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CAPÍTULO 4 – PRESSUPOSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS DA DIALETOLOGIA E DA GEOLINGUÍSTICA

4.1 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A DIALETOLOGIA E A GEOLINGUÍSTICA

4.1.1 Uma aproximação entre a Geolinguística e a Sociolinguística

Na geolinguística monodimensional, primeiro método de análise e descrição dos dados da Dialetologia, principalmente, quanto ao léxico e a marcas fonéticas, de acordo com Mota e Cardoso (2006), soma-se ao parâmetro diatópico um único representante legítimo de determinada localidade, sendo Homem Adulto, Rurícola, Analfabeto e Sedentário, identificado como “HARAS”, falante do dialeto local.

Por outro lado, na Sociolinguística há correlações entre aspectos linguísticos e sociais, além de análises sobre a relevância das variáveis sociais no estudo da língua. Assim, quando pesquisamos a fala de um indivíduo ou de uma comunidade de fala, fatores como sexo, faixa

etária e escolaridade não podem ser esquecidos, já que comportam algumas das variáveis extralinguísticas que são objeto de estudo dessa área da linguística.

A Sociolinguística Quantitativa teve início em meados da década de 60, quando surge o modelo laboviano que tem o objetivo de analisar a língua como um sistema heterogêneo. De acordo com Labov (2008), a língua é vista como uma forma de comportamento social e é utilizada por seres humanos em um determinado contexto social para transmitir suas necessidades, ideias e emoções.

Assim, a Sociolinguística baseia-se no estudo dos padrões de comportamento linguístico observáveis dentro de uma comunidade de fala e os formaliza por meio de um sistema heterogêneo, constituído por unidades e regras variáveis. Esse modelo procura responder a questão central da mudança linguística a partir de dois princípios teóricos fundamentais: (i) o sistema linguístico que serve a uma comunidade heterogênea e plural deve ser, da mesma forma, heterogêneo e plural para desempenhar as suas funções; (ii) os processos de mudança que se verificam em uma comunidade de fala ocorrem na variação observada momentaneamente nos padrões de comportamento linguístico dessa comunidade, visto que, se a mudança implica necessariamente variação, a variação não implica

necessariamente mudança (LABOV, 2008; WEINREICH; LABOV; HERZOG, 2006)103.

As formas em variação e/ou as variantes linguísticas “são diversas maneiras de se dizer a mesma coisa em um mesmo contexto e com o mesmo valor de verdade. A um conjunto de variantes dá-se o nome de variável linguística”, conforme Tarallo (1986, p. 08). As variáveis subdividem-se em variável dependente, que trata do fenômeno que se objetiva estudar, ou seja, das formas que estão 'em competição'; e variáveis independentes, que condizem com o uso de uma ou de outra variante que, na maioria das vezes, é influenciado por fatores linguísticos (estruturais) e/ou sociais (extralinguísticos).

A análise das variáveis sociais, por exemplo, busca definir o quadro de variação observado na comunidade de fala nos termos da dicotomia entre variação estável e mudança em progresso. A variação estável avalia se o quadro de variação tende a se manter por um longo período, já a mudança em progresso implica que o processo de variação caminha para a sua obtenção em favor de uma das variantes identificadas.

Desse modo, ao comparar os fatores sociais com os linguísticos, podemos verificar como determinada variante está se propagando entre os diversos segmentos sociais, o que se define como uma das faces do problema da transição – transition problem. Por outro lado,

através de testes de julgamento subjetivo, podemos examinar a reação dos falantes diante dos valores de determinada variável, de modo a definir a tendência de mudança que essa avaliação social favorece, o que se denomina de problema da avaliação – evaluation problem. Tais informações, juntamente com as informações relativas ao encaixamento da variável na estrutura linguística da comunidade de fala, teriam um papel primordial para o esclarecimento acerca de como a mudança linguística chega a sua consecução, o que se denomina de problema da implementação – actuation problem (WLH, 2006). Nesse sentido, podemos avaliar se um determinado quadro de variação tende a se resolver em função de uma determinada variante, efetivando-se a mudança linguística, ou se as variantes identificadas tendem a se manter no uso linguístico da comunidade, caracterizando-se a variação estável.

Com base nisso, o estudo sociolinguístico, de base laboviana, visa a descrição estatisticamente fundamentada de um fenômeno variável, tendo como objetivo analisar, apreender e sistematizar variantes linguísticas utilizadas por uma mesma comunidade de fala. Calcula, também, a influência que cada fator, interno ou externo ao sistema linguístico, possui na realização de uma ou de outra variante. Além disso, a análise sociolinguística busca estabelecer a relação entre o processo de variação que se observa na língua em um determinado momento (sincronia) com os processos de mudança que estão acontecendo na estrutura da língua ao longo do tempo (diacronia). Ademais, vale ressaltar outros dois termos importantes: tempo aparente e tempo real. No primeiro caso, por exemplo, a mudança é observada em comparação a fala de pessoas mais jovens e mais velhas. Por outro lado, quando comparamos textos escritos atuais com registros antigos, estamos diante de uma situação de mudança em tempo real.

A geolinguística pluridimensional, atual método de análise e descrição dos dados da Dialetologia, comporta informantes com diferentes perfis em todos os pontos geográficos, pois visa à investigação da variação da língua na dimensão diatópica (geográfica) e também na dimensão diastrática (social). Conforme Thun (1998), a geolinguística pluridimesional é formada pelo eixo horizontal da Dialetologia, representado pelo eixo x, e pelo eixo vertical da Sociolinguística, representado pelo eixo z. No eixo x, encontramos a diatopia, que diz respeito às diferenças linguísticas distribuídas no espaço geográfico e, no eixo z, a diastratia, que se relaciona com a organização sociocultural de uma comunidade de fala. Portanto, a geolinguística pluridimensional trata, conforme o esquema da Figura 30 elaborado por Thun (1998), da união entre esses os eixos x e z, bem como das relações que podem ser estabelecidas entre as dimensões e/ou variantes diatópicas e diastráticas e sua

intercomparação. Tal fato pode ser visualizado por meio do esquema demonstrado na Figura 30.

Figura 30 - Espaço variacional e disciplinas da variação

A dialetologia pluridimensional não deixa de ser geolinguística, já que não renuncia à variação diatópica e à sua superfície bidimensional. Essa preferência por macroanálises não exclui a possibilidade de trabalhar com mesozonas e microzonas. Para isso, novas áreas de interesse são integradas, visto que “o espaço variacional da dialetologia pluridimensional não compreende apenas os dialetos ‘puros’ preferidos pela dialetologia tradicional ou os socioletos da sociolinguística” (THUN, 1998, p. 704). Além disso, de acordo com o autor,

São de igual interesse as variedades mistas, os fenômenos de contato linguístico entre línguas contíguas ou superpostas de minorias e de maiorias, formas regionais, a variação diafásica (ou estilística), o comportamento linguístico dos grupos topodinâmicos (demograficamente móveis) contrastado com o dos grupos topostáticos (pouco móveis no espaço), a atitude metalinguística dos falantes comparada com seu comportamento linguístico, e outros parâmetros mais (THUN, 1998, p. 704).

Assim, de acordo com Margotti (2004), a dimensão diatópica da geolinguística tradicional passa a incorporar outras dimensões, tais como a dimensão diageracional (idade), a dimensão diassexual (sexo), a dimensão diastrática (escolaridade), a dimensão diafásica (estilo de fala), a dimensão diagrupal (grupo social), a dimensão dialingual (língua de contato), a dimensão diarreferencial (identidade social), dentre outras.

A dialetologia pluridimensional, então, objetiva descrever a variação dos traços de uma língua no espaço geográfico (plano horizontal – arealidade) e a variação desses mesmos traços numa rede de pontos (plano vertical – socialidade). Consiste, portanto, em “um modelo variacional de maior alcance metodológico e que considera novas possibilidades de levantamento de dados” (RADTKE; THUN, 1996, p. 48).

Conforme Mota e Cardoso (2006), a geolinguística pluridimensional se faz notar pela ampliação do campo de estudo, pois incorpora dados morfossintáticos, pragmático- discursivos e metalinguísticos; pela apresentação dos dados nos atlas, que são acompanhados de comentários linguísticos e de CDs que reproduzem a voz do informante, na situação e na localidade em que ela foi registrada; além de relacionar-se com as outras ciências como a etnografia, por exemplo.

Chambers e Trudgill (1994, p. 45) defendem que “o futuro da geografia linguística depende da capacidade de seus seguidores para abarcar e incorporar os interesses e talvez a metodologia da dialetologia urbana”104.

104 “el futuro de la geografia linguística depende de la capacidad de sus seguidores para abarcar e incorporar

De acordo com Blanch (apud FERREIRA; CARDOSO, 1994, p. 17), “se a dialetologia tem como finalidade geral o estudo das falas, deverá tratar tanto das suas variedades regionais como das sociais, tanto do eixo horizontal como do vertical”. O autor afirma, também, que o fato de a Dialetologia ter se dedicado amplamente a estudos que comportassem mais o falar regional/rural do que os outros não deve ser interpretado como um critério definidor, mas transitório. Para a Dialetologia, então, não interessa somente a variedade rural, mas também a urbana. Mencionamos as duas variedades da Dialetologia, a rural e a urbana, reportando para a dialetologia rural o projeto Atlas Linguístico e Etnográfico

da Região Sul (ALERS)105 e para a dialetologia urbana o projeto Atlas Linguístico do Brasil (ALiB).

Segundo Radtke e Thun (1996, p. 38), a dialetologia urbana “precisa ser aperfeiçoada com a sociolinguística em sua área de trabalho predileta, ampliando os aspectos verticais pontuais para uma análise horizontal-espacial e vertical”.

De acordo com Margotti (2004, p. 102), no lugar do tratamento monodimensional, que restringe a análise ao recorte horizontal da variação diatópica, coloca-se a perspectiva da dialetologia pluridimensional, a qual reúne no mesmo enfoque a análise das dimensões horizontal e vertical (social) da variação linguística. Como se sabe, a língua não é somente um complexo de variedades regionais, mas também uma superposição de variedades sociais (MARGOTTI, 2004, p. 102).

Para Radtke e Thun (1996, p. 35), “a geolinguística moderna caminha para tornar-se uma verdadeira ciência da variação. Essa ciência deveria, na realidade, alterar o seu nome e não mais denominar-se ‘geografia linguística’ ou ‘geolinguística’, mas sim chamar-se ‘ciência da variação’”.

Assim, a dialetologia pluridimensional é constituída levando em consideração tanto o eixo da arealidade, quanto o da socialidade. Desse modo, há uma união da Sociolinguística (que é composta de uma abordagem micro, na qual o foco está no indivíduo, e de uma visão mais restrita das localidades, em que a comunidade de fala passa a ser a base da pesquisa) com a Dialetologia (que comporta uma abordagem macro, pois abrange vários pontos e mostra os resultados através de uma perspectiva mais ampla). Dessa forma, podemos dizer que a Dialetologia e a Sociolinguística são complementares e de forma alguma incompatíveis.

105 O projeto ALERS descreve, conforme Altenhofen (2002, p. 118), “o português rural falado pela classe menos