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CAPÍTULO 3 – MODELOS FONOLÓGICOS

3.2 FONOLOGIA NÃO-LINEAR

3.2.4 Outras propostas para a representação da fricativa /s/

3.2.4.2 A fricativa /s/ como segmento complexo

Outra possibilidade refere-se à representação da fricativa palato-alveolar como uma consoante complexa, apresentando tanto o nó de Ponto de C quanto o nó Ponto de V, como propõe Hernandorena (1994) com base em dados de aquisição da língua portuguesa. A geometria que representa tais consoantes passaria a ser expressa como na Figura 28, uma configuração composta por uma articulação menor, na qual a palatalização estaria exposta pelo nó Vocálico e seus nós dependentes Ponto de V e Abertura.

Figura 28 - Representação da fricativa /s/ como segmento complexo em onset silábico

Fonte: Elaboração própria com base em Hernandorena (1994).

O principal fato apontado por Hernandorena (1994), para o envolvimento do nó Vocálico na representação da fricativa palato-alveolar, está em três tipos de produção verificados na etapa anterior à aquisição plena das fricativas palato-alveolares. Desse modo, ocorre (i) a substituição de [, ] por [s, z,], como em [s]uva para []uva e igre[z]a para igre[]a; (ii) a troca das palato-alveolares pelo glide [j] como, por exemplo, em [j]anela para

janela; e (iii) a palatalização de [s, z] diante de vogal alta [i], como em []inema e poli[]ia.

Assim, segundo a autora, tais fatos levam à conclusão de que no processo de aquisição da fonologia, as crianças estão dando a [, ] o mesmo tratamento dado as consoantes [, ], reconhecidamente consoantes complexas, conforme Giangola (1994).

Produções como [s]uva e igre[z]a são representadas, de acordo com Hernandorena (1994), como um simples processo desligamento do nó Vocálico dependente do nó de Ponto de C. Já produções como [j]anela são justificadas, pela autora, pelo desligamento do traço [coronal] dominado pelo nó de Ponto de C. Ocorrências como []inema e poli[]ia são

decorrentes do espraiamento do nó Vocálico da vogal para a consoante que a antecede, fazendo resultar um segmento como o expresso na Figura 28.

Em virtude do espraiamento do nó Vocálico da vogal, o traço [+anterior] da consoante alveolar, dependente de [coronal], converte-se em [-anterior]. Em contrapartida, quando ocorre o desligamento do nó Vocálico como em janela para [j]anela, o traço dependente de [coronal] passa a ser redundantemente [+anterior], como ocorre com todas as consoantes coronais simples da língua portuguesa, conforme a proposta defendida por Hernandorena (1994).

Vejamos, entretanto, que a inadequação da geometria, proposta por Hernandorena (1994), para a representação fricativa palato-alveolar em onset silábico está justamente na caracterização da articulação secundária como [i] ou [j]. Tendo em vista que, se admitíssemos que o traço de palatalização para a fricativa palato-alveolar fosse equivalente à vogal [i] ou ao glide frontal [j], automaticamente inseriríamos tais consoantes no grupo das consoantes complexas palatais lateral [] e nasal [], de acordo com Giangola (1994). Tal fato, em contrapartida, não recebe suporte empírico.

Além disso, não há registros de casos como so[j]a ou so[s]a para soja ou a[j]o ou a[z]o para acho, qualquer que seja a posição na palavra considerada. Ademais, o tipo de alternância entre [] e [j], verificado em dados como [j]anela para janela, ou entre [] e [s], em [s]ave para

chave parece fazer parte apenas da fase anterior à aquisição plena de [, ], desaparecendo por

completo na fala adulta, variedade popular ou coloquial. Possivelmente, constitui um fenômeno restrito à aquisição e sem reflexos fonológicos na fala adulta.

A representação proposta por Brescancini (2002) apresenta a fricativa palato-alveolar como uma consoante complexa, portanto, com duas articulações. A geometria, na visão da autora, passaria a ser expressa como na Figura 29, uma configuração composta por uma articulação maior coronal e por uma articulação menor, na qual a palatalização estaria exposta pelo nó Vocálico e seu nó dependente Ponto de V, sendo que esse último nó dominaria o traço [dorsal], referente apenas à localização da constrição.

Figura 29 - Representação da fricativa /s/ como segmento complexo em coda silábica

Fonte: Elaboração própria com base em Brescancini (2002).

As evidências apresentadas por Brescancini (2002) conduzem à conclusão de que a fricativa palato-alveolar é, portanto, representada como segmento complexo corono-dorsal, como apresenta a geometria da Figura 29. A autora lista uma série de justificativas para a sua proposta de geometria.

A primeira justificativa relatada por Brescancini (2002) refere-se ao local da produção da fricativa palato-alveolar no trato vocal. Conforme a autora, o segmento palato-alveolar ocorre em uma área mais posterior do que o segmento alveolar. O corpo da língua assume, então, um formato cupulado, sendo esse movimento acompanhado por uma retração automática que resulta na formação de uma cavidade entre os dentes inferiores e a ponta/lâmina da língua, responsável pela ressonância caracterizadora desse som.

A segunda justificativa apresentada por Brescancini (2002) evidencia o caráter de “posteriorização” do corpo da língua na produção da fricativa palato-alveolar, assim como, também, salientam Bhat (1978) e Lahiri e Evers (1991). A autora menciona que a localização mais para trás da constrição, em comparação à fricativa alveolar, é acompanhada pelo recuo e

elevação do corpo da língua, mais especificamente da parte por trás dessa constrição. Tal fato é justamente o que fundamenta a representação por dorsal sob o nó Ponto de V na geometria da fricativa palato-alveolar, proposta pela autora.

A terceira justificativa visa à aproximação da representação de segmentos pela hierarquia de traços à teoria fonológica dos eventos de fala real. Desse modo, a presença do nó Ponto de V e seu dependente [dorsal] indica justamente que a fricativa palato-alveolar é uma consoante que, embora coronal, apresenta uma articulação menor de corpo de língua que indica o movimento de retração (BRESCANCINI, 2002).

A quarta justificativa apresentada por Brescancini (2002) remete a um viés histórico- linguístico. Assim, a autora menciona que a afinidade da fricativa palato-alveolar com o traço [dorsal] é comprovada pelo comportamento que essa consoante tem em várias línguas, da mesma forma concorda Weijer (1994).

A penúltima justificativa gira em torno do ambiente indutor para a realização da fricativa palato-alveolar. Brescancini (2002) cita vários ambientes que facultam a produção de /, / em diferentes línguas, como no coreano, báltico, indo-ariano, paiute, proto-iraniano, gola e macuxi, por exemplo. Vejamos que essa justificativa remete, novamente, a um viés histórico-linguístico.

Para a última justificativa, Brescancini (2002) orienta-se em Pulleyblank (1998) para quem a identificação de um ambiente palatalizante como [u] e o traço [dorsal] está no fato de que essa vogal combina protusão dos lábios e levantamento do corpo da língua em direção ao palato-mole, e desse modo, deve combinar os traços do articulador [coronal] e [dorsal].

Embora a representação da geometria da fricativa palato-alveolar como corono-dorsal, proposta por Brescancini (2002), fundamenta-se em argumentos que dão conta de explicar o local da produção da fricativa palato-alveolar, o movimento do articulador ativo para a realização desse segmento, bem como elementos histórico-linguísticos para validar o comportamento e o ambiente indutor da fricativa palato-alveolar em outras línguas, entendemos que essa representação é inadequada, já que a autora não faz uma relação desses apontamentos com dados físicos, ou seja, com dados de fala real.

Mesmo acreditando, como Brescancini (2002), que a fricativa palato-alveolar exibe um caráter mais posteriorizado do que a fricativa alveolar, apesar de saber que o traço [anterior] encontra problemas com relação à falta de precisão na identificação da linha divisória entre [+anterior] e [-anterior] no trato vocal, ressaltamos que discordamos da forma utilizada pela autora para representar essa posteriorização da palato-alveolar em termos de

geometria de traços, isto é, utilizando para isso o traço [dorsal]. Distintamente, parece-nos mais adequada a representação pós-lexical da fricativa palato-alveolar como consoante simples em que [-anterior] é dependente de coronal, como o proposto por Mester e Itô (1989) e Lahiri e Evers (1991), visto que representaria a fricativa /s/ em onset e em coda silábica de modo simples e direto, sem nenhum ônus à teoria.

Com isso encerramos este capítulo, no qual abordamos, no primeiro momento, algumas noções sobre os modelos fonológicos, modelo linear e não-linear, e, no segundo momento, centramo-nos na apresentação mais detalhada da fonologia não-linear (Teoria Autossegmental, Teoria da Sílaba e Teoria Lexical). Ressaltamos que o foco, neste capítulo, foi apresentar o modelo fonológico não-linear, mais especificamente a Teoria Lexical, na qual nos baseamos na Teoria da Subespecificação para a representação da fricativa /s/ em coda silábica.

CAPÍTULO

4

PRESSUPOSTOS

TEÓRICO-