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CAPÍTULO 1 – CONTEXTUALIZAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DAS COMUNIDADES DE FALA BRASILEIRAS E

1.3 SÃO JORGE-AÇORES

A ilha de São Jorge surgiu como resultado de sucessivas fissuras e erupções vulcânicas em linha reta, inativas no último século, de que restam crateras alinhadas ao longo do comprimento da ilha. A ilha faz parte do Grupo Central dos Açores e situa-se no centro desse conjunto de ilhas, conforme a Figura 3. A ilha tem características singulares que

21 Com a expulsão dos jesuítas, em 1759, e a condenação dos livros e métodos utilizados, todas as gramáticas

dos padres jesuítas, como a gramática do Pe. Álvares, foram queimadas de imediato. Pombal e seus assessores criaram em 1768 a Real Mesa Censória para fiscalizar as publicações do século XVIII e liberar para a circulação somente aquelas consideradas como condizentes com as deliberações reais e preceitos estabelecimentos pelas reformas da época. Entre as obras autorizadas pela Mesa Censória e recomendadas pelo Marquês de Pombal destaca-se a Arte da grammatica da Língua Portugueza, escrita por Antônio José dos Reis Lobato em 1771. Essa renomada obra foi bastante difundida no século XVIII e XIX, tendo sido reverenciada na legislação da época através do Alvará de 1770, que apresentou as intenções de D. José I em fortalecer a Língua Nacional, ao considerar ser ela “hum dos objectos mais attendiveis para a cultura dos Povos civilizados, por dependerem della a clareza, a energia, e a magestade, com que devem estabelecer as Leis, persuadir a verdade da Religião, e fazer uteis, e agradaveis os Escritos” (PORTUGAL, 1830, p. 497).

começam por se manifestar na forma muito alongada que apresenta, alcançando cerca de 60

km de comprimento para apenas 7 km de largura. Na sua área aproximada de 246 km2, vivem

aproximadamente 9.171 habitantes, sendo 49,78% homens e 50,22% mulheres. Os principais concelhos ou municípios são: Velas que possui 5.398 habitantes (49,81% homens e 50,19% mulheres) e Calheta com 3.773 habitantes (49,72% homens e 50,28% mulheres) (INSTITUTO NACIONAL DE ESTATÍSTICA – INE, 2011).

Figura 3 - Mapa do arquipélago dos Açores-PT

Fonte: Google Imagens. Acesso em março de 2014. Adaptado.

A primeira referência à ilha de São Jorge ocorreu na data de 1439, numa carta em que o rei D. Afonso V autoriza o Infante D. Henrique a mandar povoar as ilhas dos Açores, mas a ilha já figura num mapa catalão de 1375 com a designação de San Zorze, alusivo ao dia provável do seu descobrimento, 23 de abril. A ilha de São Jorge foi a quarta a ser (re)descoberta, tendo sido doada em 1483 ao então capitão de Angra do Heroísmo-Ilha Terceira, João Vaz Corte Real, que assim constituiu a 4ª capitania dos Açores, com sede em Velas (BOLETIM DO INSTITUTO HISTÓRICO DA ILHA TERCEIRA, 1961-62).

Conforme Avellar (1902), o povoamento de São Jorge iniciou na segunda metade do

século XV, quando um dos seus primeiros povoadores, o flamengo22 Wihelm van der Haagen,

aportuguesado para Guilherme da Silveira, chegou à ilha trazendo numerosa família e pessoas de diversas profissões, fundando um povoado na zona do Topo, onde se fixou a partir de 1480.

Em 1500, foi elevada à vila as localidades de Velas, em 1510; a zona do Topo e a localidade de Calheta, em 1534. Os principais pilares econômicos foram a produção de uvas, trigo, pastel23 e urzela24. Os dois últimos produtos foram exportados para Flandres e para outros países europeus para uso em tinturaria, segundo Avellar (1902).

A ilha de São Jorge conheceu um isolamento secular, atribuído ao abrigo precário que os seus portos ofereciam aos navios e à sua reduzida importância econômica. Mesmo assim, foi alvo de ataques de corsários ingleses e franceses, turcos e mouros. Além disso, também, afetaram a ilha as erupções vulcânicas de 1580, que duraram quatro meses, e de 1808; as inundações em 1588, 1606, 1713, 1732, 1842, 1856; a escassez de alimentos e fome em maus anos de colheita (1593, 1647, 1678, 1713, 1812, 1846-47, 1857, 1858, 1859, 1877, 1893-94); bem como terremotos (1757, 1964 e 1980); o vulcão de 1808, que destruiu por completo a zona da Urzelina, e o ciclone de 1899. São Jorge é, portanto, caracterizado por regular atividade sísmica, pela grande altitude do seu território, irregularidade do relevo e a existência de cones vulcânicos alinhados ao longo do comprimento da ilha.

O isolamento de São Jorge acabou por ser superado pelos trabalhos realizados nos dois principais portos da ilha: Velas e Calheta, bem como pela construção de um aeroporto. Essas obras públicas, segundo Cunha (2012), abriram novos horizontes de prosperidade e progresso para São Jorge, que conta com uma utilização mais eficiente dos seus recursos naturais e com a expansão da pecuária, da indústria de lacticínios e da pesca.

De acordo com Guerreiro (2012), as principais manifestações festivas de caráter popular de São Jorge são as Festas do Espírito Santo que convergem em torno do Império do Divino e são uma importante manifestação religiosa que tem lugar todos os domingos durante

22 Natural de Flandres, região da Bélgica, ou do antigo condado de Flandres, que hoje corresponde a territórios

franceses, belgas e holandeses. Informação retirada do sítio Dicionário Priberam da Língua Portuguesa (2010), disponível em: http://www.priberam.pt/, acesso em: 21 de abril de 2013.

23 Planta usada como corante azul em tinturaria e pintura. O corante era também usado em pinturas corporais e

para fins medicinais, informações retiradas do sítio Dicionário Priberam da Língua Portuguesa (2010), disponível em: http://www.priberam.pt/, acesso em: 21 de abril de 2013.

24 Urzela é o nome comum dado a fungos e/ou algas que se encontram sobre rochas costeiras em ilhas. O nome

urzela é também aplicado a outras espécies do mesmo gênero e ainda a outros tintureiros similares, informações retiradas do sítio Dicionário Priberam da Língua Portuguesa (2010), disponível em: http://www.priberam.pt/, acesso em: 21de abril de 2013.

sete semanas antes da Páscoa. A Semana Cultural das Velas é igualmente outra expressão popular que mistura à etnografia tradicional com as novas manifestações culturais que chegam de fora. O Festival de Julho é o nome de outra manifestação festiva, desta vez realizada no concelho da Calheta, que duram quatro dias e são compostas por desfiles etnográficos, comédias musicais e representações teatrais. As romarias são uma tradição de São Jorge e estão profundamente ligadas à crença da intervenção Divina contra a força dos Vulcões e Terremotos.

Os povoadores que, no século XV, chegaram ao arquipélago açoriano oriundos de várias regiões de Portugal, conforme relatos sobre o português falado nos Açores, exibiam na sua fala particularidades distintas. Uma linguagem que não era evidentemente uniforme (WARTBURG, 1971; VASCONCELLOS, 1970; CINTRA, 1983b; MAIA, 1975-78; HERMAN, 1990; HALL, 1974; VIANA, 1883; PILAR, 1980).

Sobre o assunto, Mateus (2005, p. 07) afirma que os dialetos dos Açores exibem características peculiares, pois, segundo a autora, no arquipélago açoriano “o dialeto micaelense apresenta as vogais palatais [ü] e [ö] que correspondem, respectivamente, a /u/ e /o/ (como em uva, [ü]va; pouco, p[ö]co; boi, b[ö]i; piolho, pi[ö]lho) e a elevação do /o/ tônico para [u], como em: doze, d[u]ze; amor, am[u]r”. A presença de uma vogal labialializada, visto a posição tônica onde é formada, neste caso a palatal [ü], chama a atenção quando ouvimos o francês e certos falares dialetais, ou variedades dentro das línguas românicas, inclusive no sul de Portugal. É sabido que este segmento não pertence à pronúncia padrão portuguesa, no entanto, verifica-se que a sua vitalidade e extensão são muito maiores do que se julgava (ROGERS, 1946-49; SARAMAGO, 1978, 1992; BLAYER, 1992; e outros).

Com relação à produção da variante palato-alveolar, de acordo com Teyssier (1984), o primeiro registro de pronúncia palato-alveolar da fricativa surda /s/ em coda silábica foi em 1746 por Luís António Verney. Existem mais hipóteses sobre as causas da existência do fenômeno e sobre a época dessa transformação, mas há um consenso de que, na época da imigração açoriana para Santa Catarina, no século XVIII, o centro-sul de Portugal já produzia a fricativa palato-alveolar em final de sílaba e de palavra (FURLAN, 1989).

Por volta do século XVIII, de acordo com Furlan (1989, p. 102), nos falares

centro-meridionais do português continental europeu, todos os -s e -z finais de sílabas, chamados implosivos (Saussure) ou travantes de sílaba, são chiados, sem arredondamento dos lábios, soando como surdos [s] quando ocorrem ante pausa (ex.: três, diz) ou ante consoante surda (ex.: poste, faz frio) e como sonora [z] ante sonora (ex.: fisga, faz bem). Tal pronúncia, difundida provavelmente a partir do

português europeu continental, encontra-se hoje nos Açores e em ex-colônias portuguesas (Angola, Moçambique e Cabo Verde).

Em virtude do exposto, como resultado das forças sociais que por gerações moldaram o português dos Açores, acreditamos que essas idiossincrasias do falar açoriano estão mescladas no padrão lisboeta. Notemos, também, que existem, no português de Portugal continental, características paralelas ao português dos Açores, apesar de terem sido os povos de Portugal continental que iniciaram o povoamento dos Açores.