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3. A “PRAÇA DOS EMOS”

3.1. Apresentação

Um dos locais que veio recebendo nova designação a partir do estilo de seus frequentadores, e tem intrigado pessoas que passam por perto, pelas avenidas que o cercam, é a Praça Portugal. Localizada numa das regiões mais valorizadas de Fortaleza, cercada de shoppings e edifícios, no começo desta década, ela era por vezes referida como um local de reunião dos emos, sobretudo para os leigos e

outsiders a este cenário. Embora fosse de fato um lugar na mira dos emos da cidade,

ideal para seus encontros, acabava por atrair indivíduos de outras “tribos”. Antes dessa ideia criada em torno do emo, até meados dos anos 2000, o local já era famoso por ser ponto de encontro da subcultura otaku e seus simpatizantes; jovens, a maior parte de classe média, reuniam-se pelo gosto comum por cultura japonesa, a fim de trocar desenhos e quadrinhos (respectivamente, animes e mangás japoneses), expandindo o otakismo em Fortaleza.

Com o tempo, apesar do intenso fluxo de veículos que dificulta o seu acesso – a Praça constitui praticamente uma rotatória para encontro de avenidas (ver Figura 7 e 10) – o lugar passou a ser apreciado pelos mais jovens, que vinham de vários bairros da cidade, sobretudo da periferia. Na realidade, a diversidade de outras

51 A presente seção é um esforço intelectual de ordenação e abstração a partir de diversos dados originários da própria experiência do pesquisador com seus informantes, inclusive através da Internet, bem como originário de outros recursos e materiais. Por isso, o que se verá aqui é o resultado do período de quase dois anos de pesquisa de campo, quando passo a me concentrar apenas por interações mediadas por computador ou celular, havendo outra parte desta pesquisa também distribuída nos outros capítulos, de acordo com a importância dos temas neles tratados.

“tribos” urbanas, a fama nas redes sociais, acabou por gerar um atrativo ainda maior. Diversidade atrai diversidade, porque as pessoas querem estar onde as pessoas estão – góticos, metaleiros, emos, apreciadores de rock alternativo ou simplesmente adolescentes desejosos de ares mais diversificados e “democráticos”, um ambiente mais aberto ou tolerante aos diferentes estilos, tipos de vestimentas e opções sexuais, um lugar para a “camaradagem da identidade compartilhada”. Apesar da diversidade, os emos eram a figura mais emblemática, era o que havia de mais recente em meados dos anos 2000 no Brasil e propagava-se entre os jovens com menos de 18 anos.

Assim, passado a fase otaku da Praça Portugal52, o ambiente iria ser um

amplificador de experiências múltiplas, concentrando-as. Muito álcool, drogas, namoro e muita gente vestida com roupas pretas, que de longe já despertava a atenção daqueles que transitam por seus arredores. Tornou-se um local ainda mais comentado e cheio de controvérsias, especialmente por que os emos, não apenas pelas enormes franjas que lhes cobriam os olhos, eram estigmatizados pelos demais como sendo uma tribo adolescente de bissexuais, excessivamente emotivos, depressivos, que tinham propensão a se cortar e a exaltar o suicídio. Para muitos daqueles alheios a este contexto de sociabilidade, sobretudo entre os mais adultos, a Praça Portugal era vista de uma forma por vezes bastante negativa, um local para “jovens pervertidos”, um lugar de promiscuidade, um lugar que “só dá emo”.

É na PP, como os jovens da cena apelidaram a Praça Portugal, que dou início à nova fase da pesquisa, indo em direção aos encontros da galera

underground53, ou “galera under”, como diria alguns insiders.

52 Importante lembrar que Praça de emos ou Praça de otakus são termos que estão mais ligados a estereótipos do que definições coerentes sobre o estilo dos jovens que frequentam o local. Quando se observa mais de perto, e se interage com eles, sabe-se que muitos ali sequer se vêem pertecentes a alguma tribo urbana. Estão ali apenas para compartilhar de experiências e diversão, mesmo que aparentemente suas roupas, para os leigos, insinuem que este ou aquele indivíduo seja, por exemplo, emo ou gótico.

53 Conforme discutido no capítulo anterior, a noção do que vem a ser underground é carregada de discussões, além de sua profundidade histórica, sendo, portanto, mais adequado tratar deste termo e das questões que suscita, sempre que oportuno, nos próximos capítulos. O que nos interessa mais nesta seção é como o termo aparece na fala dos informantes.

Figura 7. Vista aérea da Praça Portugal, Fortaleza, Brasil54

Fonte: Google Maps.

Inicialmente motivado por uma série de matérias e notícias de várias partes do mundo, acerca de uma suposta “onda emo suicida”, ou ainda, a “growing wave” da automutilação adolescente, adentro neste ambiente específico de interação e de práticas sociais, a partir de onde serei levado a conhecer outros lugares, inclusive virtuais, também relevantes como fontes de informações para o presente estudo.

Por se tratar de uma geração bastante conectada com as mídias eletrônicas, na medida em que me aproximo dos informantes, logo irei percebendo que o campo é atravessado pela interação on-line e por SMS de celular. O campo é também uma entidade virtual. Não é constituído, de forma simplista, por uma praça ou por uma rua, sobretudo quando lidamos com o universo da automutilação jovem do Tumblr, fenômeno este que cresceu em paralelo ao desenrolar desta investigação.

A conexão com o objeto passa tanto pela PP e demais lugares relevantes, como pela interação eletronicamente mediada, sendo este um elemento fundamental que envolveu todo o processo de pesquisa. O intuito do trabalho foi passar pela observação dos estilos, das sociabilidades e aspectos do comportamento e da

54 Praça Portugal e outros quatro espaços menores, triangulares, que chamo de “mini-praças”, também ocupados à noite, em menor número.

interação em direção às “narrativas de intimidade”. Estas são o locus onde residem muitos dos conflitos internos que os adolescentes guardam para si mesmos e que os levam a adotar determinadas condutas, inclusive a determinadas páginas e redes da Internet onde tais conflitos são expressos.

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