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ALGUNS ESTUDOS DIALETOLÓGICOS E GEOLINGUÍSTICOS REALIZADOS EM OUTROS PAÍSES

CAPÍTULO 4 – PRESSUPOSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS DA DIALETOLOGIA E DA GEOLINGUÍSTICA

4.4 ALGUNS ESTUDOS DIALETOLÓGICOS E GEOLINGUÍSTICOS REALIZADOS EM OUTROS PAÍSES

Apresentamos, nessa seção, o método utilizado, as limitações e as inovações de alguns dos atlas linguísticos elaborados na Europa, assim como na América Latina, tendo como foco principal a metodologia utilizada pelos diferentes estudos aqui expostos.

O estatuto de ciência atribuído à Dialetologia deve-se aos trabalhos acerca dos dialetos italianos, de G. I. Ascoli, a partir de 1870 (JORDAN, 1982). Outros pesquisadores como Jules Cornu (CORNU, 1906) e Adolf Mussafia (MUSSAFIA, 1964), também, tiveram grande importância para a implantação do estudo da língua em uso; no entanto, referenciamos Ascoli, na medida em que foi esse autor quem ponderou sobre a legitimidade do dialeto ladino, variedade considerada em uso na Suiça e no norte da Itália.

Segundo Cardoso (2001), a Dialetologia tem seu início com os trabalhos de Wenker, na Alemanha, que obteve um total de 44.251 respostas coletadas de informantes letrados responsáveis pelo ensino da região. Tal pesquisa abrange uma vasta área territorial, pois conta com 40.736 localidades pesquisadas. O estudo de Wenker, porém, não teve o controle das variáveis sociais – sexo e faixa etária –, sendo que não foram predeterminadas e não puderam ser estabelecidas posteriormente. O corpus do trabalho de Wenker foi coletado em forma de correspondência e tem o mérito de documentar fatos em regiões distintas com a possibilidade de interrelacionar os dados obtidos nas diferentes localidades. Os primeiros resultados dessa pesquisa foram publicados em 1881119, em Strassburg, sob o título Sprachatlas des Deutschen

Reichs, e conta com um conjunto de seis cartas (duas fonéticas e quatro morfológicas).

Jules Gilliéron, em 1887, com o apoio de Gaston Paris, inicia a coleta de dados para o

Atlas Linguistique de la France (ALF), baseando-se na documentação in loco, ou seja, no

contato documentador/informante, recolhida por um único inquiridor, Edmond Edmont, um

119 Foi nesse mesmo ano, 1881, na França, que a Dialetologia ganhou uma presença mais fortalecida, de tal

comerciante que tinha algum conhecimento sobre o léxico e em fazer transcrições fonéticas120. Edmond Edmont percorreu 639 localidades durante quatro anos, aplicando para cada informante um questionário que continha palavras isoladas e frases, o qual contava com 1.920 perguntas ao final da pesquisa (BRANDÃO, 1991).

Podemos dizer que as variáveis extralinguísticas do ALF, não registradas nas cartas linguísticas, não foram bem definidas, pois compreendem informantes de 15 a 85 anos, além de contar, ainda, com um número maior de informantes do sexo masculino. O nível de escolaridade, por sua vez, é identificado com base na profissão, sendo que os informantes que têm uma atividade profissional pertencem ao nível secundário e aqueles que não a têm somam-se ao nível primário. Em 1902, foram publicados os três primeiros cadernos do ALF, de um total de 35, o último cadermo, entretanto, foi editado somente em 1910. A obra de Gilliéron, apesar de ter recebido algumas críticas da parte de alguns linguistas, marca o início da aplicação do método da geografia linguística com rigor científico (CARDOSO, 2001).

Como continuidade do ALF, Gilliéron e Edmond Edmont elaboraram o Atlas

Linguístico da Córsega (ALC), entre 1914 e 1915. Por tratar-se de um território bem menor

que o do ALF, visto que se trata de um atlas regional e não nacional, e com a experiência já adquirida, esse atlas é muito mais rico em detalhes. No entanto, a Primeira Guerra Mundial não permitiu a conclusão dos trabalhos. Em virtude disso, dos dez volumes previstos, os autores só conseguiram concluir quatro deles, encontrando-se o restante do material na Biblioteca Nacional de Paris, de acordo com Rodríguez (2009).

O Atlas Linguístico e Etnográfico da Itália e da Suíça Meridional (AIS), de Jakob Jud e Karl Jaberg, sob o título Sprach – und Sachatlas Italiens und der Südschweiz, teve sua publicação iniciada em 1928 e contempla um volume de introdução, um volume de cartas com oito tomos e um volume etnográfico. Empregaram-se três questionários: um com 800, outro com 2.000 e outro com 4.000 perguntas. Reuniram-se 1.705 mapas, além de 1.900 desenhos e 4.000 fotografias. As pesquisas começaram em 1919, mas o primeiro volume só apareceu em 1928 e o oitavo e último em 1940. Quanto às variáveis extralinguísticas, no que se refere ao grupo de fatores faixa etária, esse atlas abrange informantes de 15 a 85 anos; quanto ao estrato sociocultural, se constitui de camponeses com instrução secundária e de intelectuais; e considera, ainda, ambos os sexos. Segundo Cardoso (2001), esse atlas inova

120 Brandão (1991, p. 10) relata que “Gilliéron partia, portanto, do princípio de que só um leigo poderia fornecer

um retrato fiel da realidade fonética, não se deixando trair por conhecimentos, expectativas ou preconceitos linguísticos”.

quando explora a relação entre a palavra e o objeto denominado, adicionando um cunho etnográfico à obra.

Antes mesmo da publicação do AIS, foi planejado, o Atlas Linguístico Italiano (ALI), conforme Rodríguez (2009). Esse atlas foi iniciado por M. Bartoli, que trabalhou com o inquiridor Ugo Pellis. Em 1931, os resultados começaram a aparecer. Entretanto, houve alguns problemas e a obra foi interrompida. Bartoli faleceu em 1946 e, em 1947, a obra foi retomada sob a direção de Terracini e outros quatro pesquisadores. Os dois questionários do ALI são ricos em detalhes, sendo um deles mais completo, com 3.630 perguntas, e o outro mais reduzido, com 2.500.

Já mencionamos o ALC, realizado por Gilliéron e Edmond Edmont nos moldes do ALF, no entanto, o Atlas Linguístico-Etnográfico Italiano da Córsega (ALEIC) surgiu na Itália e segue a linha metodológica do AIS. De acordo com Rodríguez (2009), o ALEIC ressalta o aspecto cultural e folclórico dos falares corsos. Esse atlas, editado entre 1935 e 1942, foi realizado por Gino Bottiglioni, que se encarregou da coleta de dados, e abrange informantes somente de um nível de escolaridade (nível médio), uma rede de pontos que comporta 55 localidades, além de um questionário com 1.950 perguntas.

O Atlas Linguístico da Catalunha (ALC), de autoria de Antoni Griera, foi realizado com um questionário de 2.886 perguntas em 101 pontos geográficos. De 1923 a 1939 publicaram-se cinco volumes com um total de 858 cartas linguísticas. Em 1962, foram retomados os trabalhos, pelo próprio Griera, com vistas à publicação dos outros quatro volumes restantes. Conforme Rodríguez (2009), esse atlas insere-se na linha do ALF, porém duplica o número de perguntas e a densidade da rede. Nessa mesma linha, Griera elaborou o

Atlas Linguístico de Andorra (ALA), que, no entanto, abrange um pequeno território

independente, de língua catalã.

O Atlas Linguístico Romeno (ALR), dirigido pelo linguista Sextil Puscariu (1877- 1948), contou com a ajuda de Sever Pop e Emil Petrovici, que também foram inquiridores. Pop percorreu 301 pontos, empregando um questionário de 2.160 perguntas. Petrovici empregou um questionário mais amplo, mas percorreu somente 87 localidades. Desses inquéritos todos saíram dois atlas. Além disso, cada um dos inquiridores elaborou alguns atlas menores que tratam de problemas de fonética, morfologia e vocabulário, além da inclusão de antropônimos e topônimos. O ALR ficou incompleto, visto que os trabalhos foram suspensos devido à Segunda Guerra Mundial. Em 1956, os trabalhos foram retomados com a publicação

do primeiro volume do Micul Atlas Linguistic Romîn, de autoria de Petrovici, conforme Rodríguez (2009).

Além desses atlas, foram realizados, ainda, segundo Rodríguez (2009), alguns atlas linguísticos regionais espanhóis de pequeno domínio, cujo diretor foi Manuel Alvar. Entre eles destacamos o Atlas Linguístico e Etnográfico das Ilhas Canarias (ALEICan), o Atlas

Linguístico de Andalucía (ALEA), o Atlas Linguístico e Etnográfico de Murcia, o Atlas Linguístico e Etnográfico de Aragón, Navarra e Rioja (ALEANR).

Quanto aos atlas desenvolvidos e outros que estão em fase de elaboração, na América

Latina, citamos o Atlas Linguístico Diatópico e Diastrático do Uruguai (ADDU), dirigido por A. Elizaincín e H. Thun, que inclui uma parte do folclore uruguaio, do leste da Argentina e do extremo sul do Brasil, sendo um projeto uruguaio-alemão. Além disso, esse atlas expõe uma pluralidade de dimensões de fatos etnográficos. O atlas compreende o território do Uruguai, alguns pontos localizados na fronteira com a Argentina e com o Brasil. Segundo Thun (1999), as 304 entrevistas do ADDU foram realizadas entre 1989-1992 e tinham o propósito de obter, nos 93 pontos geográficos selecionados, dados fonéticos, léxicos, morfossintáticos, pragmáticos e etnográficos.

Os quatro volumes prontos do ADDU foram publicados em forma de fascículos. Além disso, mais de 300 mapas foram desenhados e encontram-se integrados nos volumes em séries temáticas. Os mapas que constituem esse atlas são do tipo ponto-símbolo, pois se inscrevem

em forma de cruz que corresponde aos quatro grupos padrão (CaGII, CaGI, CbGII, CbGI)121

ou em formato de estrela que equivalem à divisão dos três estilos de fala (leitura de texto, conversa livre e resposta do questionário).

O ADDU contém, ainda, duas partes complementares: o Atlas do Uruguai Hispânico, que compreende 968 perguntas e 3.662 sugestões presentes na terceira edição de 1992; e o

Atlas do Uruguai Lusófono, intitulado de ADDU – Norte, que consiste, na versão de 1992, de

1.107 perguntas e 4.202 sugestões. O que se propõe com essas sugestões122, de acordo com Thun (1999), é obter um máximo de formas e comentários por parte dos informantes. O ADDU oferece, também, uma seleção de etnotextos, como suplemento dos mapas, gráficos e como amostra de base empírica.

121 Ca (classe sociocultural alta), Cb (classe sociocultural baixa), GI (geração I – informantes mais jovens) e GII

(geração II – informantes mais velhos).

122 “Com as ‘sugestões’ procura-se registrar também os dados que, momentaneamente na situação da entrevista

ou com permanência na mente do entrevistado, pertencem a estratos não espontaneamente ativados ou de disponibilidade só passiva” (THUN, 1999, p. 483).

O atlas em questão, ADDU, consiste em um método pluridimensional, pois abrange várias dimensões, a saber: a dimensão dialingual (espanhol – português); a dimensão diatópica (parâmetro topostático); a dimensão diatópico-cinética (parâmetros topostático – topodinâmico); a dimensão diastrática (classe sociocultutal alta – classe sociocultural baixa); dimensão diageracional (geração I123 – geração II124); a dimensão diassexual (homens – mulheres); a dimensão diafásica (conversa livre, leitura de texto e resposta do questionário); e a dimensão diarreferencial (fala objetiva e fala metalinguística).

O Atlas do Inglês Norte-Americano (AINA) ou Atlas of North American English (ANAE) foi elaborado por uma equipe de pesquisadores liderada por William Labov, entre 1992 e 1999, que conduziram uma série de entrevistas por telefone com cerca de 800 pessoas em todo os Estados Unidos e Canadá. As amostras de fala gravada durante essas entrevistas constituem o banco de dados no qual esse atlas se baseia.

O AINA ou ANAE consiste na versão impressa que possui 129 mapas distribuídos em 300 páginas, em um CD-ROM que contém arquivos de dados e mapas interativos, e em um

website disponível por assinatura que também inclui mapas interativos, bem como materiais

adicionais. Esse atlas é composto por vinte e três capítulos organizados em 06 seções, sumarizadas em partes que vão de A-F. A parte A “Introdução e métodos” inicia com uma descrição dos objetivos e do escopo do projeto. Essa discussão coloca o AINA no contexto da dialetologia americana, sugerindo que o projeto segue na linha da dialetologia tradicional, assim como as pesquisas de Hans Kurath e Corvo McDavid, as quais se afastam significativamente da investigação, especialmente em termos de metodologia.

Por outro lado, os aspectos fundamentais da metodologia do AINA distinguem esse projeto da dialetologia tradicional, já que incluem (i) o foco linguístico em mudanças de sons ativos, especialmente aqueles que afetam as vogais; (ii) medições acústicas que são utilizadas por grande parte da análise; (iii) inquérito que comporta informantes urbanos distribuídos em duas amostras (02 informantes em cidades pequenas e 04 ou mais em grandes áreas metropolitanas); e (iii) amostra de informantes que inclui, também, mulheres jovens de cada local, visto que no estudo piloto os pesquisadores verificaram que os informantes femininos eram pioneiros em muitas mudanças sonoras.

Com isso encerramos este capítulo, no qual abordamos, no primeiro momento, os Pressupostos Teórico-Metodológicos da Dialetologia e da Geolinguística e, no segundo momento, centramo-nos nos estudos dialetológicos e geolinguísticos no Brasil, em Portugal e

123 Abrange os informantes mais jovens que compreendem a faixa etária entre 18 e 36 anos. 124 Consiste nos informantes mais velhos que possuem a faixa etária de mais de 60 anos.

em outros países. Ressaltamos que o foco, neste capítulo, foi apresentar a teoria e a metodologia empregada na abordagem em que baseamos a presente investigação. Além disso, salientamos que há outros atlas linguísticos que estão em diferentes fases de finalização, desenvolvimento e/ou implantação, como o Atlas Linguístico do Paraguai e o Atlas

CAPÍTULO 5 – A FRICATIVA /s/ EM CODA SILÁBICA