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Algumas das “regras do jogo” da Lebre: políticas sociais RMG/RSI, PER e Escolaridade Obrigatória

Capítulo 2 Definição da problemática do estudo

2.5. Algumas das “regras do jogo” da Lebre: políticas sociais RMG/RSI, PER e Escolaridade Obrigatória

Entre o universalismo antidiferencialista que opera pela negação das diferenças e o universalismo diferencialista que opera pela absolutização das diferenças existe um novo imperativo: “temos o direito a ser iguais sempre que a diferença nos inferioriza e a ser diferentes sempre que a igualdade nos descaracteriza” (Santos, 1996).

Face à Constituição da República Portuguesa, as políticas sociais86 são concebidas como acções destinadas a realizar ou a satisfazer os direitos dos cidadãos (tanto de natureza cívica como de natureza económica).

Escolheram-se apenas três dos direitos sociais assegurados pela Constituição Portuguesa, implementados nas últimas três décadas87, no âmbito da habitação, da segurança social (consubstanciando-se no serviço nacional de saúde, na organização nacional do emprego e no sistema de segurança social – definido como sendo universal, unificado, uniforme e centralizado) e da educação, enformando “a problemática pós- moderna da compatibilização dos direitos sociais e dos direitos universais” (Branco, 2003).

Não se pretendendo estudar as medidas sociais em si, apresentam-se apenas alguns dados susceptíveis de esclarecer a sua introdução cronológica no tempo útil de contemporaneidade dos entrevistados e da investigadora. Com a indagação feita às pessoas ciganas entrevistadas, pretende-se perceber o alcance destas medidas sociais no seio da sua organização social quotidiana.

86 Nomeadamente, serão os direitos e deveres económicos, sociais e culturais,salientando-se: Artigo 63.º -

Segurança social e solidariedade; Artigo 64.º- Saúde; Artigo 65.º - Habitação e urbanismo; Artigo 6º - Ambiente e qualidade de vida; Artigo 67.º - Família; Artigo 73.º - Educação, cultura e ciência; Artigo 81.º - Incumbências prioritárias do Estado; Incumbe prioritariamente ao Estado no âmbito económico e social: a) Promover o aumento do bem-estar social e económico e da qualidade de vida das pessoas, em especial das mais desfavorecidas, no quadro de uma estratégia de desenvolvimento sustentável.

87 Olga Magano (2007b:4 citando Gonçalves,1995) refere que, apesar de Portugal, em 1957, ter atribuído

o direito de cidadania aos ciganos, tornando obrigatória a sedentarização, a matrícula nas escolas e o serviço militar, salienta que, embora os processos de sedentarização se tenham iniciado há muito, aceleraram-se significativamente com a atribuição da cidadania portuguesa e a revolução democrática do 25 de Abril de 1974, tendo sido, a partir de então, abertas novas perspectivas em termos de direitos sociais e políticos, obrigando o Estado Português e as autarquias a tomarem medidas de realojamentos para a integração dos ciganos portugueses (p. 6).

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O realojamento e habitação social

De acordo com o Artigo 65º (Habitação e urbanismo) da Constituição da República Portuguesa “Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar”, salienta-se a alínea b) em que o Estado, em conjunto com as autarquias locais, deveria promover habitações económicas e sociais, e na alínea c) o Estado deveria adoptar uma política de renda compatível com os rendimentos familiares e de acesso à habitação própria, colmatando a inacessibilidade das pessoas ciganas pobres e sem residência fixa terem acesso a financiamento bancário (Castro, 2007:72)88.

De acordo com o estudo de Isabel Guerra (2008: 65) identificam-se 4 programas de habitação / realojamento pós 25 de Abril de 1974:

Decreto-Lei 226/1987 de 6 de Junho

Acordos de colaboração com os municípios, em articulação com o Decreto-Lei 110/85 de 17/4, para programas municipais de realojamento social (para áreas não abrangidas pelo PER).

Decreto-Lei 163/1993 de 7 de Maio

Na sequência do primeiro Programa de Luta contra a Pobreza em 1991, surge o Decreto-Lei 183/92 de 22/4 e o Decreto-Lei 163/93 de 7/5 que criou o PER-Programa Especial de Realojamento (alterado pelo Decreto- Lei 93/95 de 9/5, pela Lei 34/96 de 29/ e pelo Decreto-Lei 1/2001 de 4/1), com vista à erradicação das barracas existentes nos municípios das áreas metropolitanas de Lisboa e Porto.

Decreto-Lei 79/1996 de 20 de Junho

O PER Família surge em 1996. Dez anos depois, surge o Decreto-Lei 271/2003 que articula o PER e o PER Família.

Decreto-Lei 135/2004 de 3 de Junho

Actualmente, o PROHABITA pretende substituir os PER.

O Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado (IGAPHE) e o Instituto Nacional de Habitação (INH), actual Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IRHU) que integra os anteriores mais a Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (DGEMN).

Geralmente, as habitações são atribuídas segundo critérios de adequação da tipologia dos fogos à dimensão do agregado, evitando-se sempre que possível, a sub ou sobre ocupação das mesmas. Não é permitida qualquer discriminação em função do género, da etnia, da confissão religiosa ou da convicção política dos candidatos. Por “agregado familiar”, entenda-se o conjunto de pessoas constituído pelo requerente da medida, pelo cônjuge ou pessoa que com aquele viva há mais de dois anos em condições análogas, designadamente em união de facto, pelos parentes ou afins em linha recta ou até ao 3º grau da linha colateral, bem como pelas pessoas relativamente às quais, por força de lei

88 De acordo com o estudo de Alexandra Castro (2007), estimam-se ser 34 mil indivíduos ciganos, dos

quais 6516 ainda vivem em condições habitacionais precárias, seja fixas ou móveis, correspondendo a 19,2% face ao número total de 33940 ciganos cujo estudo conseguiu apurar.

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ou de negócio jurídico que não respeite directamente à habitação, haja obrigação de convivência ou de alimentos e ainda outras pessoas que vivam em coabitação com o requerente, devidamente fundamentada e comprovada. Por “dependentes”, entenda-se elementos do agregado familiar com menos de 25 anos que não tenham rendimentos e que, mesmo sendo maiores, possuam, comprovadamente, qualquer tipo de incapacidade permanente ou sejam considerados inaptos para o trabalho ou para angariar meios de subsistência. Os candidatos devem residir com os seus agregados familiares no Município há mais de um determinado número de anos em locais que não reúnam requisitos mínimos de segurança e salubridade ou em condições de sobre ocupação. Em caso de empate, a selecção respeita a lista de acordo com as seguintes prioridade: a) agregado com rendimento per capita inferior; b) número de elementos no agregado com idade igual ou superior a 65 anos; c) número de deficientes no agregado; d) número de dependentes no agregado; e) data de entrada comprovada pelo registo do formulário no sistema de gestão documental da Autarquia.89

O Rendimento Mínimo Garantido ou Rendimento Social de Inserção

De acordo com Isabel Baptista e Jorge Cabrita (2009), o RMG/RSI, introduzido em 1996, “é constituído por uma componente monetária (a prestação pecuniária), sendo um direito universal, transitório e estruturado em volta de critérios estabelecidos, e por um programa de inserção baseado num contrato entre beneficiários e o programa, em que ambas as partes aceitam levar a cabo um conjunto de acções necessárias para a integração social, profissional e comunitária gradual da família. Destina-se a pessoas e famílias em situação de grave carência económica, por exemplo quando o rendimento individual é inferior ao valor da Pensão Social [que, em 2009, era de 187,18€/mês]90 não contributiva ou quando o rendimento per capita do agregado familiar é inferior a

89 Síntese elaborada depois de consultados, aleatoriamente, alguns regulamentos municipais via internet, a

que todos podem ter acesso.

90 O valor pecuniário estipula-se do seguinte modo: 100% do Valor da Pensão Social (VPS) até 2 adultos;

70% do VPS para cada adulto a partir do 3º adulto; 50% do VPS por cada menor até2; 60% do VPS por cada menor a partir do 3º. O montante é acrescido no caso de gravidez, deficiências, doença crónica, idosos dependentes e uma eventual ajuda à renda da habitação (até 25%). O montante médio, a nível nacional, da prestação por agregado familiar era de 218,96€ por mês e 80,14€ por beneficiário em 2007. Nesse ano, 40% dos beneficiários eram jovens dos 0 aos 18 anos.

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este limiar” (Baptista; Cabrita, 2009:3). O programa de inserção varia consoante as necessidades e características dos beneficiários, mas estes devem comprometer-se a cumprir algumas obrigações, que pode incluir: “a) aceitar trabalho ou formação profissional; b) frequentar o sistema educativo; c) participar em programas de ocupação de carácter temporário que favoreçam a inserção no mercado de trabalho ou satisfaçam necessidades sociais ou ambientais e que normalmente não seriam desenvolvidas no âmbito do trabalho organizado; d) aceitar a melhoria das condições de habitação; e) aceitar um apoio paralelo e complementar para a família (apoio psicossocial); f) aceitar cuidados de saúde e participar em acções de prevenção na área da saúde, especialmente para crianças.” O conceito de inserção subjacente a esta medida social está associado à multidimensionalidade do conceito de exclusão social, em que a pessoa pode ser privada não só dos recursos económicos, mas também dos direitos fundamentais de educação, saúde, habitação e trabalho remunerado.

Lei n.º 19-A/96 de 29 de Junho

Cria o rendimento mínimo garantido, instituindo uma prestação do regime não contributivo da segurança social e um programa de inserção social.

O rendimento mínimo é um montante indexado ao valor legalmente fixado para a pensão social do regime não contributivo de segurança social e calculado por referência à composição dos agregados familiares.

A prestação de rendimento mínimo é uma atribuição pecuniária, de carácter temporário, variável em função do rendimento e da composição dos agregados familiares dos requerentes e calculada por referência ao valor fixado como rendimento mínimo.

O programa de inserção é um conjunto articulado e coerente de acções faseadas no tempo, estabelecido entre os núcleos executivos das comissões locais de acompanhamento (CLA) e os titulares do direito à prestação do rendimento mínimo e membros dos respectivos agregados familiares, no respeito pelos princípios definidos pelo Ministério do Trabalho e da Solidariedade, construído de forma adequada às respectivas situações e tendo em conta os diversos aspectos objectivos e subjectivos que interferem nos processos de participação activa na vida em sociedade, com vista a criar condições facilitadoras do acesso à autonomia social e económica dessas pessoas.

O menor em situação de autonomia económica refere-se à situação de um indivíduo com idade inferior a 18 anos que não esteja na efectiva dependência económica de outrem a quem incumba, legalmente, obrigação alimentar, nem se encontre em instituição, oficial ou particular, ou em situação de colocação familiar.

A dispensa de disponibilidade activa para a inserção profissional - procedimento aplicável a quem tenha uma situação pessoal ou familiar que implique, transitória ou definitivamente, que o processo de inserção social possa concretizar-se sem a inserção profissional.

Decreto-Lei n.º 196/97 de 31 de Julho

Regulamenta a Lei n.º 19-A/96, de 29 de Junho, que criou o rendimento mínimo garantido.

Decreto-Lei nº 84/2000 de11-de Maio

Regulamentação da Lei do Rendimento Mínimo Garantido Lei n.º 13/2003 de 21

de Maio

Revoga o Rendimento Mínimo Garantido e cria o Rendimento Social de Inserção. A prestação do rendimento social de inserção assume natureza

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pecuniária e possui carácter transitório, sendo variável o respectivo montante. O programa de inserção do rendimento social de inserção é constituído por um conjunto de acções destinadas à gradual integração social dos titulares desta medida, bem como dos membros do seu agregado familiar.

Decreto-Lei 283/2003 de 8 de Novembro

Regulamenta o Rendimento Social de Inserção Lei 45/2005 de 29 de

Agosto

Primeira alteração à Lei 13/2003, de 21 de Maio, que revoga o rendimento mínimo garantido, previsto na Lei 19-A/96, de 29 de Junho, e cria o rendimento social de inserção

Decreto-Lei n.º 42/2006 de 23 de Fevereiro

Altera o Decreto-Lei n.º 283/2003, de 8 de Novembro, que regulamenta a Lei n.º 13/2003, de 21 de Maio, nos termos da qual foi criado o rendimento social de inserção.

Fonte: site do Instituto de Desenvolvimento Social, da Segurança Social. (IDS/SS)

A Escolaridade Obrigatória

Segue uma síntese cronológica da obrigatoriedade da escolaridade desde o 25 de Abril de 1974 até à data, como intuito de se perceber, no tempo, a cada vez maior abrangência da idade – da infância à adolescência tardia, que, como referi em anterior trabalho (Montenegro, 1999), colide com as idades, funções sociais e ciclos de vida dos processos de socialização ciganos.

Decreto-Lei n.º 4/78 do Ministério da Educação e Investigação Cientifica 11 de Janeiro de 1978

─ Aos alunos que concluíram com o aproveitamento a escolaridade obrigatória de 6 anos, é atribuído o respectivo diploma.

─ Aos indivíduos nascidos a partir de 1 de Janeiro de 1967, que não tenham completado a escolaridade obrigatória de 6 anos, é vedado, para todos os efeitos legais, o ingresso nos quadros públicos.

─ É eliminado, a partir do ano escolar de 1977/78, o diploma da 4.ª classe. Decreto-Lei n.º 538/79 do

Ministério da Educação e Cultura 31 de Dezembro de 1979

─ O ensino básico é universal, obrigatório e gratuito.

─ O ensino básico abrange os 6 primeiros anos de escolaridade. ─ A idade escolar é fixada entre os 6 e os 14 anos.

─ Ficam sujeitos à obrigatoriedade de matrícula, em cada ano escolar, os menores que completem seis anos até 30 de Setembro do ano civil. Decreto-Lei n.º 187-D/80

do Ministério da Educação e Ciência 14 de Junho de 1980

─ Ficam sujeitos à obrigatoriedade de matrícula, em cada ano escolar, os menores que completem 6 anos até 31 de Dezembro do ano civil em que o ano escolar tiver início.

Decreto-Lei n.º 220/81 do Ministério da Educação e Ciência de 16 de Julho de 1981

─ A idade escolar considera-se terminada com a obtenção do diploma de escolaridade obrigatória. Considera-se também terminada quando o aluno não tenha obtido a escolaridade obrigatória até ao termo de ano escolar em que atinja a idade determinada como limite superior da escolaridade obrigatória. Decreto-Lei n.º 301/84 do Ministério da Administração Interna, da Justiça, da Educação e do Trabalho e Segurança Social de 7 de Setembro de 1984

─ Obrigatoriedade do ensino básico para todos os menores em idade escolar.

─ O ensino básico abrange o ensino primário (4 anos) e o ensino preparatório (2 anos).

─ A escolaridade obrigatória é fixada entre os seis anos completos e os catorze anos.

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frequência do ensino, de aproveitamento.

─ A 1.ª matrícula deverá ser efectuada relativamente aos menores que completem seis anos até 31 de Dezembro do ano civil em que o ano escolar tem início.

─ Poderá ser adiado por um ano o início da escolaridade obrigatória em casos de deficiência.

Decreto Regulamentar n.º 21/86 do Ministério da Educação e Cultura de 1de Julho de 1986

─ Adia por um ano o início da escolaridade obrigatória aos menores portadores de deficiência que frequentem jardim-de-infância.

Lei 46/86 da Assembleia da República de14 de Outubro de 1986

─ O ensino básico é universal, obrigatório e gratuito. ─Tem a duração de 9 anos e compreende 3 ciclos: - 1.º ciclo de 4 anos

- 2.º ciclo de 2 anos - 3.º ciclo de 3 anos

─ Ingressam no ensino básico as crianças que completem 6 anos de idade até 15 de Setembro

─ A obrigatoriedade de frequência do ensino básico termina aos 15 anos de idade.

─ Aplica-se aos alunos que se inscreveram no 1.º ano do ensino básico no ano lectivo de 1987-1988 e seguintes.

Decreto-Lei n.º 243/87 do Ministério da Educação e Cultura de 15 de Junho de 1987

─ O Estado assegurará o cumprimento da escolaridade obrigatória às crianças que carecem de ensino especial.

Despacho n.º 123/ME/89 do Ministério da Educação 5 de Julho de 1989

─ Determina que aos estudantes, filhos de trabalhadores migrantes oriundos de países da Comunidade Económica Europeia e se encontrem sujeitos ao regime de escolaridade obrigatória, é reconhecido, em Portugal, o direito a um ensino de acolhimento gratuito.

Lei n.º 85/2009 de 27 de Agosto do Ministério da Educação

─ Estabelece o regime da escolaridade obrigatória para as crianças e jovens que se encontram em idade escolar e consagra a universalidade da educação pré-escolar para as crianças a partir dos 5 anos de idade, cessando com ou sem o diploma do ensino secundário aos 18 anos. Tem 12 anos de escolaridade:

- 1º Ciclo de 4 anos (6-10 anos) - 2º Ciclo de 2 anos (11-12 anos) - 3º Ciclo de 3 anos (13-15 anos) - Secundário de 3 anos (16-18 anos)

─ A escolaridade obrigatória implica, para o encarregado de educação, o dever de proceder à matrícula do seu educando (…) determinando ao aluno o dever de frequência.

Fonte: site da Secretaria-Geral do Ministério da Educação.

É comum a ideia de que, ainda que fosse obrigatória a escolaridade antes do 25 de Abril, a grande maioria das crianças e jovens ciganos não ia à escola, sendo casos raros os que frequentam a escola antes do 25 de Abril de 74 (como foi o caso da Olívia que frequentou a escola nos anos 60). Efectivamente, foi após a introdução do RMG, a partir de meados dos anos 90, que as escolas se viram “invadidas” por crianças e jovens ciganos. Fui protagonista dessa época do “antes” e do “depois” da implementação RMG e, por via dessa discrepância, foi concebido o Projecto de Alfabetização Informal e Comunitária, em 1993-95 (premiado pelo IEE-Instituto de Inovação Educacional) dando

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origem ao Projecto Nómada em 1995-96 (Montenegro, 2003), ano a partir do qual as escolas receberam, repentinamente, inúmeras crianças e jovens ciganos. Lembro que o RMG foi introduzido, a título experimental em Almada e Setúbal em 1996, e no resto do país em 1997, coincidindo, não por acaso, com a expansão do projecto Nómada no Alentejo em 1998.

O facto de “o ser cigano redefinir-se a cada momento, em cada contexto e em cada país” (Magano, 2006), reforça a ideia de que os ciganos detêm “uma tradição de mudança, uma prática secular de inovação” (Liégeois, 1994:39 citado por Magano, 2006:11), e contraria a ideia, muitas vezes veiculada, de que seria um grupo com identidade estática ou estanque. E, porque os contactos culturais não são neutrais, traduzem-se necessariamente em processos sociais dinâmicos de mudança social. Processos que fui testemunhando ao longo de duas décadas e sobre os quais fui conjecturando algumas “impressões” sobre os impactos das mudanças que foram sendo ser introduzidas na organização social cigana por via destas três medidas de política social.

A nível da gestão dos territórios, o realojamento e a escolaridade obrigatória obrigam a que as famílias partilhem os mesmos prédios e bairros91, escolas e turmas, quando tinham, como estratégia de instalação e sedentarização, critérios que tinham de ser respeitados, como a antiguidade no território e a não concentração de famílias de linhagens diferentes. Ora, esses critérios não são tidos em conta quando as pessoas ciganas são realojadas ou quando as crianças são matriculadas, uma vez que estas devem integrar as escolas da área de residência (ou do local de trabalho) dos encarregados de educação. A autorização para viver no mesmo território era concedida pela família mais antiga no local. Presentemente, isso não pode acontecer, uma vez que os critérios de atribuição dos fogos são de outra natureza, como os referidos acima. Olga Magano (2007b:9) avança com a distinção de lógicas diversas na valorização dos

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“O realojamento é a única via disponível para os Ciganos para melhorar a sua situação habitacional, sendo, por isso, um dos mais importantes benefícios sociais para a comunidade cigana em Portugal. (…) Uma vez que [ou melhor, a ausência de] as políticas de realojamento em Portugal resultaram na proliferação de bairros de barracas segregados nas principais cidades onde vivem os ciganos, com condições de vida extremamente degradadas nestes bairros, que muitos vêem como zonas de exclusão social e criminalidade. O realojamento não leva em linha de conta as especificidades culturais dos diferentes grupos étnicos e não promove a coexistência intercultural; pelo contrário reforça a segregação de grupos já de si marginalizados, tais como os ciganos. Estes bairros estão mal integrados no tecido urbano; são muitas vezes relegados para zonas longe do centro da cidade e promovem a guetização”

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territórios: “a lógica da produção do espaço”, atribuída aos gestores públicos e promotores imobiliários e de investimentos, e a “lógica da apropriação do espaço”, atribuída às populações a serem realojadas, neste caso as pessoas ciganas.

Por outro lado, um outro “dos problemas experimentados pelos ciganos no acesso à habitação social é que eles estão na sua maior parte inelegíveis para programa de habitação sociais normais, tais como o PER Famílias e o Prohabita”. É certo que “o acesso a estes programas seria um contributo mais efectivo para a integração social, uma vez que permitiria aos beneficiários escolher a sua própria residência fora dos bairros sociais”. Porém, “o acesso a estes programas está dependente da integração na economia formal e da apresentação de uma declaração de impostos” ERRC/Númena (2007:60).

A nível da gestão dos recursos económicos, a introdução do rendimento mínimo veio alterar a relação com o trabalho. Antes, as famílias viviam dos trabalhos agrícolas sazonais, tarefa que faziam em família, incluindo as crianças. Com o provento dessas “campanhas”, deslocavam-se ao norte do país, para adquirir lotes de restos de colecção na indústria têxtil (produtos, nalguns casos, contrafeitos, cujas fábricas foram encerrando), e que se propunham comercializar nas épocas “baixas” nas feiras, mercados e praças, através da venda ambulante. Um sustento incerto e precário, mas que denotava empreendedorismo, ainda que numa economia informal. Com a