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3.5 ABORDAGEM SOCIOCULTURAL

3.5.1 Algumas convergências entre a abordagem sociocultural, pedagogia de

Para Paulo Freire, a educação por meio da pedagogia de projetos proporciona uma aprendizagem em que a participação dos educando é ativa, vivenciando e experimentando as situações-problema, bem como refletindo sobre as mesmas e tomando decisões diante das diferentes situações que se apresentam. Nesse contexto, o educador deverá resgatar as experiências do educando, auxiliando-o na identificação de problemas, nas reflexões sobre os mesmos e na concretização dessas reflexões em ações. A aprendizagem, então, passa a ser vista como um processo complexo, em que teoria e prática não estão dissociadas. Parte-se de um problema que surge e que conduz à investigação, à busca de informações, à construção de novos conceitos, à seleção de procedimentos adequados.

De acordo com Hernandez (1998) o professor foi compelido a assumir uma postura na qual a construção do conhecimento visa ao direito à cidadania e a construção da subjetividade do aprendente, a partir de sua experiência, sua história e os conhecimentos que traz consigo. E, conforme esse autor, a abordagem sociocultural converge com os pressupostos teóricos da pedagogia de projetos, tendo em vista que seu método pedagógico consolidou-se como referência da educação para a intervenção, para a transformação em consonância com o objetivo da pedagogia

moderna para a qual a prática educativa não é somente a transmissão conhecimento, mas proporcionar as condições necessárias para que o aluno absorva o conhecimento que lhe capacite para a tomada de decisão, ao comprometimento social e político, tendo em vista que esse educando é construtor de seu saber com o qual interage no plano social, afetivo e cognitivo.

É relevante o reconhecimento do valor da prática educativa como o elo por meio do qual o aprendente se aproxima dos objetos cognoscíveis em um processo de ensino e aprendizagem consolidado na crítica e reflexão. Fica evidente a possibilidade de que as orientações dos pressupostos da abordagem sociocultural e a fundamentação teórica da pedagogia de projetos se aproximam e convergem.

Para demonstrar esta relação, apresentamos uma sinopse das ideias que direcionam a práxis pedagógica de Freire. Os pressupostos da abordagem sociocultural listados abaixo tem a intenção de facilitar a relação entre estes e os da pedagogia de projetos:

1. aprender é a busca da curiosidade epistemológica;

2. aprendizagem envolve sujeitos da construção e reconstrução do saber; 3. respeito à autonomia, à dignidade e à identidade do educando;

4. educando como resultado de condições sociais, culturais , econômicas e históricas;

5. considerar a experiência prévia: leitura de mundo precede leitura de palavras; 6. a prática docente não existe sem a discente;

7. ninguém está no mundo, com o mundo e com os outros de forma neutra;

8. o trabalho do professor é com os alunos que fornecem a direção do processo educacional;

9. a noção de inconclusão do ser humano gera a educabilidade e a busca constante; 10. educar exige ética, estética, esperança, generosidade, competência, solidariedade e criticidade;

11. o saber deve ser vivido em sua concretude pelo educando;

12. desafios, metas e o incentivo à criatividade são propostos pelo educador.

Nogueira (2002) defende a importância do desenvolvimento de trabalho em sala de aula por meio de projetos, sobretudo aqueles interdisciplinares que têm desempenhado um papel importante na relação entre alunos e professores. O

trabalho com projetos registra e desenvolve, nos alunos, uma visão diferenciada do processo de ensino e aprendizagem e da escola, além de conter todos os pressupostos freireanos acima listados. Tais mudanças, é possível afirmar, ocorrem porque quando os alunos estão desenvolvendo atividades fundamentadas em projetos, colocam-se como sujeitos efetivamente ativos do seu próprio processo de aprendizagem. Sobre esse assunto, Freire sentencia:

Nesse tipo de trabalho, tanto educadores quanto educandos envoltos numa pesquisa, não serão mais os mesmos. Os resultados devem implicar em mais qualidade de vida, devem ser indicativos de mais cidadania, de mais participação nas decisões da vida cotidiana e da vida social. Devem enfim alimentar o sonho possível e a utopia necessária para uma nova lógica de vida (FREIRE, 1996, p. 25).

Aproximando e relacionando a abordagem sociocultural com os pressupostos da abordagem CTSA é possível constatar, sobretudo, a busca pela participação e pela democratização das decisões em temas sociais envolvendo ciência e tecnologia. Essa informação têm suporte nas assertivas listadas abaixo sobre a necessidade de problematização das mesmas e de acordo com os autores:

Assim, para uma leitura crítica do mundo contemporâneo, potencializando para ações no sentido de sua transformação, considera- se fundamental a problematização (categoria freireana) de construções históricas realizadas sobre a atividade científica- tecnológica, consideradas pouco consistentes, como as indicadas abaixo (AULER; DELIZOICOV, 2006, p. 4):

1) Superação do modelo de decisões tecnocráticas. A suposta superioridade do modelo de decisões tecnocráticas é alicerçada na crença da possibilidade de neutralizar/eliminar o sujeito do processo científico- tecnológico. O especialista ou técnico pode solucionar os problemas, inclusive os sociais, de um modo eficiente e ideologicamente neutro, como forma de eliminar conflitos ideológicos ou de interesse. Considera- se que tal compreensão não contribui para a democratização de processos decisórios;

2) Superação da perspectiva salvacionista e redentora atribuída à Ciência- Tecnologia. Há uma compreensão de que a Ciência e a Tecnologia resolverão os problemas e conduzirão a humanidade ao bem-estar social. Essa proposição ignora as relações sociais em que a Ciência e a Tecnologia são concebidas e utilizadas; 3) Superação do determinismo tecnológico. A mudança tecnológica é a causa da mudança social, e a inovação tecnológica aparece como o fator principal da mudança social. A tecnologia é autônoma e independente das influências sociais.

Estas três construções históricas suscitadas por Auler e Delizoicov (2006) são essenciais para a formação do sujeito que deverá apto a pensar criticamente sobre os mais variados temas que permeiam nosso cotidiano, sobretudo, sua relação com a ciência e tecnologia.

A relação da pedagogia de Paulo Freire com a matriz CTSA está exposta em diversas vertentes, notadamente nos temas geradores e na relação temática. Santos (2008), entretanto, considera que são originalmente distintos em sua origem os temas geradores de Freire e os temas da Educação CTSA. Para Santos, enquanto Freire se concentra em uma visão humanística para as condições existenciais, a CTSA, na sua visão clássica, está centrada nas questões ambientais e no desenvolvimento da capacidade de participação, em todos os níveis socioeconômicos, das decisões sobre assuntos científico-tecnológicos.

Santos (2007) afirma que as contribuições de Paulo Freire ajudam a direcionar aspectos relativos ao debate dos temas que serão priorizados no currículo, bem como a problematização social do mesmo, já que para Freire, o tema se origina nas relações dos homens com o mundo.

Uma proposta de CTSA na perspectiva humanística freireana busca uma educação que não se restrinja ao uso e não uso de aparatos tecnológicos, nem a forma com que a tecnologia é usada. “Não se trata de uma educação contra o uso da tecnologia e nem uma educação para o uso, mas uma educação em que os alunos possam refletir sobre a sua condição no mundo frente aos desafios postos pela ciência e tecnologia” (SANTOS, 2007, p.122).

Diante das discussões e afirmações acima, é possível inferir que a aproximação existente entre a pedagogia de projetos, a abordagem sociocultural e a abordagem CTSA convergem, no sentido de complementarem-se, tendo em vista que a abordagem sociocultural confere uma visão humanística aos projetos, sobretudo naqueles de abordagem CTSA.