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No corpo do texto são adotadas algumas terminologias que expressam o posicionamento teórico do pesquisador que está apoiado nas abordagens feministas assumidas no estudo. A palavra “prostituição” demarca um tipo de prática secular que, obviamente, não é uma noção fixa ou uma representação simbólica estática dentro de uma perspectiva histórico-cultural. Trata-se de uma atuação performática que parece demarcar no campo da sexualidade diferentes tipos de relações que não podem ser abarcadas em um único conceito.

Existe uma diversidade de termos utilizados pelo senso comum (e não apenas por ele), para se referir às prostitutas e à prostituição que é considerada erroneamente como sendo a profissão mais antiga do mundo. Afirmar que a

18 A despeito dos diferentes termos utilizados para designar as mulheres que prestam serviços sexuais comerciais, como em alguns estudos revisados durante a revisão bibliográfica, optamos por utilizar as categorias êmicas adotadas pelos sujeitos das pesquisas.

64 prostituição é a mais antiga das profissões corresponde, por um lado, a uma forma de naturalização da atividade que nega a complexidade que a questão exige (PEDRO, 2010). Por outro, tal asserção corresponde à ideia que “‘as mulheres sempre foram dominadas pelos homens’, proposições construídas pelas representações sociais binárias e hierarquizadas dos historiadores, destituídas de fundamento” (SWAIN, 2004, p. 25).

Na literatura revisada por nós, constatamos uma infinidade de termos utilizados para nomear as mulheres que prestam serviços sexuais, a saber: cortesãs, cocotes, demi-mondaines, mulheres públicas, mulher da vida, mulher fácil, polacas19, moças amáveis, chinas, chinocas, escandalosas, marafonas, quengas, putas, vagabundas, dentre outros. De acordo com Pedro (2010), “estes nomes estiveram ligados a políticas específicas, que ora reivindicavam estes serviços como necessários e precisavam ser regulamentados, ora pretendiam proibir completamente, expulsando as mulheres das ruas, fechando bordéis, prendendo cafetões e cafetinas” (PEDRO, 2010, p.11).

Quanto às modalidades de prostituição que caracterizam o trabalho sexual, a literatura sobre o tema apresenta diferentes categorizações conforme o lugar, os serviços oferecidos e os agentes envolvidos na prostituição, são elas: a prostituição de rua, nomeado como trottoir; a prostituição praticada em locais fechados como, por exemplo, em boates, clubes masculinos, casas de massagem e saunas; a exercida por meio de anúncios na seção de classificados de jornais e de sites de internet especializados; e aquela que acontece em bares de prostituição, objeto deste estudo.

Levando em consideração tais aspectos, situo aqui as escolhas e as definições de alguns termos que são recorrentes no estudo: profissional do sexo, prostituta, garota de programa, prostituição voluntária, frequentador e cliente.

O reconhecimento da prostituição como uma atividade ocupacional pela Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) aconteceu somente em 2002. As atividades inerentes à prostituição passaram, portanto, a ser descritas e organizadas pelo código de número 5198-05/2002 que se refere à família

19 No Rio de Janeiro dos inícios das décadas de 20 e 30 do século passado, as estatísticas registravam a grande maioria das meretrizes francesas e polacas, entretanto, conforme aponta Rago (1991), “é preciso lembrar que a expressão polaca, bastante difusa, não recobria as mesmas significações no país como um todo” (RAGO, 1991, p. 292).

65 “profissional do sexo”. Tal terminologia foi adotada pela CBO para abranger um domínio mais amplo de atividades semelhantes, que foram encontradas entre as categorias autoidentificadas como parte integrante do segmento da prostituição.

As discussões que antecederam a inclusão dessa ocupação profissional na CBO partiram da compreensão da prostituição como trabalho, cuja articulação foi promovida pelo movimento de prostitutas20 organizadas em associações que, em conjunto com o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), promoveram o debate no âmbito nacional. De modo que, a caracterização das atividades descritas na família profissionais do sexo contou com a participação de homens e mulheres que descreveram as atividades específicas de suas profissões, as denominações utilizadas, os locais e o segmento de atuação profissional.

Tais aspectos foram considerados na elaboração das categorias que compõem os profissionais do sexo, que são descritos como indivíduos que trabalham por conta própria, em locais diversos e horários irregulares (CBO/2010). Entre as categorias de profissionais do sexo estão classificadas as seguintes ocupações (CBO/2010): garota de programa, garoto de programa, meretriz, messalina, michê (homem que se prostitui), mulher da vida, prostituta; trabalhador do sexo (podendo ser homens e mulheres).

No entanto, tal classificação não pretende dar conta das relações de trabalho das categorias elencadas e, por este aspecto, se distingue da proposta de regulamentação dessa categorial ocupacional que carece de proteção jurídica. Isto é, embora a CBO/2002 retrate e reconheça a realidade do mercado de trabalho brasileiro identificando a categoria dos profissionais do sexo com suas atribuições, tal ordenamento jurídico não regulamenta as relações de trabalho.

Enfatizo que o termo “profissional do sexo” é definido como uma categoria ocupacional ampla que agrega mulheres e homens que se prostituem, portanto é referenciado no estudo como sinônimo de prostituta apenas quando discuto questões relativas à regulamentação e ao reconhecimento da prostituição enquanto trabalho. Adoto tal postura por entender que esta é a nominação

20De acordo com o que consta na CBO 5198-05/2010, participara das discussões as instituições: Associação de Mulheres Profissionais do Sexo da Bahia (Asproba); Grupo da Davida - Prostituição, Direitos Civis, Saúde (Rio de Janeiro); Grupo de Apoio à Prevenção da AIDS (Gapa- Mg); Grupo de Mulheres Prostitutas do Estado do Pará (Gempac); Igualdade - Associação de Travestis e Transexuais do Rio Grande do Sul e Núcleo de Estudos da Prostituição de Porto Alegre (NEP).

66 politicamente correta utilizada em documentos de Organizações Não Governamentais (ONGs) que trabalham com essa população, especialmente em projetos específicos como palestras e debates (PASINI, 2005). Desse modo, por vezes é utilizado o termo profissional do sexo como sinônimo de prostituta objetivando, portanto, referir à mulher prostituta como uma trabalhadora.

Embora sejam muitos os termos utilizados para se referir às mulheres que comercializam serviços de natureza sexual, faço a opção prioritária pelo termo “prostituta” considerando que o foco do presente estudo é na modalidade exercida por mulheres. Cabe ressaltar que o termo “prostituição” é empregado, aqui, para nomear a troca voluntária de serviços de natureza sexual por mulheres adultas mediante um acordo prévio com os clientes acerca do tempo, da modalidade dos serviços a serem prestados e com remuneração acordada.

A categoria “garota de programa” ou “garota” é utilizada para fazer alusão à autodefinição adotada por parte significativa das entrevistadas e também às formas como elas são nominadas pelos clientes, frequentadores e proprietários/as dos estabelecimentos. Trata-se de uma categoria empírica que parece iluminar uma singularidade encontrada em outros locais de prostituição. Entretanto esta forma de nominação é adotada pelas mulheres entrevistadas como um eufemismo em detrimento da categoria prostituta, que é considerada por elas pejorativa e permeada de representações negativas que reforçam o preconceito social.

Emprego o termo “prostituição voluntária” em consonância com algumas perspectivas feministas que estão alinhadas às organizações apoiadoras dos diretos dos trabalhadores sexuais. São perspectivas que consideram a prostituição de adultos como um trabalho legítimo e adotam tal noção para diferenciar as práticas sexuais consensuais das forçadas e da exploração sexual infantil (PISCITELLI, 2004). Assim, a Organização das Nações Unidas (ONU) passam a marcar em seus documentos desde os anos 1980 a diferença entre prostituição voluntária e prostituição forçada (DOEZEMA, 1998).

O termo “cliente” – categoria empírica – que uso de maneira livre na descrição dos espaços de sociabilidades masculinas deve ser diferenciando do “frequentador”. A pesquisa de campo evidenciou por meio das observações diretas e das conversas informais, que nem sempre os homens vão aos bares de

67 prostituição exclusivamente em busca de sexo. Mas em relação às expectativas das mulheres, todos os frequentadores são clientes em potencial que merecem investimentos em termos de performances que resultem em programa sexual e consumação nos estabelecimentos.

O cliente é construído, em geral, a partir da perspectiva dos vínculos estabelecidos nos locais de trabalho dos homens – especialmente quando se trata de operários das UHEs e trabalhadores do porto hidroviário de Porto Velho – que são estreitados nos bares de prostituição onde se encontram para beber, conversar, escutar música, jogar, olhar e interagir com as mulheres. Com frequência, eles vão aos bares em grupo com o objetivo de compartilhar momentos de entretenimento com os amigos, especialmente nos finais de semana e em períodos de pagamento dos salários, ocasiões nas quais ostentam sobre as mesas garrafas de uísques, bebidas energéticas, entre outros símbolos de status.

Em geral, são homens que têm presença assídua nos bregas e transpõem os limites das relações estritamente comerciais com as mulheres e donos dos estabelecimentos, alcançando a posição de “amigos da casa” ou “amigos das meninas”. A posição social deles no estabelecimento não os isenta de darem às mulheres gratificações em dinheiro em retribuição à companhia para beber, conversar e jogar sinuca, quando o programa não acontece. Comumente, esses homens ao estabelecerem contratos sexuais buscam fazê-lo com parceiras sexuais fixas sem que isso configure, pelo menos por parte das mulheres, relacionamentos estáveis.

O “frequentador” é constituído, por aquele homem, que age em relação às expectativas das mulheres (conversar, flertar e pagar bebida), mas que necessariamente não contrata os serviços sexuais, sendo revelado por suas ações podendo, em algum momento, estar também na posição de cliente. Tal categoria parece indicar a condição de homens que se dirigem aos bares com frequência não objetivando realizar encontros sexuais com as prostitutas, comumente querem beber, conversar, se distrair e/ou jogar uma partida de sinuca no final do expediente de trabalho.

Tal comportamento não confirma a condição assídua de cliente de serviços sexuais. Segundo as mulheres, o cliente se conhece logo que ele chega

68 ao “bar” porque geralmente “são homens das firmas, vêm em grupo e já vão logo ostentando”, ou seja, para elas são homens que consomem serviços de natureza sexual e são generosos com as mulheres. Isto indica que o termo cliente adotado em diferentes estudos sobre trabalho sexual, é insuficiente para categorizar os homens que se encontram em locais de prostituição, conforme também indica a pesquisa de Pasini (2005).

A noção de “mercado do sexo” tem sido utilizada referindo “ao vasto terreno dos intercâmbios materiais e simbólicos mediante os quais se organiza o social”, englobando “intercâmbios caracterizados como ‘comércio’, mas também outras trocas que não são, assim concebidas e podem, até, ser pensadas como dádivas” (PISCITELLI, 2016, p. 4). Tais abordagens vêm trabalhando a articulação entre a noção de gênero e outras categorias, como, classe, idade, raça, religião e nacionalidade, considerando tanto as posições sociais desiguais dos parceiros afetivo-sexuais quanto a agência presente nos diferentes intercâmbios.