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c A oposição entre o brincar como atividade dirigida ligada ao mundo do

5. A brinquedoteca e o brincar no contexto escolar

5.1. O discurso institucional sobre o brincar e sobre a brinquedoteca escolar: uma

5.1.1. c A oposição entre o brincar como atividade dirigida ligada ao mundo do

postos em questão

Evidenciamos no discurso dos sujeitos até então, uma oposição entre trabalho como uma atividade séria e lazer como uma atividade não séria. Na brinquedoteca essa oposição é reproduzida: brincar dirigido para aprender (trabalho) versus brincar livre (lazer), depois do trabalho. Tal oposição está tão impregnada nos diferentes discursos que pode ser observada no seguinte enunciado expresso durante a avaliação das atividades do dia 29/08/2006 da turma da 3ª série: “Não está levando a sério. Alguns brincaram e não

trabalharam”.

Assim, o trabalho deve vir em primeiro lugar e depois, se sobrar tempo, o brincar, senão os resultados podem não ser bons e as conseqüências também não. É o que nos conta a história produzida pela turma da 1ª Série (que estava fixada no mural da escola quando na fase inicial da coleta das informações):

118 Era uma vez 3 porquinhos que moravam na floresta. Lá a vida era uma festa! Até que um dia resolveram construir sua própria moradia. Dois porquinhos eram “preguiçosos” e só queriam brincar! Cícero construiu sua casa de palha, para o trabalho rápido acabar!

Heitor fez sua casa de graveto para logo brincar.

Porém, o outro porquinho era trabalhador e preferiu sua casa de cimento e tijolos construir, pois sabia que o lobo mau tentaria sua casa destruir!

O lobo apareceu, começou a soprar e a casa de palha sumiu. Soprou a casa de gravetos e a casa destruiu!

Com a casa destruída, foram na casa de tijolos do porco trabalhador buscar abrigo. Foi a sorte, pois o lobo mau tentou destruí-la também com um sopro bem forte. Mas desta vez foi diferente e nem pense que a casa de tijolos foi derrubada!

O lobo mau de tão cansado caiu no chão. E o porquinho trabalhador ensinou aos seus irmãos uma lição: primeiro vem o trabalho e depois a diversão.

Esta história resume o estatuto atribuído ao sentido de brincar como uma atividade não produtiva que é expresso através das personagens dos porquinhos preguiçosos que só queriam brincar, em oposição ao porquinho trabalhador, preocupado com o futuro e que finalmente garantiu a moradia de todos. Resumem-se com esta história os enunciados expressos pelos sujeitos até então em relação ao objetivo de brincar na brinquedoteca e na escola: primeiro vem o trabalho e depois a diversão!

Visando compreender algumas das múltiplas vozes sociais que expressam esta valorização intrínseca do trabalho na nossa sociedade (que refletem indiretamente neste texto e nos enunciados dos sujeitos) resumiremos um pouco a sua história na nossa sociedade e os sentidos que foram a ele atribuídos.

A partir da perspectiva marxista, compreende-se que foi através do trabalho que o homem transformou a natureza para produzir cultura e, ao mesmo tempo, neste processo, foi transformando-se e se humanizando.

Entretanto, essa forma de agir do homem foi mudando ao longo da história, em decorrência das próprias transformações sociais e, conseqüentemente, no sentido que foi atribuído ao trabalho.

Marton (2005)76 analisa estas mudanças de sentido guiando-se em três vertentes: na religião, na sociedade greco-romana e na etimologia da palavra trabalho.

Na tradição judaico-cristã, em uma das primeiras cenas da Antigo Testamento, o trabalho é posto como degradação da condição humana quando Adão e Eva são expulsos do Paraíso e obrigados a providenciar o próprio sustento.

76. MARTON, Scarlet. Café Filosófico : a vida profissional – o Workaholic. SP: Cultura marcas, 2005. 1DVD. Ou disponível em: http://pt-br.wordpress.com/tag/cafe-filosofico-scarlett-marton-palestra-tv-cultura- cpfl-filosofia-workaholic-trabalho/. Consultado em 22/08/2008.

119 Porém, contraditoriamente, tem-se igualmente o sentido de valorização do trabalho, uma vez que o mundo foi criado pelo próprio trabalho do Criador. Conta a bíblia que no sétimo dia Ele descansou depois de toda a sua criação, o que já expressa uma primeira oposição entre o trabalho (produtivo) e o tempo livre (após o dever cumprido).

Na sociedade greco-romana, por sua vez, os homens livres não trabalhavam e ao ócio era atribuído um valor positivo. O que vem ao encontro da própria origem etimológica da palavra trabalho, oriunda do latim tripalium, que significa instrumento de tortura usado para empalar o escravo rebelde.

Oliveira & Gumeri (2002) indicam que entre o século VI e X o trabalho ainda estava vinculado à imagem do escravo no período romano, uma vez que o homem medieval é herdeiro de uma sociedade que menosprezava o trabalho manual por lembrar o camponês. Foi somente durante a Idade Média Central, nos séculos XII e XIII que houve modificações sensíveis no seu sentido. Como conseqüência do desenvolvimento urbano e da divisão social do trabalho, houve uma nova organização deste voltada para o comércio, e ele passou a ser considerado como de fundamental importância para a vida das pessoas.

Esta modificação do conceito de trabalho irá se consolidar no século XVIII, com a Revolução Industrial, com a Revolução Francesa, com a Declaração dos Direitos do Homem e a invenção do “direito do trabalho”. Em meados do século XIX , o trabalho se torna o valor central da sociedade, expressando um valor positivo.

Atualmente existem teses que preconizam o fim do trabalho na contemporaneidade, utilizando como argumento de que a sociedade informacional liberaria o tempo de trabalho do homem (Harvey, 1993). Já Antunes (2002, 2004 e 2007) defende a tese de que o capital não conseguiu o “fim” do trabalho, mas o retorno a níveis altíssimos de exploração e de intensificação do seu tempo e do seu ritmo.

Desta forma, o trabalho precisa ser cada vez mais polivalente, multifuncional e criativo, uma vez que está cada vez mais complexificado. Exige-se mais do trabalhador em menos tempo. Trabalha-se mais e ganha-se menos. E no processo, mesmo o tempo livre é explorado: ao ser “rentabilizado” para o indivíduo capacitar-se e melhor “competir” no mercado, para repor as energias e, para consumir bens produzidos pelo capital.

É sob a condição da separação absoluta do trabalho e da criação que “[...] a alienação assume forma de perda de sua própria unidade: trabalho e lazer, meios e fins, vida pública e privada, entre outras formas de disjunção dos elementos de unidade presentes na sociedade do trabalho” (Id., 2004, p. 11).

120 Esta perda de unidade expressa as contradições atuais que dela resultam no mundo do trabalho, cujos signos ideológicos, parafraseando Bakhtin/Volochínov (1999), restam presentes em outros setores sociais.

Assim, o trabalho permanece como referência central de nossa sociedade, não somente em sua dimensão econômica, mas em sua dimensão psicológica, cultural e simbólica. Vemos que a lógica do mundo do trabalho, tal como concebido pelo capitalismo, se instala e reflete diretamente no sentido atribuído ao brincar e ao trabalho como instâncias distintas. Assim também, a criança e o aluno são vistos como expressões diferentes de um mesmo ser: as crianças brincaram nos momentos do recreio ou no tempo que resta na brinquedoteca, e o aluno cumpre o seu trabalho na escola.

O brincar, considerado como lazer, é tutorado e maximizado ao visar aprendizagens sociais; ou expresso na seleção de novos jogos a serem experimentados, maximizando assim as próprias aprendizagens escolares. E o trabalho do aluno também é fragmentado, expresso no presente, visando à preparação para o mundo do trabalho adulto.

Neste sentido, Perrenoud (1995) denuncia os efeitos do trabalho dos alunos quando estes passam a construir uma relação utilitarista “com o saber, com o trabalho, com o outro” (Id., p. 17). O autor questiona:

[...] qual aluno poderá interessar-se profundamente por seu trabalho quando este é fragmentado, desconexo, caótico, ao sabor das mudanças de atividades e disciplinas, do ritmo das campainhas e de outros toques, da contínua troca de professores e dos respectivos temperamentos, das pressas e dos tempos mortos? (Id., p. 18).

A brinquedoteca, para ser coerente com esta lógica do mundo do trabalho escolar, está imbricada na lógica produtivista do trabalho. Porém, teoricamente, ela poderia ser conivente com a auto-suficiência e da auto-finalidade, presentes na noção de lazer (Roucous e Brougère, 1998).

5.1.1.d. A participação das crianças no planejamento e nas atividades: uma questão de opção?

Destacou-se até o momento no discurso dos sujeitos entrevistados que as atividades na brinquedoteca devem ser planejadas visando um resultado concreto.

Para este planejamento, como vimos, é considerado o que as crianças têm vontade de fazer, como afirma a brinquedista, pois desse modo as crianças aprendem sem saber que estão aprendendo.

121 Porém, pouco foi expresso nos enunciados dos sujeitos entrevistados, sobre a efetiva participação das crianças no planejamento das atividades.

Em relação à participação das crianças no planejamento das atividades, a brinquedista comenta:

“Tento sempre conversar com eles e propor. Muitas vezes, eu já fiz um

planejamento e cheguei lá e eles não aceitaram e pediram outras coisas. Eu venho com um planejamento e chega lá e não deu, eles pediram outra coisa, que eu achava mais importante eles estarem participando do que eu impor. Porque às vezes eles têm resistência porque eles não conhecem ou alguma coisa do que aquilo que eles vão ter mais interesse que eles vão propor alguma coisa que vai acrescentar” (brinquedista).

De acordo com este enunciado, as crianças estão o tempo todo em negociação, e nele se vê que elas resistem às atividades que não vêm ao encontro de suas expectativas. Porém, o que nele se destaca é de que as crianças podem propor alguma coisa somente se for para acrescentar à atividade planejada, indicando assim a pouca abertura para sair do que foi planejado.

Ainda segundo a brinquedista, o planejamento é feito de acordo com o que as crianças têm vontade e do que elas gostam “ (...) tudo o que a gente vai vendo do interesse

deles a gente vai trazendo para cá e vai planejando” (brinquedista).

Este procedimento é o mesmo adotado pela brinquedista anterior: “Ela planejava

com base em algumas coisas que ela observava (orientadora pedagógica).

Justifica-se, para a brinquedista atual, a permanência de tal metodologia, uma vez que ela foi adotada já pela brinquedista anterior e aparentemente teve êxito: “Sempre na

entrada, no primeiro momento da brinquedoteca, sentados em roda, normalmente a Rute falava sobre o que eles tinham combinado: ‘-Olha nós sentamos, eu com a professora e combinamos tal coisa, o que vocês acham?’ E geralmente as crianças topavam e a participação das crianças era essa assim. Apresentava-se a proposta, eles intervinham naquela proposta ou diziam muitas vezes: ‘-Ah, a gente não quer fazer assim, quer fazer assado para ajudarem nesse planejamento” (orientadora pedagógica).

A orientadora pedagógica diz que as crianças “ajudavam no planejamento”, assim como a brinquedista atual diz que as “crianças vão propor alguma coisa para ajudar”. São discursos que podem indicar que a participação das crianças era limitada, uma vez que a função delas era de acrescentar algo a alguma atividade previamente planejada pelos adultos. Esse modo de trabalhar parece indicar que as crianças não são ouvidas no

122 planejamento das atividades, sobretudo porque elas pedem outras atividades não desencadeadoras de aprendizagens almejadas.

Este planejamento segue então o mesmo gênero de atividade da sala de aula: os conteúdos e os procedimentos são de responsabilidade do professor.

Outra contradição que se evidencia é quando se trata da participação obrigatória das crianças nas atividades:

“Os que não queriam fazer isso, podiam fazer outra atividade, sempre pode fazer

outra atividade. Mas tem isso que vem meio direcionado e eles estão super empolgados e vão e fazem” (orientadora pedagógica).

Pode-se fazer outra coisa mas, ao mesmo tempo, a atividade é direcionada: como pode acontecer isto? A própria orientadora pedagógica explica: “Têm momentos que são

mais livres e têm momentos que são mais direcionados. Embora que mesmo nos momentos direcionados a criança tem a liberdade de não fazer aquilo, mas mesmo assim é mais direcionado” (orientadora pedagógica).

O que é corroborado pela brinquedista:

“Hoje em dia então você faz o planejamento com as professoras, propõe a

atividade. Quem quer participa e quem não quer faz outra coisa depois que ele termina a atividade, aí podem brincar livremente” (brinquedista).

Mas como pode acontecer tal fenômeno ao mesmo tempo: quem quer participa e quem não quer pode fazer outra coisa depois de terminar a atividade planejada: ou seja, de participar? Até que ponto é oferecida a possibilidade às crianças de não participar?

Podemos observar nestes enunciados três formas de dizer a mesma coisa sem explicitar verdadeiramente a obrigatoriedade da participação das crianças nas atividades planejadas.

Nestes enunciados, encontramos indícios de fala persuasiva, que podem trazer elementos de fala autoritária, discutidos por Bakhtin (1998). Para o autor o encontro entre dois tipos de expressão - a fala persuasiva e a fala autoritária – é um aspecto constitutivo do plurilinguismo que tem como objetivos a organização do nosso comportamento “[…] como objeto de transmissão de sentido interessado no caráter prático” (Ibid., p.141).

Segundo Bakhtin, a palavra autoritária apresenta uma estrutura semântica rígida, monológica, cujo sentido só pode ser transmitido literalmente, exigindo dos participantes do diálogo em que ela é proferida um reconhecimento e uma assimilação, impostas com tal força que torna difícil introduzir modificações de sentido com a ajuda do contexto que a

123 provoca. Ela apresenta-se unida à autoridade, organicamente ligada ao passado hierárquico: “É, por assim dizer, a palavra dos pais. Ela já foi reconhecida no passado. É uma palavra encontrada de antemão” (Ibid., p. 143).

No outro extremo dessa tensão, encontramos a palavra interiormente persuasiva, que apresenta uma estrutura semântica inacabada e aberta capaz de revelar novas possibilidades de sentido a cada novo contexto dialogizado. O que ela oferece aos participantes do dialogo é a possibilidade do exercício de uma concepção particular de ouvinte-leitor compreensivo, que possibilita uma interação máxima da palavra do outro com o contexto, ou seja, desenvolve uma influência dialogizante recíproca e móvel.

Ela apresenta-se unida à capacidade de persuasão criativa, organicamente direcionada ao futuro da representação: “[…] é uma palavra contemporânea, nascida numa zona de contato com o presente inacabado, ou tornado contemporâneo: ela se orienta para um homem contemporâneo e para um descendente, como se esse fosse um contemporâneo” (Ibid., p.146).

Assim sendo, a palavra interiormente persuasiva é um pouco nossa e muito de outrem, despertando em nosso pensamento a nossa palavra autônoma e possibilitando diferentes modos de representação.

Para Bakhtin, apesar da diferença entre essas duas categorias, tanto a autoridade da palavra de outrem quanto a sua persuasão interior podem se unir em uma única palavra, ao mesmo tempo autoritária e persuasiva. O autor revela:

O processo de formação ideológica caracteriza-se justamente por uma brusca divergência entre as categorias: a palavra autoritária (religiosa, política, moral, a palavra do pai, dos adultos, dos professores) carece de persuasão interior para a consciência, enquanto que a palavra interiormente persuasiva carece de autoridade, não se submete a qualquer autoridade, com freqüência é desconhecida socialmente (pela opinião pública, a ciência oficial, a crítica) e até mesmo privada de legalidade. O conflito e as interações dialógicas dessas categorias da palavra determinam freqüentemente a história da consciência ideológica individual (Ibid., p. 143).

Vemos neste sentido que, quando a orientadora pedagógica e a brinquedista dizem que “quem quer participa e não quer pode fazer outra coisa depois de participar”, que “os

que não querem fazer podem fazer outra coisa, mas como é direcionado eles se empolgam e fazem”, ou que “a criança têm a liberdade de não fazer mais é direcionado” expressam

tensões que ocorrem na tentativa de fazer as atividades acontecerem tal como foram planejadas. Nestes enunciados, é possível observar, por um lado, a persuasão expressa nos

124 argumentos que tentam encobrir o discurso autoritário utilizado no encaminhamento das atividades. Por outro lado, destaca novamente o papel da autoridade da fala adulta no ambiente educacional, marcando historicamente o gênero de atividade escolar.

Tal movimento de persuasão e de instauração da autoridade escolar através do discurso dos seus agentes destaca as tensões presentes, onde o lugar do professor é valorizado como aquele que ensina. Reconhecer que estes assumem esse lugar de quem realmente tem algo a ensinar para as crianças e se esforçam por fazê-lo de forma competente, é então importante.

Porém, este discurso soa dissonante com o gênero de atividade que a brinquedoteca preconiza: o de ser um espaço do brincar que pode ser enriquecido através de boas mediações que não precisam ser previamente direcionadas a um objetivo e com ações controladas para ter um valor educativo, uma vez que nem toda a atividade de ensinar precisa ser necessariamente cerceadora.

A obrigação da participação das crianças em todas as atividades traz elementos para pensar e questionar as próprias tensões/oposições que vivem as professoras e a brinquedista. Esse espaço lúdico evidencia igualmente as contradições expressas na polifonia das vozes sociais quanto às oposições existentes entre trabalhar/brincar; ensinar/aprender; planejar e trabalhar com o que emerge no cotidiano da brinquedoteca e que pode estar relacionado aos conteúdos escolares. Vozes estas que as professoras e a brinquedista se apropriam e que (re)produzem dialogando com diferentes discursos, muitas vezes opostos, sem se darem conta de suas contradições.

A participação das crianças é institucionalmente reconhecida através da realização do pré-conselho de classe, quando têm a possibilidade de se exprimir. Como indica a diretora da escola:

“Então os alunos fazem o seu pré-conselho de classe fazendo avaliação de todos da

escola e principalmente do grupo deles. E tudo isso é relatado em ata e trazido para o conselho de classe. Então a gente lê esse pré-conselho que tem as falas deles e no conselho de classe, antes de começar o conselho, a gente lê as falas deles e de cada professor. Cada setor da escola se prepara para a reflexão para ver realmente o que está acontecendo e por que as crianças estão vendo daquela forma e o que a gente pode melhorar. (...) e depois a gente faz a devolução para eles daqueles assuntos que foram levantados e daquilo que a gente vai poder mudar ou não e explicar para eles do por que é

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feito daquela forma e não da forma que de repente eles querem. Então é feito dessa forma, é bastante coisa, é uma escola pequeninha” (diretora).

A diretora destaca a importância da avaliação das crianças em todos os setores da escola. Tal movimento exprime o desejo de ouvi-las. Porém, como veremos mais adiante, nem sempre os discursos das crianças (expresso no pré-conselho) foi ouvido pelos adultos. Muitas de suas reivindicações não foram acolhidas e, em alguns casos, estas nem mesmo foram repassadas para o conselho de classe.

Se há a compreensão do brincar/jogar ligado ao aprender (e a escola aposta nestas possibilidades), há também muitas inseguranças nas ações. Sobretudo nas conseqüências do fato de que o brincar não se constitui como uma atividade que por si só se vincula aos conteúdos formais da escola. Assim, torna-se difícil justificar a existência da brinquedoteca na escola, pois rompe, em alguma medida, com o gênero de atividade, nos termos de Clot (2008), do métier de professor.

Ter um métier, como vimos, significa fazer parte de um gênero maior da vida social, eticamente situado, na qual o sujeito se identifica e partilha o sentimento de contribuir para a perenidade da sociedade.

A brinquedoteca cria então um paradoxo entre instituir um novo gênero de atividade no ambiente escolar e perpetuar um tipo de ação eticamente situada e socialmente reconhecida.

Tal paradoxo expressa-se no conflito descrito pela orientadora pedagógica:

“É isso que a gente vem falando e que não é fácil também porque a gente sofre uma

série de inseguranças. A gente não consegue tirar isso. Se tirar será que a gente está favorecendo nosso aluno? Nosso professor e tal. Se de repente a gente tirar os conteúdos e não usar mais aqueles conteúdos programáticos e trabalhar como o Nei trabalha, será que nossa criança vai chegar lá na quinta série e vai sofrer todo uma...vai faltar um conteúdo que ela deveria ter aprendido, então são coisas que a gente tenta na medida do possível estar contemplando as duas coisas”.

Nesta fala, a orientadora pedagógica destaca as inseguranças criadas por uma situação complexa: como a escola está inserida num contexto maior, há exigências e conteúdos apropriados que devem ser respeitados visando preparar os alunos para a segunda fase do Ensino Fundamental. Há um currículo a ser cumprido e, quando se ousa fazer um trabalho diferenciado, não se tem garantias para cumpri-lo a contento.

126 Entendendo-se, a partir de Clot (2008), toda atividade é, por definição, sempre conflituosa, já que envolve tensões em relação às escolhas possíveis: entre o sujeito e o objeto (leia-se também objetivo) da atividade, e entre o sujeito e os outros.

A prestação de contas, à que a orientadora pedagógica se refere, não acontece somente quando a criança parte para uma nova escola, mas também no final de cada Trimestre Letivo quando os pais são chamados a reconhecerem o trabalho que está sendo feito na escola e na brinquedoteca. Como indica a frase do cartaz produzido pela