• Nenhum resultado encontrado

Algumas considerações sobre a parte metodológica da pesquisa

3. Método

3.6. Algumas considerações sobre a parte metodológica da pesquisa

No que diz respeito à coleta de informações, destaco o acolhimento que recebi por parte da escola. Minha ida a esse local iniciou através de um convite para realizar trocas de experiências e adveio das inquietações da equipe pedagógica quanto à sua brinquedoteca; o que me ofereceu a possibilidade de conhecer e me interessar por esse universo de pesquisa. Esse movimento de mão dupla de interesses em comum facilitou minha inserção no universo, como campo de pesquisa, mas por si só não garantiu a relação de respeito que foi construída. Foi necessário conquistar a confiança dos adultos e das crianças, estar presente sem impor a presença e, sobretudo, participar dos rituais escolares que marcados também por lugares sociais decorrentes das relações profissionais e afetivas.

Quanto aos procedimentos éticos da pesquisa, saliento a morosidade na aprovação do projeto pelo Comitê de Ética da UFSC, em conseqüência dos problemas institucionais pelos quais ele passava. Estes quase inviabilizaram a coleta das informações no tempo previsto. Assim como, o questionamento feito pelo representante da instituição que analisou o projeto de pesquisa sobre como seriam feitas as filmagens de todas as crianças brincando se não haveria a aprovação total dos pais.

Esta é uma questão importante a ser levantada em consideração quando se faz filmagens de grupos numerosos de crianças em salas de aulas de escolas, onde dificilmente há uma adesão de 100%. Caso não haja essa adesão, isso inviabiliza esse tipo de coleta de informações? Argumentei que os episódios selecionados para as análises seriam com imagens de crianças cujos pais autorizassem sua participação. Mas a questão que restou foi: quem faz o controle do uso posterior das imagens das crianças? Ele não existe.

64 optar ou não em participar nas filmagens da pesquisa. E se por acaso a criança quisesse participar e os pais não assinassem a autorização? Como impedir esse direito de optar, por parte das crianças? Muitas vezes os pais não assinaram a autorização pensando na proteção da imagem, que poderia vir a ser veiculada do seu filho; o que é um argumento considerável. Porém, sabe-se que havia motivos, tais como o receio de uma utilização indevidamente do CPF43 dos pais, ou simplesmente por não se disporem a responder a solicitação, por não a acharem importante. Isso sem contar que nas escolas sempre há uma margem significativa de pais que dificilmente respondem aos “bilhetes” que lhes são enviados.

Tais receios dos pais contrastavam com a fascinação das crianças pela possibilidade de serem filmadas durante a pesquisa. Apesar de algumas se sentiram tímidas no início da coleta de informações, aos poucos elas foram manifestando o desejo de se verem na tela da filmadora e, sobretudo, de manipularem a mesma na brinquedoteca ou em momentos do recreio.

No início da coleta de informações procurei intervir o menos possível nas situações em que as crianças brincavam, a fim de captar a sua organização e suas relações num ambiente mais espontâneo possível. Mesmo sabendo de antemão que minha presença era notada, eu visava não alterar a dinâmica das brincadeiras ou das atividades propostas pelos adultos. Ao mesmo tempo, procurei uma forma de ouvir as crianças e deixar elas se exprimirem de maneira não habitual em pesquisas. Tentei deixar minha sensibilidade me guiar e assim, algumas possibilidades foram aparecendo:

Aos poucos as crianças foram me vendo e notando a presença do meu olhar atrás da câmera. Por vezes ele era procurado para a troca de um sorriso de cumplicidade, ou pelo receio de estarem sendo vistas em pequenas transgressões. Nessas ocasiões, procurei respeitar espaços de privacidade e indisponibilidades para serem filmadas.

Percebi que minha presença já fazia parte do cotidiano das crianças quando elas passaram a me solicitar para tirar dúvidas das regras dos jogos, para voltar a fita e ver quem fez gol durante os jogos ou quem já havia jogado. Ou ainda para ajudá-las a ler e a interpretar palavras que não conheciam e sugerindo que eu ficasse com elas na brinquedoteca, “olhando-as” nos momentos em que os adultos não podiam. Do mesmo modo, elas recorrentemente me chamavam e conversavam comigo durante as brincadeiras

43. Conforme a legislação vigente do Comitê de Ética, é obrigatório haver o número do Cadastro de Pessoa Física (CPF) da pessoa que assina o Termo Livre e Esclarecido.

65 contando sobre suas vidas e questionando o que realmente eu estava fazendo lá. Nesse movimento, algumas crianças com dificuldades de inserção nos grupos começaram a ver em mim uma possível companheira de brincadeira. Em algumas vezes interrompi as filmagens e fui com elas brincar.

Aos poucos fui notando que minha presença com a câmera atingia as crianças e os adultos como um elemento de alteridade. Os adultos, por voltarem o discurso também para mim, como o outro da situação que estava lá para observá-los e, em alguma medida, avaliá-los. E as crianças por verem na câmera um outro com a qual elas também dialogavam. Como por exemplo, um aluno da 3a Série, insatisfeito com o seu grupo e não conseguindo se comunicar com os colegas, dialogava com a câmera expondo o seu ponto de vista sobre eles. Outro aluno da 2a série, no meio de uma brincadeira de ser bandido, ao fazer ameaças pela internet, olha para a câmera e diz: “-Não façam isto na sua casa”.

Frente ao grande interesse demonstrado pela filmadora e pela possibilidade de serem filmadas, aos poucos fui deixando a câmera nas mãos das crianças. Em função da presença da câmera, crianças de 3a e 4a séries começaram a brincar de jornalistas e de entrevistarem seus colegas. Do meu lado, fiz uma tentativa de entrevistá-los na hora de recreio com a filmadora ligada e o microfone feito por eles na brinquedoteca. Subi na árvore e no parque com elas e comecei a fazer perguntas. Eles corriam de um lado para o outro e deixavam minhas perguntas vagando sem respostas. Foi quando, ao seguir suas solicitações, entreguei a câmara em suas mãos. Nesse momento fui inundada de perguntas. Abriu-se então a possibilidade de diálogo com as crianças, pois nesse movimento de me entrevistar, contraditoriamente, elas começaram a se exprimir.

Deixei-as seguir a brincadeira em outros dias na hora do recreio, quando então elas continuaram “brincando” de entrevistar seus colegas e funcionários da escola. Tal fato apresentou-se como uma possibilidade interessante para captar as significações das crianças sobre o brincar e sobre a brinquedoteca na escola, literalmente a partir do seu ponto de vista, via filmagens.

Após a coleta de informações e revendo as filmagens, dei-me conta de que situações bastante ricas aconteceram justamente porque e quando eu me permiti interagir com elas filmando-as, as deixando filmarem e se verem filmadas. Esses procedimentos permitiram, em alguma medida, superar a forma tradicional de obter informações junto às crianças (Qvortrup, 1999).

66 Ao final da fase de observações, propus que as crianças se vissem no DVD da sala de aula, em momentos em que estavam brincando na brinquedoteca durante um recreio de cada turma. Eu visava com isso oferecer às mesmas um olhar exterior sobre si mesmas ao passarem pela experiência de se ver na TV, em situações de brincar. O que desencadeou inúmeros processos interessantes de serem analisados, mas que fogem aos objetivos desta pesquisa44.

Finalmente, o processo de coleta de informações, na troca de olhares com/das próprias crianças, aconteceu como uma grande brincadeira e me permitiu brincar com as mesmas e ampliar minha sensibilidade a situações inesperadas. Do mesmo modo, certas posturas minhas por vezes chocaram as próprias crianças. Por exemplo, ao acompanhá-las em outros espaços do brincar na escola, ou nas árvores. Essas situações geraram um estranhamento nas mesmas pelo fato de um adulto estar num dos espaços reconhecidos como sendo delas, questionando-me: “-Você também sobe em árvores”? Freqüentemente as crianças expuseram tais momentos de trocas comigo e com a câmera filmadora como uma experiência positiva durante a avaliação das atividades.

Porém, julgo importante salientar que no próprio envolvimento das atividades elas expressavam sentidos sobre o brincar na brinquedoteca. Ou seja, essa expressão de sentidos aconteceu não somente nos momentos em que as crianças tiveram a possibilidade de expressar verbalmente o seu ponto de vista sobre as atividades propostas, mas no seu próprio movimento de engajamento e de resistência frente às mesmas.

A opção de filmar todas as situações para posteriores análises já foi justificada. É necessário destacar também o elevado custo final da pesquisa e as dificuldades para a transformação das fitas de VHS em DVD. O que foi necessário por causa do preço elevado das fitas em VHS e do grande volume de informações registradas. Ao mesmo tempo, houve dificuldades em encontrar um programa informático que realizasse a conversão das fitas VHS para a sua gravação em DVDs. Visto o custo das peças e dos programas necessários para fazer as conversões das formatações e da dificuldade de dominar os meios tecnológicos para tal, optei em contratar um especialista para realizar esse serviço.

Em relação aos questionários, também vejo ser importante destacar que, quando este foi elaborado, não se vislumbrou a possibilidade de analisá-lo posteriormente com procedimentos específicos para o tratamento de informações quantitativas. Assim, as

67 perguntas da segunda parte do questionário, com as questões abertas, não foram estruturadas e pensadas para futuras tabulações e categorizações, o que gerou um trabalho posterior dobrado. Tal fato também resultou na exclusão de informações relativas às questões quanto ao tempo de brincar e de assistir televisão das crianças, em decorrência da quantidade e da diversidade de respostas que apareceram, e pela dificuldade de categorizá- las com coerência.

Mas, ao mesmo tempo, essa forma de coletar informações com questões abertas possibilitou à população expressar sua fala sobre como ela significava a realidade pesquisada. Pois, ao deixar os sujeitos a possibilidade de se expressarem livremente, com suas palavras, frente aos temas levantados, o pesquisador não corre o risco de direcionar as respostas com palavras que tenham sentido para ele e que são indiretamente “impostas” nas questões de pesquisa (Vienne, 2005).

Finalmente, compreendi ser importante também realizar entrevistas e ouvir os agentes organizadores e responsáveis pela escola e pela brinquedoteca, uma vez que estes constroem sentidos decorrentes de como compreendem e organizam a realidade através de um conjunto complexo de crenças e de valores sobre a criança, o brincar e a educação. Tais marcos serviram de base para categorizar, explicar e predizer os acontecimentos do mundo (Olabuenaga, 1999) e podem ter tido influência direta ou indireta na organização e no funcionamento da brinquedoteca. Pode-se perguntar: influenciaram também o brincar das crianças nesse espaço? É o que discutiremos nos capítulos a seguir.