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A estratégia metodológica da pesquisa está apoiada em procedimentos que privilegiam a abordagem do tipo qualitativa – com o uso da observação (com o registro em diário de campo) e da aplicação de “entrevistas em profundidade” às profissionais do sexo –, em consonância com a descrição etnográfica do campo estudado. A possibilidade de ampliar o entendimento do objeto investigado (a partir da interação entre pesquisador e entrevistadas) associada à natureza do problema da pesquisa foi o fator determinante para a escolha da abordagem do tipo qualitativa privilegiada pela entrevista em profundidade, adotada enquanto uma eficiente técnica de coleta de dados.

Para Ludke (1986), a pesquisa qualitativa tem o ambiente natural como a sua fonte de dados e o pesquisador como seu principal instrumento; os dados observáveis são predominantemente descritivos e focalizam a realidade de forma complexa e contextualizada. Nesse sentido, a observação, “enquanto prática de pesquisa das ciências sociais, estendida ao domínio da pesquisa qualitativa” (JACCOUND e MAYER, 2012, p. 254), não esteve limitada às ações das mulheres participantes do estudo; não desprezei as performances sensuais (rituais de interação) que ocorrem nesses estabelecimentos e que, muitas vezes, estão associados à ostentação de símbolos de status e ao consumo de bebidas que antecipam os intercâmbios econômicos, sexuais e afetivos.

Nesse procedimento, fiz uso de elementos desenvolvidos pelo interacionismo simbólico e, sobretudo, da noção de interação de Simmel (2006a), referência para o desenvolvimento da perspectiva interacionista, e de Goffman (2013) cujos recortes analíticos – baseados na perspectiva dramatúrgica –

49 privilegiam a observação dos comportamentos, considerando que os mesmos localizam os indivíduos socialmente. A perspectiva dramatúrgica de Goffman oferece à sociologia uma interpretação alternativa do papel do espaço físico nas relações sociais.

Norteado pela abordagem qualitativa, concordo com Ludke (1986) ao defender que a experiência direta com objeto é sem dúvida o melhor teste de verificação da ocorrência de um determinado fenômeno, bem como a observação como técnica de coleta de dados é extremamente útil para “descobrir” aspectos novos de um problema. Tal método proporciona o contato estreito do pesquisador com a situação onde ocorrem os fenômenos (impossível de se alcançar na abordagem quantitativa), bem como “as circunstâncias particulares em que um determinado objeto se insere são essenciais para que se possa entendê-los. Da mesma maneira, as pessoas, os gestos, as palavras estudadas devem ser sempre referenciadas ao contexto onde aparecem” (LUDKE, 1986, p. 12). Desse modo, na tentativa de descobrir aspectos novos do problema da pesquisa, buscou-se consonância entre o caráter qualitativo da pesquisa e as técnicas de coleta de dados assumindo a seguinte perspectiva:

A observação direta permite também que o observador chegue mais perto da ‘perspectiva dos sujeitos’, um importante alvo nas abordagens qualitativas. Na medida em que o observador acompanha in loco as experiências diárias dos sujeitos, pode tentar apreender a sua visão de mundo, isto é, o significado que eles atribuem à realidade que os cerca e às suas próprias ações (LUDKE, 1986, p. 26).

Do mesmo modo, sem se sobrepor às demais técnicas de coleta de dados adotadas, a “entrevista em profundidade” foi utilizada como uma técnica que buscou aprofundar a inteligibilidade do objeto investigado em razão de sua flexibilidade, possibilidades de aprofundamento de determinadas questões e das condições favoráveis de interatividade com as entrevistadas. Nesse sentido, essa técnica de coleta de dados prestou-se, principalmente, à exploração do ponto de vista das entrevistadas inseridas nos contextos de investigação trazendo elementos não perceptíveis através das observações, não obstante essenciais à compreensão do problema de pesquisa.

50 De acordo com Gaskell (2002), a entrevista é o ponto de partida para o pesquisador começar a estabelecer esquemas interpretativos da realidade – ou utilizando a terminologia adotada pelo autor, do “mundo da vida dos respondentes”, de seu objeto de pesquisa em investigação. De fato, a adoção da entrevista, como técnica de coleta de dados, articulada a observação teve como objetivo fornecer ao pesquisador os dados para a compreensão das relações entre os atores sociais e o mundo do qual fazem parte. Flick (2009) justifica o uso da entrevista aberta (em profundidade) o qual está associado à expectativa de que é mais provável que os pontos de vistas dos entrevistados sejam expressos em uma situação de entrevista não estruturada do que propriamente em entrevistas padronizadas ou fechadas.

Nesse particular, concordo com os autores ao afirmarem que a entrevista, como técnica de coleta de dados em uma pesquisa qualitativa, tem como objetivo fornecer ao pesquisador os dados para a compreensão das relações entre os atores sociais e o mundo do qual fazem parte. Nesse sentido, utilizar a entrevista do tipo qualitativa para a coleta dos dados da pesquisa possibilitou explorar as experiências, as motivações e as percepções das entrevistadas sobre questões específicas à prostituição.

Verifica-se, conforme os argumentos de Poupart (2008), que há uma ambiguidade ligada ao uso dessa técnica de coleta de dados qualitativos, a qual, por um lado, se constitui como uma porta de acesso às realidades sociais e, por outro, essas realidades sociais não se deixam facilmente apreender. Não ignoro (e busco manter certa vigilância epistemológica) que o “mundo da vida” dos sujeitos da pesquisa acessado através da entrevista em profundidade, poderia estar sendo narrado através de um jogo de simulação influenciado pelas interações sociais que as condições das entrevistas implicavam.

Aqui considerei que a visão do pesquisador acerca do fenômeno em investigação poderia influenciar os sujeitos da pesquisa, articulada às relações de poder econômico e cultural, assim como o jogo complexo das múltiplas interpretações produzidas pelos discursos.

Na linha da observação direta, a minha inserção etnográfica foi iniciada seguindo a trilha de Cardoso de Oliveira (2000, p. 17), cuja compreensão é de que a especificidade do trabalho antropológico em nada é incompatível com o

51 conduzido por pesquisadores de outras disciplinas sociais, particularmente quando, na prática de seu ofício, “articulam a pesquisa empírica com a interpretação de seus resultados”. Utilizei, portanto, o método etnográfico na fase inicial das atividades de campo paralelo à observação direta. Tal procedimento implicou não somente em observar as práticas e ouvir discursos cotidianos nos espaços onde ocorrem as interações entre prostitutas e clientes, como também descrever comportamentos, lugares, inventariar objetos e símbolos para compreender a intenção que comunicavam.

De modo que, tomei como ponto de partida os três momentos (ou etapas de apreensão dos fenômenos sociais) estratégias – o olhar, o ouvir e o escrever, enquanto unidade irredutível e possível através interação – do métier do antropólogo (sem a pretensão de querer sê-lo), porém intentando, de fato, alcançar maior eficácia através desse exercício de reflexão epistemológica, o qual, conforme situa Cardoso de Oliveira (2000, p. 17): “poderiam chamar as principais ‘faculdades do entendimento’ sociocultural que, acredito, sejam inerentes ao modo de conhecer das ciências sociais”.

De acordo com Cardoso de Oliveira (2000), enquanto “o olhar” etnográfico (a domesticação teórica) e o ouvir (espaço semântico dialógico) cumprem a sua função básica na pesquisa empírica, “o escrever” – enquanto parte integrante dos três “atos cognitivos” – textualiza a realidade social, se tornando o momento considerado o mais fecundo da interpretação. Tais faculdades do entendimento assumem – conforme indica esta perspectiva teórico-metodológica – um caráter constitutivo na formação do conhecimento próprio das ciências sociais onde o pesquisador se detém, sobremaneira, as questões epistemológicas que condicionam a investigação empírica (no exercício da pesquisa) tanto quanto a construção do texto (na produção do conhecimento).

Na acepção desse antropólogo – descrevendo a importância do “olhar” –, seja qual for o objeto de investigação, ele não escapará de ser apreendido pelo olhar do cientista social – treinado pelo esquema conceitual da disciplina formadora de sua maneira de ver a realidade social. Nesse procedimento, o pesquisador valer-se-á, preliminarmente, de outras fontes de dados que lhes possibilitarão a apreensão da estrutura das relações sociais observadas. É nessa etapa que o cientista social (“devidamente sensibilizado pela teoria disponível”),

52 olhará para o objeto de investigação previamente construído, e o confrontará com as suas observações. Desse modo, o objeto de investigação será alterado já em sua primeira percepção.

No segundo ato cognitivo, “o ouvir”, – que é apontado pelo antropólogo como indissociável do anterior –, ocorrerá a apreensão dos fenômenos sociais. Nessa direção, o cientista social buscará acessar as “informações não alcançáveis pela estrita observação” (CARDOSO DE OLIVEIRA, 2000, p. 22). Conforme propõe, intuir-se-á um espaço semântico partilhado por ambos os sujeitos, no qual, o informante será transformado em “interlocutor”. Ele justifica tal procedimento apontado que a relação pesquisador/informante é permeada por uma relação de poder – subjacente às relações sociais –, que empobrece o ato cognitivo por criar um campo ilusório de interação. Assim, o cientista social deverá dar lugar às condições de diálogo que possibilitem a interação pesquisador/interlocutor, “de maneira a transformar tal confronto em um verdadeiro ‘encontro etnográfico’" (2000, p. 24).

Na terceira etapa de apreensão do fenômeno – de acordo com a perspectiva do autor, após ter se tornado um “observador participante” do discurso de seus interlocutores – o cientista social (ou etnógrafo) estará preparado para transcrever suas análises para o “idioma da disciplina”. Nos dizeres de Cardoso de Oliveira (2000, p. 32), “o ato de escrever é simultâneo ao ato de pensar”, pois é durante o processo de escrita do texto que o pensamento do pesquisador “caminha, encontrando soluções que dificilmente aparecerão antes da textualização dos dados provenientes da observação sistemática”.

Nesse sentido, ele afirma que esse procedimento cognitivo trata-se da textualização dos fenômenos socioculturais – vistos e ouvidos – para comunicá- los a seus pares fazendo uso de um “discurso disciplinado”. De minha parte, portanto, assumi aqui o “olhar” e “o ouvir” pensados pela perspectiva apresentada a pouco, enquanto etapas de indissociáveis da configuração da pesquisa, e “o escrever” como um ato cognitivo concomitante à produção do conhecimento que a Tese pretendeu comunicar apoiada, especialmente, na pesquisa empírica de caráter qualitativo.

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