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Contributos para o desenho metodológico

A perspectiva compreensiva torna-se mais pertinente para explicar os períodos de crise, particularmente aqueles em que se assiste a transformações culturais com profundas mudanças ao nível das práticas sociais (Guerra, 2008:8).

O investigador qualitativo é um “artesão no sentido em que cria a sua própria metodologia em função do seu terreno de investigação” (Mucchielli, 2009:73).

Para se obter informações acerca das racionalidades, dos sentimentos e das emoções dos atores sociais, bem como sobre a emergência de novos fenómenos sociais, as metodologias de investigação compreensivas ou indutivas23 como a etnometodologia, o interaccionismo e as teorias “enraizadas” (Guerra, 2008), “sustentadas” (Casa-Nova, 2009:54-55), “fundadas sobre os factos” (Kaufmann, 2008), “fundamentadas” (Bogdlan & Biklen, 1994:50) ou “emergente” (Burgess, 1997: 196-197) referindo-se às grounded theories de Glaser e Strauss (1967), parecem ser as mais adequadas tanto à problemática (mudanças culturais nas comunidades ciganas) como ao objectivo deste estudo (como se aprende a ser cigano, hoje).

Algumas etapas no processo de pesquisa nesta metodologia de investigação, são identificáveis. Assim, o investigador i) compara incidentes aplicáveis a cada categoria

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Eu diria, transdutiva, porque em trânsito entre várias lógicas. Por um lado, dialéctica, pois a análise e a reflexão é um constante movimento de vaivém entre o conhecimento que vem do terreno observado e da teoria que enforma o olhar e a escuta sensível de quem observa o terreno; e, por outro lado, dialógica analisando a interacção entre as lógicas individuais e as lógicas colectivas, entre as lógicas micro e as lógicas meso e macro.

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(codificada); ii) integra as categorias e as suas propriedades; iii) reduz, delimita e verifica a saturação das categorias, confrontando continuamente os critérios utilizados/construídos e seleccionados; iv) reflecte, produzindo análises. Ainda que neste processo de pesquisa, se recomende aos investigadores que ignorem “a literatura teórica no domínio do estudo e evitem pré-suposições e conjecturas prévias bem estudadas”, também se considera esse processo de esquecimento e de desaprendizagem “excessivamente difícil de ser aplicado” (Burgess, 1997:197). Contudo identifico-me com o caminho proposto de “construção teórica” e não de “confirmação teórica”. Também se associa esta abordagem qualitativa à dos estudos culturais “por apreenderem a intersecção entre a estrutura social e a acção humana” (Bogdan e Biklen, 1994:61). Assim, seria uma teoria que, através de uma análise comparativa entre grupos, permite a “gestação e desenvolvimento de categorias, propriedades e hipóteses” e não tanto uma confirmação, exigindo mais uma saturação de dados do que a sua extensão. Segundo Isabel Guerra (2008:10), as vantagens das metodologias compreensivas são de vária ordem: epistemológica, na medida em que os atores são considerados indispensáveis para entender os comportamentos sociais; ética e política, porque permitem aprofundar as contradições e os dilemas que atravessam a sociedade concreta; metodológica, por ser um instrumento privilegiado de análise das experiências e do sentido da acção.

As metodologias compreensivas integram-se numa pesquisa qualitativa que, i) epistemologicamente, são abrangentes, próximas, directas e interpretativas; ii) metodologicamente, são compreensivas, indutivas, recursivas e flexíveis; iii) socialmente, são “próximas das pessoas, dos contextos, das experiências, dos problemas onde é ecológica, tecnologicamente suaves e colaborativas” (Mucchielli, 2009:73 e 182). Trata-se, pois, de modos de pesquisa que procuram o sentido da acção colectiva, isto é, “conhecer os sentidos e as racionalidades que fazem cada um agir e, por via disso, produzir a sociedade onde todos vivemos. É o aprofundamento dessa racionalidade cultural que permitirá conhecer as formas de produção da sociedade e os contornos da mudança social” (Guerra, 2008:10).

O “segredo” do “equilíbrio dinâmico” entre a manutenção e evolução da identidade cigana estará situado nos interstícios das suas fronteiras e na natureza dos seus limites,

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que oferecem potencialidades e oportunidades para a gestão das tensões e dilemas entre a permanência e a mudança, ensaiando movimentos de “mudanças que conservam” (conjunturais ou de 1º nível) ou “mudanças que mudam” (estruturais ou de 2º nível), selectiva e conscientemente. Ora este viver “em cima do muro”, em equilíbrio dinâmico, tanto é atribuído às pessoas ciganas, como o é à pessoa da investigadora, na minha perspectiva, e como já foquei em trabalho anterior (Montenegro, 2003:21-32). Daí a escolha de uma abordagem etnográfica como paradigma de compreensão da problemática deste estudo (as mudanças culturais ciganas) uma vez que também trata de percepções e agires culturais, não apenas de superfície mas sobretudo de profundidade. Para ler os fenómenos, na tentativa de os compreender, é necessário centrar-se na observação dos processos de comunicação que os atravessam, utilizando conceitos específicos do paradigma da complexidade: as abordagens sistémica e construtivista. Sendo a minha vida profissional uma vida de relação, a abordagem comunicacional também sustenta a minha postura indagadora e interpeladora. A construção do sentido, a construção dos referentes colectivos, a estruturação das relações, a expressão das identidades dos atores, a transmissão da informação, a influência e a conscientização são os processos da abordagem comunicacional. Esta abordagem procura estudar em quê e como o processo de comunicação intervém nesse fenómeno, lendo-o de modo compreensivo e global (Mucchielli, 2009:22).

Etnografia como lugar de fronteira entre o sentido interpretativo e o sentido estratégico da investigação

Toda a recolha de informação supõe um prévio olhar teórico que conduz a seleccionar informação e a analisá-la de uma perspectiva particular (Canário, 2006b: 28).

Todos os procedimentos de recolha e tratamento de dados são possíveis, desde que subordinados à preocupação de compreender o Outro, através da reflexividade do investigador para racionalizar a posição social de cientista e para relativizar as suas origens culturais de cidadão (Caria, 2002: 13).

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Estas duas citações sintetizam a abordagem metodológica perseguida neste estudo. Por outro lado, quer-se salientar a ideia de fronteira referida anteriormente, no que diz respeito à pessoa da investigadora que assume uma abordagem etnográfica, também se aplica à etnicidade e à construção da identidade cigana. Nesse sentido, Telmo Caria (2002) traduz claramente o caminhar interior e o lugar de fronteira que a investigadora ocupa na sua relação com a problemática do estudo:

“O estar ‘dentro e fora’ é fonte de conhecimento acrescido porque provoca uma tensão e uma ambiguidade na relação social de investigação que convoca o investigador a reflectir sobre o inesperado. O investigador é um actor social que é reconhecido como competente nos ‘saberes-pensar de fora’, mas ao mesmo tempo, mostra ser competente nos ‘saberes-fazer de dentro’. É nesta fronteira, designada de intercultural (entre ciência e senso comum), que se pode construir a reflexividade da cidadania e a reflexividade que desenvolve uma ciência da ciência. (…) Lugar de fronteira que não é vazio de valores nem vazio de interesse pelo mundo e é inevitavelmente crítico e parcial, de um modo consciente” (Caria, 2002:13).

Telmo Caria explicita o papel da etnografia nos processos interculturais que dão origem a uma atitude reflexiva dialógica transcultural, reconhecendo que empresta “visibilidade pública e social a realidades multiculturais e identitárias, contrariando práticas dominantes de discriminação sociocultural e preconceitos racistas, classistas ou sexistas.” Caminhar nas fronteiras do intercultural efectua-se a dois planos:

- No plano da informalização da relação social de investigação (empatia, cumplicidade, sentido contextual da linguagem, à-vontade na relação interpessoal e percepção de sentimentos), que facilita as relações interpessoais, as trocas de informações e linguagens entre diferentes quotidianos vivenciais, potenciadoras da diluição dos papéis e estatutos sociais desiguais e da atenuação dos constrangimentos institucionais.

- No plano da culturalização da relação social de investigação (espaço reflexivo que interpela e transforma as relações entre culturas, o efeito formativo da reflexão intercultural), que facilita a relativização dos etnocentrismos, as trocas formativas e as socializações, potenciadoras da diluição de desigualdades de poder simbólico e cultural e da valorização do uso “impuro e heterogéneo” da ciência pelo senso comum.

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A abordagem compreensiva na metodologia de abordagem etnográfica pode também ser vivida como um processo de formação. A pessoa que se narra e, neste caso, se abre ao Outro, “sofre”24

um processo formativo de reflexão, de consciencialização, de reelaboração de si, abordando conceitos e processos similares aos da aprendizagem experiencial na formação de adultos, com a qual está intimamente ligada.

A abordagem etnográfica tem em comum com a abordagem compreensiva o associar a produção de conhecimentos sobre o real com efeitos formativos sobre os atores sociais em estudo. De facto, o investigador não se limita a observar, a agir e a ouvir. Faz, além disso, perguntas adequadas e pertinentes ao contexto, ainda que estas não sejam as que as pessoas verbalizam no quotidiano sobre o seu colectivo. O investigador faz o Outro pensar e verbalizar sentidos e deter-se sobre aspectos das suas vivências que, inevitavelmente, interrogam a sua identidade social e permitem estimular a sua reflexividade enquanto pessoa e cidadão. São estas interrogações e reflexões, associadas, que nos permitem dizer que podemos encontrar efeitos de formação na abordagem etnográfica (Caria, 2002).

A abordagem etnográfica é, pois, um modo de pesquisa que recolhe dados com a preocupação de compreender a racionalidade do Outro cultural. A compreensão do Outro supõe contrariar a representação social de que os Outros seriam estranhos, indignos, menores, inferiores, deficitários, pobres em recursos e capitais, “atores incapazes de se construírem de modo autónomo no plano cognitivo e cultural”. Essa perspectiva assenta na pretensa ideia de que a objectividade científica depende de uma posição de “imparcialidade explicativa”. Existem algumas estratégias de investigação que estão mais próximas da etnografia porque não cultivam, forçosamente, uma relação de exterioridade com o objecto em estudo. São os casos de estratégias que se centram na construção identitária, por via da narratividade de um trajecto de vida, como as histórias de vida, as abordagens biográficas (Caria, 2002).

24 “subir” em francês tem um significado vivencial e experiencial, menos sofredor, amargurado e passivo,

mas em português não encontro tradução melhor. Este comentário advém da minha matriz francófona que marca estruturalmente ainda o meu pensamento, fruto da minha socialização primária que me marcou até aos 15 anos de idade.

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Entrevistar conversando ou a arte da maiêutica 25

Sócrates utilizava o termo ‘maiêutica’ para significar ‘a arte de fazer nascer nos espíritos os pensamentos que contêm sem o saber’ (ideia de saberes ocultos). A maiêutica é concebida como um método suscitando a reflexão intelectual (Le Grand, 1989: 118).

De acordo com Jean-Louis Le Grand (1989: 114), o saber oculto seria aquele saber que “se sabe sem se saber.” Assim, o actor social, mergulhado numa prática social, num grupo social, tem um conhecimento empírico dessa prática, das “leis” que regem o grupo, e faz o que é necessário para que tudo aconteça como é suposto. A maior parte do tempo, esses conhecimentos não afloram a consciência, mas exprimem-se no quotidiano, nos gestos, no saber-fazer, no saber-ser, no saber-viver. As condutas desviantes vêm provocar a revelação desses saberes, semeando a perturbação naquilo que se deve ou não fazer.

Perceber as percepções que as pessoas têm dos contextos e sentidos de vida, acedendo aos significados que atribuem às suas vivências, sentires e saberes experienciais, é uma das potencialidades das entrevistas em profundidade (Guerra, 2008) ou compreensiva (Kaufmann, 2008). Para este autor, a abordagem compreensiva assenta na convicção de que as pessoas não são “simples agentes portadores de estruturas mas produtores activos do social, portanto depositários de um saber importante que é preciso agarrar do interior, por via do sistema de valores dos indivíduos” (p.26), que a entrevista compreensiva permite aceder. Na senda de Bernard Lahire (2005), este estudo pretende estudar o ser cigano “à escala individual” uma vez que os indivíduos singulares vivem simultaneamente em e são constitutivos dos contextos meso e macro sociais. O objectivo foi saber “como se aprende a ser cigano hoje”, perscrutando as formas como “as experiências socializadoras múltiplas podem coabitar no mesmo indivíduo” (p.14), sem o desestruturar e induzindo reconfigurações identitárias sempre renovadas.

A propósito da abordagem biográfica, Digneffe e Berckers (1997:206-210) realçam as potencialidades da entrevista compreensiva para:

25 “O trabalho socrático de ajuda à explicitação, visa propor sem impor, a formular sugestões, por vezes

explicitamente apresentadas como tais (será que quererá dizer …) e destinadas a oferecer prolongamentos múltiplos e abertos sobre as propostas do inquirido, às suas hesitações ou às suas buscas de expressões” (Bourdieu, 1993: 1407).

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1) Sair da oposição entre indivíduo e sociedade, porque a história individualiza a história social colectiva de um grupo, e é, ao mesmo tempo, o produto e a expressão desse grupo.

2) Captar as relações dialécticas ou de circularidade entre o ponto de vista subjectivo da pessoa e a sua inscrição na objectividade de uma história, exprimindo simultaneamente o peso das determinações sociais nas trajectórias individuais e na relação dos atores com essas determinações.

3) Captar as subjectividades, compreender de que modo a conduta é continuamente remodelada, de maneira a ter em conta as expectativas dos outros, captando as mediações entre funcionamento individual e o funcionamento social. Efectivamente, a história individual constrói-se através de mediações, constituídas pelos grupos primários a que pertencemos e pelas instituições com as quais lidamos, e, permite apreender o habitus26.

4) Captar o que escapa às estatísticas, às regularidades objectivas dominantes, aos determinismos macrossociológicos. “Torna acessível o particular, as rupturas, os interstícios e os equívocos que são elementos fundamentais da ‘realidade’ social, explicando por que razão não existe apenas reprodução. Permite captar a ‘espessura do social’ na sua diversidade e nas suas múltiplas contradições” (p.210).

5) Reconhecer um valor sociológico no saber individual, transformando o entrevistado “num informador mais bem informado do que aquele que interroga” (p.210).

Sendo a investigadora o instrumento privilegiado da recolha de dados, utiliza-se a entrevista compreensiva, ainda que com técnicas diferenciadas (entrevista informal, semiestruturada ou de explicitação) consoante as condições de produção do discurso da pessoa a inquirir e a sua relação de proximidade com a investigadora, bem assim como a presença ou não de um colectivo. Por outro lado, porque, como refere Raul Iturra (1999), existem situações em que nem tudo o que se diz se faz por não ser culturalmente

26 No âmbito deste estudo, pretende-se articular o conceito de habitus de Bourdieu, isto é a

disposição/tendência ligada à socialização que se impõe ao indivíduo e a competência, a aprendizagem de

uma capacidade/autonomia que nos torna capaz de lidar com essa tendência (Corcuff, Le Bart, Singly, 2010: 390).

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natural a um estrangeiro saber ou ser da ordem do não dito, do não revelado, ou ainda por fazer parte da esfera individual, privada, escondida do resto do social (p.156). Nos casos em que as pessoas demonstrem possuir um discurso fluente e/ou permitam registá-lo em áudio, pode revestir-se sob a forma de uma abordagem compreensiva (Kauffman, 2008), permitindo à pessoa que se narre e estruture um discurso pessoal sobre o seu percurso de vida, articulando-o com a história colectiva do grupo a que pertence. Mas Raul Iturra (1999) nos alerta para o facto de que falar pode ser uma maneira de relatar o processo da vida, onde nem todas as acções são tomadas em conta, e muito menos as suas origens e as suas raízes, e o que se fala pode ser uma pista do que se faz, podendo ser agarrado pelo investigador (p.156). Equacionou-se, também, a necessidade de adoptar entrevistas colectivas ou de grupo, assumindo a forma de conversas informais. Neste sentido, “a conversação informal e a entrevista, são situações sociais em que a presença do investigador se impõe de maneira muito forte, em que o peso relativo do impacto do processo social de pesquisa é muito elevado” (Costa, 1999:137), exactamente porque na pesquisa de terreno as respostas obtêm-se no fluxo da conversa informal e da participação directa. Para Firmino da Costa (1999), a conversa e as entrevistas informais são “as técnicas mais adequadas para a captação de acontecimentos, práticas e narrativas” (p.140). Esta estratégia prende-se com o facto de contornar e aproveitar a pressão social do grupo (ainda que possa ser apenas a nível de um grupo familiar) que deseja controlar o que é dito, através da censura social que lhe é característica. Claude Dubar (2010) explicita o poder que o grupo exerce sobre o indivíduo que interioriza o social por via de um conjunto de normas, de valores, de códigos, de modelos de que se apropria de modo singular. Interioriza tanto melhor este constrangimento não o vivendo enquanto tal, mas percepcionando-o como uma construção da sua própria personalidade. “O homem das sociedades tradicionais é determinado pelas expectativas do grupo, pelas obrigações culturais, pelos julgamentos dos seus pares e detém um leque de respostas previsíveis às situações elas mesmas previsíveis. (…) O indivíduo engole a sociedade, fazendo-a tanto mais sua quanto lhe resiste e possui o sentido do jogo social. O controlo social externo é substituído pelo controle social interno, a culpabilidade substitui a vergonha, a autonomia ética substitui- se ao conformismo social” (p. 218). Nesse caso, “as reacções de uns e de outros são desencadeadas por intermédio de líderes, que podem dar o tom, num sentido favorável ou desfavorável, ao inquérito, por meio de rumores que circularão a propósito dele”

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(Roquoy, 1997:107). O controlo social, para Raymond Boudon e François Bourricaud (2004), é definido enquanto “um conjunto de recursos materiais e simbólicos que uma sociedade dispõe para assegurar a conformidade do comportamento dos seus membros a um conjunto de regras e de princípios prescritos e sancionados” (p.124), reconhecendo com isto a dimensão intencional e estratégica da acção social.

No caso das conversas informais27, apoiei-me em notas de campo, próprias de uma observação participante. Por outro lado, a técnica de registo de notas de campo, também é útil, quando em presença de situações únicas e irrepetíveis28, nas quais se incluem os acontecimentos de rotina, actividades que fazem parte da vida do dia-a-dia; os acontecimentos especiais, fortuitos, previsíveis; e os acontecimentos adversos, emergências, dramáticos, crises, imprevisíveis (Burgess, 1997:76-77; Bernardi, 2007: 160). Já Firmino da Costa referia que as situações se vão sucedendo, por vezes sem controlo por parte do investigador, surgindo, mais ou menos subitamente, possibilidades de observação inesperadas, não programáveis, singularmente significativas, estando, permanentemente à mão e à vista, uma realidade social complexa, em toda a sua espessura e diversidade (Costa, 1999:133-134).

A compreensão de uma cultura diferente precisa de “penetrar” no interior do grupo, de se impregnar das qualidades mentais, que se atinge com uma longa familiaridade e uma confiança recíproca. A observação participante assume ser, simultaneamente, um processo de aprendizagem e um dispositivo de trabalho. Assim, toda a minha acção socioeducativa tem sido rentabilizada na perspectiva de associar o processo de aprender com os outros na e pela acção, para além de ser também um trabalho social e educativo. Foi através deste modo de trabalhar convivendo ou de conviver trabalhando que fui aprendendo e apreendendo o que sei sobre as comunidades ciganas em particular, num

27 ou conversas compreensivas, como lhe chama Olga Magano (2004:67), na senda de Kaufmann: “As

conversas ocorriam com quem encontrasse, de forma aleatória e não obedecendo a um guião, aproximando-me do sentido das “conversas” usado por Kauffman, conforme se ia proporcionando, procurava induzir temas que me interessava abordar e que eu tinha previamente definido” (p.68-69).

28 Como foram os casos i) da sessão de formação aos mediadores municipais ciganos, no âmbito do

projecto de Mediadores Municipais do ACIDI em Janeiro 2010; ii) da “Tertúlia das Ciganas”, organizada pela Câmara Municipal de Setúbal (em que fui animadora da conversa entre 6 mulheres ciganas, entre casadas e solteiras, em Fevereiro de 2010, surgida na sequência da formação realizada aos mediadores municipais); iii) da entrega de prémios atribuídos a várias personalidades ciganas e não ciganas, entre as quais me encontrava, da iniciativa da Associação Cigana de Coimbra em Dezembro 2010; iv) a dinamização do lançamento do livro do Bruno Gonçalves “História do ciganinho Chico”, em Setúbal a 18 de Março 2011; etc…

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constante processo de observação participante ou de “observação com presença”29. Esta atitude assume como necessária uma negociação permanente com os presentes no contexto observado e/ou participado. Esta situação também é, simultaneamente, um processo de socialização. Não há, portanto, lugar a “uma boa distância” entre o observador, o participante e o observado. Estar implicado pode impedir a análise da situação que se vive, mas ser sensível e poroso às preocupações do Outro pode ser mais fecundo (Bianquis-Gaser, in Mucchielli, 2009:166-173).

Tal como refere Maria José Casa-Nova (2009:65-66), a construção das notas de campo é fruto de um processo pessoal, em que se conjugam descrições, reflexões e articulação com o quadro conceptual e teórico. As notas de campo não foram elaboradas no local em presença das pessoas mas à noite no próprio dia da observação. No exercício da sua redacção, teve-se subjacente as mesmas categorias das do guião das entrevistas, que funcionava também como guia da minha observação mais atenta, uma vez que seria