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Algumas considerações sobre o underground e a subcultura no contexto do

2. METODOLOGIA

2.2. O mundo empírico das dores da alma (adolescentes): perspectivas críticas em

2.2.2 Algumas considerações sobre o underground e a subcultura no contexto do

Ao falar em subculturas, refiro-me a um mundo particular de relações e de interações sociais em um processo bastante dinâmico, embora não isolado de outros agentes e instituições. Considerando tal processo, nos últimos anos, tem-se estabelecido uma associação entre a subcultura emo, bem como a gótica, com tendências autodestrutivas26. Em outras palavras, isto representa uma visão de que

certas vestimentas e gostos musicais podem ser indicadores de estados mentais entre indivíduos jovens. Devido a isso, como se verá adiante, alguns temas desta investigação dirigem-se para o que tem sido considerada saúde psicológica e de que maneira tais pressupostos avaliam estilos de vida, especialmente as modas jovens influenciadas pelo pós-punk.

O termo underground obviamente abrange, além de subculturas urbanas, uma diversidade bem maior de práticas culturais, como literatura, arte performática, música, ficção científica, crítica cultural, tecnologias, filosofia, movimentos sociais, política, comportamento, artes visuais, dentre outras. Muitas vezes, uma subcultura,

25 Algumas destas discussões, um terreno mais árido entre conceitos e categorizações de estudos médicos e as elaborações decorrentes desta investigação estão no Capítulo 4.

26 É de fundamental importância relativizar a noção de autodestrutividade, distanciando-se, como bem demonstrou Goffman (2011, p. 132-141), da classificação cartesiana de sintomas. Esta relativização, é bom lembrar, deve ser um empreendimento tanto empírico, como de adoção de novas abordagens.

além de possuir certo estilo, é marcada por seu envolvimento na criação e disseminação de música ou poesia influenciada por uma filosofia de vida anticonvencional ou radical27 de extrema importância, como ocorreu no contexto dos

anos de 1960 e 1970. Nestes anos, surgiu o contexto propício para o desenvolvimento de pesquisas que trouxeram novos horizontes para pensar a juventude. No entanto, conforme esclarece Williams (2007):

Subcultures were theorized as static and homogeneous entities vis-à-vis a dominant cultural regime, and subcultural variability was explained away as ideological struggle rather than an area to be empirically explored. The CCCS tended to ignore what subcultural participants actually said or did, focusing instead on ‘reading’ their resistance through style and ritual (p. 577).

Apesar das limitações historicamente situadas, ao longo de sua revisão da tradição sociológica em torno das subculturas, podemos concordar com Williams (2007) em torno da necessidade de rediscutir criticamente as subculturas e explorá- las na contemporaneidade:

Subcultural studies has retained its white, male history all too well. Lastly, I advocate for the continuing use of the subculture concept to the extent that it remains analytically appropriate. While ‘scenes’, ‘neo-tribes’, and ‘club cultures’ may be increasingly common on the youth cultural landscape, subcultures also remain highly salient and significant. Subcultural studies will strengthen as scholars bring insights from interdisciplinary and cross-cultural research to bear in their analytically precise research (p. 587).

Assim, no contexto deste trabalho, sem perder de vista essa diversidade que lhe é inerente, o underground é tomado mais a partir de uma vertente empírica, em um sentido sociológico. Isto implica que os sujeitos precisam se perceber ou se autodenominar underground, ou pelo menos se perceberem como “moderados” frente ao que entendem ser under. O moderado é aquele que prefere envolvimento “brando” ou modifica o próprio visual brandamente, permanecendo, assim, mais na órbita dos “casos extremos”, aqueles mais imersos nas modas alternativas.

Considerando a automutilação e o suicídio, a partir deste contexto das subculturas, esta pesquisa buscou empreender uma estratégia ou abordagem não muito diferente das etnografias28, particularmente na linha do que está na obra de

27 Alguns autores são especialmente importantes para o diálogo acerca do underground. Ver, por exemplo, White (2012), Williams (2008), Goffman e Joy (2007), Home (2004), Hebdige (2002), Szemere (2001), Bollon (1993).

28 Entrarei em maiores detalhes acerca desta abordagem na penúltima subseção. Para tanto, além da visão crítica aqui apresentada sobre a noção de desvio, este trabalho teve igual influência de Goffman (2010; 2011) e de Giddens (2003), como referenciais de análise.

Howard Becker (2008). Sua clássica obra ainda é inspiração metodológica, particularmente, suas conversas informais29 em meio à dinâmica da vida social dos

“jazzman fumetas” (músicos de casa noturna usuários de maconha e amantes do jazz):

Ao se considerar o desvio uma forma de atividade coletiva, a ser investigada, em todas as suas facetas, como qualquer outra atividade coletiva, vemos que o objeto de nosso estudo não é um ato isolado cuja origem devemos descobrir. Em vez disso, o ato que alegadamente ocorreu, quando ocorreu, tem lugar numa rede complexa de atos envolvendo outros, e assume parte dessa complexidade por causa da maneira como diferentes pessoas e grupos o definem (p. 189).

A partir desta visão de comportamento desviante, direcionada à questão das condutas autolesivas, é possível avançar no seguinte sentido: se cortar-se é tido como desviante, no sentido de que foge à norma, isso não é por razões da natureza do ato em si ou das regras que ele ofende. Mais sutil do que a prática de automutilação entre adolescentes, é a ausência dos pais ou daqueles que ocupam esta função por estarem, de certa forma, dissipando preceitos, como a necessidade de amor e afeto no cuidado com as crianças, ao fragmentá-los em razão de projetos de vida excessivamente individualistas ou “egoístas”.

O que pretendo chamar atenção, considerando que estaremos lidando com vidas humanas em suas experiências e emoções mais íntimas, é que, ao dirigirmo- nos para o universo do corte, não buscamos tão somente definições plausíveis acerca de como os sujeitos agem, mas compreender este ato – muito íntimo, doloroso e intenso em suas emoções – no âmbito de uma rede complexa que envolve diversos atores sociais em contextos sociais determinados.

Era basicamente essa a preocupação de Becker (2008) ao voltar-se, antes de qualquer coisa, para a realidade da vida de maconheiros e músicos de casa noturna, concentrando novos esforços intelectuais para rever diferentes perspectivas teóricas existentes na época acerca do desvio ou transgressão.

29O próprio Becker, em sua juventude trabalhando em ares mais “livres e românticos” como músico em bares e exposto à cultura da droga, pôde ter uma visão de mundo diferente que mais tarde iria influenciar esta sua crítica e reformulação em torno do desvio. As subculturas ao longo da história, como os hippies e antes os beats, também expressavam uma forma de se contrapor a formas de vida que consideravam inautênticas e passivas diante do moralismo e do consumismo.

Observam-se com facilidade que diferentes grupos consideram diferentes coisas desviantes. Isso deveria nos alertar (Grifo nosso) para a possibilidade de que a pessoa que faz o julgamento de desvio e o processo pelo qual se chega ao julgamento e à situação em que ele é feito possam todos estar intimamente envolvidos no fenômeno. À medida que supõem que atos infratores de regras são inerentemente desviantes, e assim deixam de prestar atenção a situações e processos de julgamento, a visão de senso comum sobre o desvio e as teorias científicas, que partem de suas premissas, podem deixar de lado uma variável importante. Se os cientistas ignoram o caráter variável do processo de julgamento, talvez, com essa omissão, limitem os tipos de teorias que podem ser desenvolvidos e o tipo de compreensão que se pode alcançar (BECKER, 2008, p. 17).

Nestes termos, agora sim retomando a preocupação com as definições, poderemos ampliar a compreensão de determinados modos de conduta e seus contextos de vida. Especificamente, o que pode ser considerado autolesão em um sentido restrito – dores, tristeza, gritos ou formas de sufocá-los – pode também ser relacionado a experiências de vida entre atores interdependes, mas não necessariamente detentores de uma mesma posição de poder, controle ou de decisão.

A compreensão da autolesão não reside em até que ponto ela prejudicará o organismo de quem a comete deliberadamente (mesmo que, objetivamente, isso ocorra e, de fato, às vezes quem assim o faz, necessite de algum tipo de auxílio). Ela deve se estender aos processos da vida e como eles afetam as pessoas, particularmente, crianças e jovens nas condições da modernidade tardia. Ou seja, a pesquisa empírica sobre as condições emocionais no curso das interações humanas (o “mundo da vida” de AlfredSchutz) pode ser uma forma de encarar transformações mais abrangentes na sociedade, como nos têm ensinado Bauman (2004; 2009) e outros autores.

Trazendo a questão da autolesão nos termos acima descritos, podemos considerar que, a partir de Bauman (2004):

O amor-próprio pode rebelar-se contra a continuação da vida. Ele nos estimula a convidar o perigo e dar boas-vindas à ameaça. Pode nos levar a rejeitar uma vida que não se ajusta a nossos padrões e que, portanto, não vale a pena ser vivida. Pois o que amamos em nosso amor-próprio são os eus apropriados para serem amados. O que amamos é o estado, ou a esperança, de sermos amados. De sermos objetos dignos do amor, sermos reconhecidos como tais e recebermos a prova desse reconhecimento. Em suma: para termos amor-próprio, precisamos ser amados. A recusa do amor – a negação do status de objeto digno do amor – alimenta a autoaversão (Grifos do Autor) (p. 100).

2.3. Materiais e métodos para uma pesquisa qualitativa da autolesão

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