natal é marcado por fortes diferenciações, e este resulta em um baixo nível de valor agregado em nível educacional e de renda, indicando um território como fortes assimetrias sociais. (PESSOA; DIAS, 2015)

A relação com a transição demográfica experimentada pela sociedade brasileira também é fundamental para a compreensão do fenômeno urbano-metropolitano. No contexto atual de diminuição da pressão de- mográfica – especialmente pela baixa fecundidade e redução dos ritmos de crescimento populacional –, há elementos da estrutura urbana que atuam sobre o comportamento da população e sua movimentação no espaço. Em Natal, há redução do ritmo de crescimento populacional do polo metropolitano da RMN em detrimento do crescimento dos mu- nicípios do seu entorno.

Natal tende, assim, para um crescimento populacional negativo con- siderando a baixa taxa de fecundidade e o saldo migratório negativo da dé- cada de 2000, respondendo cada vez menos pela participação demográ- fica da RM. Ao contrário, Parnamirim não somente atrai a população de Natal, mas também participa de grande parte da atração migratória que a RMN possui, o que lhe favorece a evidenciar, na sua estrutura etária, uma população muito jovem. Este dado contrasta com o observado na RMN entre 1991 e 2010, no qual o índice de envelhecimento aumentou siste- maticamente, chegando a 40 idosos para cada 100 jovens com menos

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de 15 anos em Natal. Com as baixas taxas de fecundidade encontradas no polo e, principalmente, com o ritmo do declínio evidenciado em toda RMN, o envelhecimento populacional tende a ser rápido. Duas exceções são Parnamirim e São Gonçalo do Amarante, que, apesar de baixas taxas de fecundidade, possuem os menores índices de envelhecimento de toda a RMN. (FREIRE; GONZAGA; OJIMA, 2015)

Outras tendências demográficas e sociais consideradas tradiciona- is também estão apresentando mudanças. Por exemplo, as taxas de fe- cundidade têm apresentado reflexos importantes na estruturação das famílias e dos arranjos domiciliares que, por sua vez, irão refletir no processo de ocupação e consumo do espaço nas áreas urbanas, pois a forma de viver e morar também se altera em conjugação com tantas mudanças importantes.

A estrutura social configurada neste contexto apresenta-se com inten- sas diferenciações internas, com índices de PIB, de educação e de Índice de desenvolvimento Humano (IDH) muito diferentes, mas, ao mesmo tempo, próximos no que diz respeito à produção de um território desi- gual: são fortes as desigualdades sociais no espaço intrametropolitano. Os índices de pobreza em Natal se apresentam muito superiores aos demais municípios da RM, fazendo com que ocorra maior dissolução do PIB total em relação ao PIB per capita. Grande parcela das pessoas alfabetizadas na RM não tem, inclusive, o ensino fundamental completo. Metade da população mais pobre dos municípios da RM se apropria na média de, apenas, 10,4% da renda total municipal. Natal, embora mais rica, pois concentra a produção, o dinheiro e os serviços, é o município mais desigual internamente, com visíveis bolsões de pobreza, poluição ambiental e falta de infraestrutura urbana em grande parte de seu terri- tório. A grande maioria dos domicílios de todos os municípios metropo- litanos é mantida com uma renda mensal de até dois salários mínimos mensais, sendo que alguns municípios apresentam, de modo recorrente, indicadores socioeconômicos muito preocupantes. (GOMES et al., 2015)