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CAPÍTULO 3 – MODELOS FONOLÓGICOS

3.1 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A FONOLOGIA LINEAR

As linhas gerais da teoria fonológica gerativa ou generativa linear foram apresentadas por Chomsky e Halle (1968), com a publicação de The Sound Pattern of English (SPE). O modelo linear de Chomsky e Halle (1968) diferencia-se do modelo estruturalista “por tornar a relação, entre a representação fonológica e a produção fonética muito mais abstrata e por eliminar o ‘nível fonêmico’, que estabelece um nível separado para a relação entre fonema e suas variantes contextualmente especificadas” (BISOL, 2010, p. 16).

De acordo com Chomsky e Halle (1968), todo falante possui informação fonológica que abrange duas formas diferentes das unidades lexicais de uma língua: uma é a representação fonológica, que é mais abstrata, subjacente ao nível fonético, que contém informação previsível (idiossincrática), e que estabelece a relação som – significado; a outra é a representação fonética, que apresenta a realização da palavra ou do segmento, que isola as propriedades articulatórias e acústicas dos sons para a produção e decodificação do sinal da fala, e que contém informação não previsível (não idiossincrática).

No modelo linear de Chomsky e Halle (1968), esses dois níveis de representação – fonológico e fonético – são sistematicamente relacionados por meio de regras, que atuam com base na informação previsível dos itens lexicais, e que apagam, acrescentam ou modificam sons em dados contextos. Sendo que para cada palavra possível, as regras fonológicas derivarão, a partir da representação idiossincrática, uma representação não idiossincrática, ou seja, fonética. Com base nisso, podemos observar que para esse modelo linear a noção de ‘regra’ é fortemente indispensável para caracterizar uma língua.

Chomsky e Halle (1968) analisam a fala como uma combinação linear de conjuntos de traços distintivos70, por meio de uma relação bijetiva (um-para-um) entre segmentos e matrizes de traços. Segundo os autores, traços distintivos são propriedades mínimas, de caráter acústico ou articulatório71, que, de forma coocorrente, constituem os sons das línguas. Além disso, nesse modelo, os traços são binários, ou seja, cada traço distintivo é definido por dois pontos na escala física, representando a presença (+) ou a ausência (-) da propriedade. Os segmentos, por sua vez, consistem em sequências de colunas de traços, não havendo qualquer ordenação e/ou hierarquia entre os traços que compõem as matrizes.

Ao mapearem as categorias fonológicas no conjunto universal de traços fonéticos, Chomsky e Halle (1968) demonstram que as oposições fonológicas são limitadas e que esses limites são indispensáveis para o funcionamento das línguas. Em vista disso, conforme os autores, quanto mais restrições houver, mais fácil é a identificação do sistema da língua.

Com relação à matriz de traços distintivos, Chomsky e Halle (1968) afirmam que cada entrada lexical em uma língua consiste em uma matriz fonológica na qual cada linha é rotulada por traços distintivos, aos quais é atribuído uma valoração classificatória. Para exemplificar, vejamos o Quadro 2.

Quadro 2 - Matriz de traços fonológicos dos segmentos fricativos em estudo

s z soante - - - - anterior + + - - alto - - + + coronal + + + + recuado - - - - distribuído - - + + voz - + - + estridente + + + +

70 Foi Trubetzkoy, um dos fundadores da Escola Linguística de Praga, quem primeiro tentou estabelecer uma

classificação da natureza dos contrastes entre os fonemas que compõem os sistemas das línguas do mundo. Entretanto, em 1952, com o estudo de Jakobson, Fant e Halle, intitulado Preliminaries to Speech Analysis (PSA), que houve a primeira formalização de um modelo de traços distintivos. Jakobson, Fant e Halle tentaram elaborar um sistema universal de representação fonêmica que, baseado em um número limitado de traços, pudesse dar conta dos contrastes existentes nas línguas (BISOL, 2010). Salientamos que é dessa última proposta que surge, pela primeira vez, a denominação de “traços distintivos” para as unidades mínimas dos segmentos.

contínuo + + + +

Fonte: Elaboração própria com base em Chomsky e Halle (1968).

Em uma matriz fonológica, há três possibilidades de valores classificatórios para cada traço distintivo, segundo o modelo linear aqui apresentado, são eles: ‘+’ indica a presença de determinada propriedade, ‘-’ indica a ausência de determinada propriedade e ‘0’ (zero) indica que a informação em relação àquela propriedade é dispensável e/ou redundante (CHOMSKY; HALLE, 1968).

Ao observar o Quadro 2, podemos verificar que não temos nenhum valor 0 (zero) para os traços distintivos apresentados, mas se caso tivéssemos o traço [nasal], na matriz de traços fonológicos apresentada, esse traço seria redundante para as consoantes contínuas, por exemplo, visto que na sua realização a saída do ar pela boca fica bloqueada; todas as consoantes contínuas, portanto, são redundantemente desnasalizadas.

Com base no exposto, quando o traço fonológico recebe o valor 0 (zero), esse traço, então, é redundante, sendo que essa informação é dada por uma regra de redundância, isto é, por uma regra default72, e não se trata, portanto, de uma propriedade não previsível. Chomsky e Halle (1968) relatam, entretanto, que a principal função das regras fonológicas é transformar matrizes fonológicas em matrizes fonéticas plenamente especificadas, ou seja, transformar informações idiossincráticas em não idiossincráticas. Conforme Bisol (2010), para garantir clareza e comparabilidade entre as línguas, os gerativistas utilizam um sistema de símbolos para expressar as regras fonológicas. Podemos observar, por exemplo, na Figura 6, a regra de dessonorização das sibilantes em final de palavra73.

Figura 6 - Regra de dessonorização das sibilantes em final de palavra

Fonte: Elaboração própria com base em Mateus (1975).

72 “Default é uma palavra da língua inglesa usada para regras de redundância que preenchem o vazio pelo traço

mais comum à categoria correspondente” (BISOL, 2010, p. 87).

73 Essa regra representa o processo de dessonorização das sibilantes em final de palavra no PE e no PB

Nesse tipo de regra, letras maiúsculas são empregadas para substituir especificações de traços de classes de segmentos (C para consoante, V para vogais, N para nasais, G para glides). O conjunto de traços distintivos à esquerda da seta identifica o segmento que sofre o processo (input) que assumirá as características listadas à direita da seta (output), segundo Bisol (2010). Na Figura 6, temos, portanto, os traços à esquerda da seta que representam um /S/ não especificado na forma subjacente, que será especificado [-ant], ou seja, um segmento //. A regra deve ser lida da seguinte maneira: uma consoante [-soan, +cor, +cont] torna-se [- ant, -son] diante de (representado pela /) final de palavra (representada por #). Salientamos, ainda, que a marca [____] indica o lugar no qual se localiza o segmento sujeito ao processo, nesse caso final de palavra.

No modelo linear de Chomsky e Halle (1968), os traços distintivos são apresentados por meio de conjuntos que descrevem os correlatos articulatórios de cada traço. Existem, portanto, os Traços de Classes Principais (Soante ou Sonante74, Silábico, Consonantal ou

Consonântico75); os Traços de Cavidade (Coronal, Anterior), Traços do corpo da língua (Alto,

Baixo, Posterior, Arredondado), Traços de aberturas secundárias (Nasal, Lateral); os Traços de Modo de Articulação (Contínuo, Metástase Retardada ou Distensão Retardada76 ou Soltura

Retardada, Tenso); os Traços de Fonte (Sonoro, Estridente); e os Traços Prosódicos (Acento, Tom, Duração).

Para dar conta da não ordenação dos traços na matriz de traços fonológicos, os autores, relatam que a subdivisão dos traços distintivos foi elaborada com propósitos explicativos e que os próprios traços demonstram “estar organizados em uma estrutura hierárquica que pode parecer-se com a estrutura que nós lhes impusemos por razões puramente expositivas” (CHOMSKY; HALLE, 1968, p. 300). Vale ressaltar que as propriedades identificadas como traços distintivos, nesse modelo, são definidas com base em uma “posição neutra”, que corresponde à configuração do trato vocal imediatamente anterior à produção da fala.

No entanto, com a subdivisão dos segmentos em traços distintivos foi viável, nesse modelo, verificar a distância entre segmentos com base na especificação dos traços compartilhados e estabelecer classes naturais de segmentos. Além disso, pôde-se constatar que as regras se aplicam a classes de segmentos relacionados foneticamente e não a classes arbitrárias. Com isso, segundo Bisol (2010), no modelo linear de Chomsky e Halle (1968), os traços distintivos formalizam regras e comprovam a sua naturalidade.

74 Mais utilizado para a descrição da fonologia do PE. 75 Recorrente na descrição da fonologia do PE.

Embora o sistema do SPE tenha conseguido resolver problemas que pareciam insolúveis77, o modelo de Chomsky e Halle (1968) falha, como aponta Hyman (1975), por não conseguir relacionar consoantes labiais [-arredondado] com consoantes labializadas [tw] e [kw], que são [+arredondado], bem como em não mostrar a relação entre consoantes labiais e vogais arredondadas, visto que as primeiras são [-arredondado] e as segundas são [+arredondado]78. Outro aspecto de inadequação do modelo linear de Chomsky e Halle (1968) é referente à binaridade dos traços fonológicos, visto que os autores trabalham somente com a utilização de três níveis de altura para as vogais. Fato esse que causa problemas quando se trata de sistemas linguísticos que apresentam mais do que três níveis de altura79, como é o caso do Dinamarquês e do Sueco, por exemplo (HYMAN, 1975). Além disso, a caracterização dos segmentos como colunas de traços distintivos desordenados e a relação de bijetividade entre o segmento e a matriz de traços que o identifica, também, foram muito criticadas no modelo linear de Chomsky e Halle (1968).