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Qual o papel das atividades econômicas na estruturação urbana de Fortaleza?

Fortaleza polariza a Região Metropolitana, considerada a oitava maior aglomeração urbana no Brasil em termos de contingente demográfico, totalizando, segundo o Censo Demográfico do IBGE de 2010, mais de 3,6 milhões de habitantes. Considerando o Ceará, a RMF abriga mais de 40% da população estadual, resultado de sua histórica condição como ponto de convergência de fluxos migratórios e foco de concentração de investimentos públicos e privados voltados para a implantação de infra- estruturas e de serviços urbanos.

Com relação ao seu papel na rede urbana regional, a RMF mostra-se macrocefálica, mostrando a distribuição desequilibrada da urbanização na sua região de influência, onde poucas cidades médias e alguns cen- tros regionais podem ser destacados. Dados da pesquisa sobre a Região de influência das cidades realizada pelo IBGE apontam que a RMF com- preenderia mais de 20 milhões de habitantes, extrapolando os limites estaduais, e avançando especialmente em direção aos estados do Piauí e Maranhão, além de atingir parcialmente os estados do Rio Grande do Norte e do Pará.

Composta por 15 municípios, a RMF reúne mais de 70% da sua po- pulação na capital. A representatividade dessa concentração demográfica ganha ainda maior importância se for considerada a ampla superfície metropolitana ante o tecido urbano contínuo e denso que atrela Fortaleza

aos municípios fronteiriços. Disso decorre a importância em compreen- der o processo de conurbação na metrópole a partir das alterações ocor- ridas na distribuição espacial das suas atividades produtivas, na forma como interferem e induzem a expansão urbana.

Visando melhor compreender o processo de estruturação da RMF, adotaremos como principais elementos de análise: a localização das suas atividades produtivas, associadas aos vetores de crescimento, às condi- ções de circulação e transporte e à forma como se deu o processo de co- nurbação, e a compreensão das condições de moradia, reconhecida como variável que melhor explicita as desigualdades socioespaciais, mediante a identificação de processos que caracterizam a forma como atuam os diferentes agentes da produção habitacional, evidenciando-se processos de segregação espacial e fragmentação territorial.

No que se refere às atividades industriais, outrora concentradas em al- guns bairros de Fortaleza, atravessados por ferrovias e próximos ao porto do Mucuripe, observa-se que as mesmas passaram por intensas mudan- ças localizacionais vinculadas ao processo de restruturação produtiva.

Esse processo se inicia em meados dos anos 1970 com a criação de distrito industrial em Maracanaú, para onde se transferiram algumas indústrias de Fortaleza e se instalaram outras provenientes do Sul e do Sudeste. Ainda que situado nas margens da via férrea, a localização pe- riférica se vincula ao quarto anel viário metropolitano, assim como aos eixos viários que conectam este distrito às demais concentrações do setor secundário em Fortaleza.

Vale destacar que essa concentração industrial promoveu o cresci- mento da população de Caucaia e Maracanaú – municípios vizinhos a Fortaleza – mediante a implantação de grandes conjuntos habitacionais produzidos com recursos do Banco Nacional de Habitação (BNH), atra- vés da Companhia Estadual de Habitação (Cohab-CE). Somado aos gran- des conjuntos das bordas sudoeste e oeste de Fortaleza, configurou-se

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um intenso processo de conurbação vinculado ao deslocamento residen- cial dos mais pobres do centro para a periferia.

Em seguida, desde meados dos anos 1990, além da consolidação des- se distrito industrial, tem-se a implantação de eixo industrial na direção sul da RMF ao longo da BR-116, abrindo-se novas frentes para a indus- trialização na metrópole, essa feita na ausência de políticas habitacionais complementares. Mais recentemente, tem-se a implantação do Comple- xo Industrial e Portuário do Pecém, no litoral oeste da metrópole, o qual passa a abrigar, além de um porto off-shore, grandes plantas de indús- trias de transformação e de base, com destaque para um complexo si- derúrgico, ainda em construção. Vale ressaltar que estes deslocamentos industriais de Fortaleza para os municípios vizinhos proporcionaram a dispersão do crescimento urbano da metrópole, evidenciando-se exten- sas descontinuidades e ampliando os fluxos diários entre a capital e as concentrações industriais (Figura 1).

Figura 1 - Distribuição espacial do setor industrial na RMF

Quanto à distribuição espacial do setor terciário, também podem ser constatados deslocamentos intensamente vinculados à estrutura urbana da RMF. Historicamente concentrado no centro tradicional, o terciário inicialmente se movimenta em direção aos bairros vizinhos ao leste. Em seguida, os serviços, e mesmo as instituições governamentais, passaram a se deslocar, desde os anos 1970, na direção sudeste, agrupando-se em torno de centros empresariais e shopping centers. Posteriormente, este padrão de expansão se consolida, evidenciando-se eixos terciários asso- ciados à expansão urbana de Fortaleza em direção aos municípios vizi- nhos, cujos padrões de consumo refletem o perfil socioeconômico das respectivas áreas de influência. Mais recentemente, tem-se a emergência de vários shopping centers em bairros pericentrais e junto aos centros das cidades próximas, promovendo-se uma nova forma de expansão do cen- tro tradicional (Figura 2).

Figura 2 - Dinâmicas de expansão do setor terciário na RMF

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Soma-se a essas atividades econômicas, a presença do turismo como setor de investimentos, o qual tem promovido intensas transformações na estrutura urbana da RMF, vinculadas à localização de empreendi- mentos e de atrativos dessa região, em sua maioria, na faixa litorânea. No entanto, algumas diferenças podem ser apontadas entre as áreas que concentram essa atividade turística, demonstrando forte associação ao setor imobiliário. (DANTAS; FERREIRA; CLEMENTINO, 2010) Inicial- mente, existem os bairros litorâneos ao leste do centro, para onde se transferiram as elites, que passam a receber empreendimentos hotelei- ros; em seguida, destacam-se os municípios litorâneos, onde se localiza a maior parte dos atrativos turísticos e dos loteamentos voltados para segunda residência; por último, a implantação de parques temáticos e

resorts, desde o final dos anos 1980, especialmente concentrados no lito-

ral leste da RMF, evidenciando novos padrões de ocupação do território, marcados pela descontinuidade urbana e pela intensidade de uso do solo.

Resultante da junção dessas dinâmicas socioespaciais, observa-se, desde os anos 1990, a configuração de eixo de segregação residencial na direção sudeste, interligando o centro expandido com o litoral leste do estado, detentor de maior atratividade turística. Esse eixo passa a abrigar novos empreendimentos do setor terciário, complementado por institui- ções das diferentes esferas de governo e poderes. Somados e justapostos, esses usos refletem a concentração de investimentos públicos em infra- estrutura e serviços urbanos, ampliando sua valorização imobiliária. (PE- QUENO, 2002)

No âmbito da produção do espaço habitacional, destaca-se a necessi- dade de pontuar alguns processos, classificados segundo os agentes que atuam como protagonistas: o mercado imobiliário; o Estado e os grupos excluídos. A atuação do setor imobiliário se manifesta de diversas for- mas. Por um lado, concentrada em poucos bairros até meados dos anos 2000; a verticalização se expande, emergindo em volta de centralidades que se reconfiguram por meio da implantação de novos espaços terciários.

Além disso, ao longo do eixo ao sudeste, revela intensa associação entre a segregação e a especulação imobiliária dada a presença de grandes ter- renos vazios. Por outro lado, a forma condomínio horizontal se alastra nos bairros periféricos e nos municípios conurbados a Fortaleza. Isso eviden- cia a maior atuação do mercado imobiliário em bairros outrora estigma- tizados e demonstra a ampliação do espectro de sua demanda, graças a recursos públicos disponibilizados através do Programa de Arrendamento Residencial e o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) - (Figura 3).

Figura 3 - Dinâmicas do setor imobiliário na RMF

Fonte: Elaborada pelo autor.

No que se refere à produção da moradia pelo Estado, constata-se que, passado o período de implantação de grandes conjuntos, até meados dos anos 1980, esse tipo de produção sofreu substancial redução no porte dos empreendimentos, desde a extinção do BNH em 1986. Os anos seguin- tes ficaram marcados por pequenos conjuntos habitacionais produzidos

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através de programas dos governos estadual e municipal, assim como por intervenções pontuais de caráter demonstrativo em favelas, priorizando- se aquelas melhor localizadas. Todavia, desde meados da década de 2000, quando se consolida a municipalização das políticas habitacionais, nota- se que o poder local passou a adotar as áreas de ocupação em situação de risco como alvo preferencial, as quais têm, como única alternativa, a remoção e o reassentamento em conjuntos.

Posteriormente, em decorrência do PMCMV, são retomados os gran- des conjuntos habitacionais, os quais se direcionam para as franjas pe- riféricas de Fortaleza, complementando vazios remanescentes nas bor- das periféricas conurbadas e apontando sérios problemas de inserção urbana. Pequeno e Rosa (2015), em estudos recentes, apontaram que os empreendimentos desse programa têm levado ao crescimento da segre- gação espacial, através da negação do acesso aos benefícios que a cidade proporciona, da produção de novas frentes de expansão da cidade e da monofuncionalidade (Figura 4).

Figura 4 - Localização dos conjuntos habitacionais na RMF

Entretanto, apesar da expansão do setor imobiliário e da atuação do poder local, observou-se, ao longo das últimas décadas, a intensa disse- minação de favelas que compõem o universo de precariedade urbana na paisagem urbana de Fortaleza e dos municípios vizinhos. A primeira contagem de favelas realizada pela Fundação de Serviço Social, em 1973, apontava que mais de 34 mil famílias viviam em 81 áreas. Posteriormen- te, um novo estudo, em 1991, conduzido pela Cohab e pela Secretaria de Ação Social, revelou o rápido crescimento das favelas, cujo total de áreas (314, abrigando mais de 108 mil famílias) indicou que o número teria mais que triplicado. Mais recentemente, o Plano Local de Habitação revelou que as favelas e o número de domicílios duplicaram nos últimos 20 anos. Esse novo censo aponta que já são 619 favelas em Fortaleza, onde vivem mais de 225 mil famílias (Figura 5).

Figura 5 - Localização dos assentamentos precários na RMF, segundo o IBGE, 2010

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Os dados revelam que, além do crescimento da coabitação, do encor- tiçamento e do consequente adensamento das favelas bem localizadas, tem-se a desconcentração dessa forma de moradia, a qual se direciona cada vez mais para os bairros periféricos. Destaca-se, ainda, a diversi- dade presente nessas áreas em função de diversos fatores: localização na cidade; área; população; morfologia; composição sócio-ocupacional, dentre outros.

Ressalta-se, que todo esse crescimento urbano desordenado e desi- gual da RMF ocorre à margem dos processos de planejamento em suas diferentes escalas, quer regional metropolitana, local, quer municipal. Ainda que muitos recursos tenham sido investidos na confecção de pla- nos diretores municipais em diferentes rodadas desde os anos 1960, esses processos de planejamento apresentaram como problemas recor- rentes: a lógica da adoção do plano como estratégia para a identificação de projetos estruturantes; a implementação do controle urbano restrito aos bairros mais valorizados ou em vias de valorização; a dissociação da política urbana das demais políticas setoriais, especialmente a política habitacional. Disso decorrem uma série de problemas que impactam negativamente a qualidade de vida e reduzem a habitabilidade urbana, comprovados tanto pela carência no acesso às redes de infraestrutura e serviços urbanos e pela ausência de equipamentos sociais quanto, tam- bém, pelo aumento dos problemas de mobilidade urbana.

Estes fatores, quando somados, revelam questões vinculadas às condi- ções através das quais se dá a distribuição populacional na RMF. Consta- ta-se que fatores como a proximidade dos espaços secundários e terciários passam a interferir diretamente nas condições de moradia e na forma como a mesma é produzida. No caso, para além de disparidades em ter- mos de densidade demográfica, constatam-se alterações no conteúdo so- cial do tecido urbano, vinculadas aos padrões de moradia e de consumo, denotando-se dinâmicas reveladoras de aproximações e distanciamentos,

homogeneidades e heterogeneidades, cooperações e competições entre diferentes grupos sociais.

Neste sentido, a análise das tipologias socioespaciais, definidas se- gundo as categorias sócio-ocupacionais, realizada na parte seguinte deste artigo contribui para a melhor compreensão da diversidade social presente na RMF. De forma comparativa, pretende-se, na sequência, identificar as principais alterações observadas no período de 2000 a 2010 referentes ao conteúdo sócio-ocupacional dos diferentes tipos que compõem a metrópole.

Transformações na estrutura socioespacial de