• Nenhum resultado encontrado

4 MULTIPARENTALIDADE: A POSSIBILIDADE DO RECONHECIMENTO

4.3 ALGUNS CASOS SOBRE A MULTIPARENTALIDADE

Para demonstrar a importância da Multiparentalidade, na vida dos entes familiares, é de grande valia demonstrar alguns casos, juntamente com seus entendimentos, nos diversos tribunais brasileiros.

A Multiparentalidade é cabível em inúmeras situações, porém o fenômeno das famílias recompostas, assim entendidas aquelas formadas por casais que trouxerem filhos lares monoparentais como, por exemplo, de casamentos ou uniões anteriores, é uma das causas mais corriqueiras, visto que o padrasto ou a madrasta acaba por assumir funções inerentes da paternidade ou maternidade, entretanto, sem reduzir o poder familiar do pai ou mãe biológicos.

Assim, quando o cônjuge ou companheiro pratica atos típicos do poder parental, a relação travada com a criança, adolescente ou até mesmo com um adulto, vai nascendo a socioafetividade, pois ele vai se tornando uma autoridade na vida do seu enteado ou enteada, visto que convive diariamente com a criança.

Nessa perspectiva, com alicerce na afetividade, a atual família brasileira não consanguínea, baseada na relação de padrastio ou madrastio é apta para gerar a multiparentalidade.

Visando esse entendimento, o Tribunal de Justiça de São Paulo reconheceu a multiparentalidade materna em favor de um adolescente que foi registrado por seus pais biológicos e quando tinha apenas três dias de vida perdeu sua mãe. Posteriormente, quando o adolescente contava dois anos de idade, o pai conheceu uma mulher e com ela casou-se.

No entanto, na primeira instância foi negada a inclusão do nome da mãe afetiva no registro de nascimento do filho afetivo. O Juiz a quo reconheceu a paternidade socioafetiva, “mas argumentou que não haveria espaço na lei para inscrição de duas mães”

Somente em segunda instância, como já foi mencionando acima, foi que o TJSP deu provimento ao recurso, reconhecendo a existência da paternidade socioafetiva e autorizando a inscrição do nome da mãe afetiva no registro de nascimento do filho102.

O segundo caso trata-se uma Ação Negatória e de Investigação de Paternidade, proposta por uma menor, representada por sua genitora, em desfavor de seu pai registral, que convive em união estável com sua representante legal há 17 anos.

O relato inicial sobre o caso revela o pai registral, devido as diferenças físicas entre ele e a autora, sempre foi alvo de chacota quanto à real paternidade, tanto que no ano de 2012 a genitora da autora revelou que o verdadeiro pai da autora era seu ex-patrão. Inclui-se também, que a família da autora trabalhou e residiu por 12 anos na fazenda do suposto pai biológico, que sempre teve conhecimento da paternidade, no entanto, ameaçava demitir caso o fato fosse revelado.

Após o entendimento sobre o caso, revela-se importante analisar o comportamentos dos pais quanto a autora, quanto pai registral afirmou nutrir sentimentos de pai em relação à autora, afirmando que a ama como aos demais filhos que possui com sua mãe, que apesar de já ter tido feito a vasectomia, a registrou como sua filha biológica, quando a esposa ficou grávida. Já com relação ao suposto pai biológico, narra a decisão, sempre se mostrou avesso a essa paternidade, afirmando, que não nutre qualquer sentimento pela infante, que possui outra família e que pretende seguir sua vida como antigamente.

O laudo do exame de DNA mostrou que não há dúvidas quanto a paternidade biológica do ex-patrão da genitora da criança, devendo assim, ser declara a filiação biológica deste. Todavia, a Douta Juíza de Direito da 1ª Vara de Família de Sobradinho/DF, Dra Ana Maria Gonçalves Louzada, ao sentenciar, teve o entendimento, que não se mostrava plausível afastar a paternidade socioafetiva do pai registral, com quem a menor manteve relacionamento filial por todos os seus 10 anos de vida, e mesmo sendo pessoa pobre,

102 MATERNIDADE SOCIOAFETIVA Preservação da Maternidade Biológica Respeito à memória da mãe biológica, falecida em decorrência do parto, e de sua família - Enteado criado como filho desde dois anos de idade Filiação socioafetiva que tem amparo no art. 1.593 do Código Civil e decorre da posse do estado de filho, fruto de longa e estável convivência, aliado ao afeto e considerações mútuos, e sua manifestação pública, de forma a não deixar dúvida, a quem não conhece, de que se trata de parentes - A formação da família moderna não-consanguínea tem sua base na afetividade e nos princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade Recurso provido. BRASIL, Tribunal de Justiça de São Paulo, Apelação Civil nº 0006422-

26.2011.8.26.0286, Relator: Des. Alcides Leopoldo e Silva Júnior, Data do Julgamento:14 Agos. 2012. Diário de

analfabeta e agricultor, foi quem a criou. Não obstante, a confortável situação financeira do pai biológico, que possui alto padrão de vida, não pode ser deixada de levar em conta, motivo pelo qual A Multiparentalidade estende à infante as benesses que esta paternidade pode lhe oferecer é não atentar para o melhor interesse da criança, princípio constitucional e basilar do Estatuto da Criança e do Adolescente, pois é imprescindível que o Direito acolha a realidade de cada pessoa103.

Por tais razões, Dra. Louzada, ao tratar da Ação Declaratória de Paternidade, tem o entendimento que: “o direito deve espelhar e proteger a vida da pessoa em sua inteireza. Se no caso concreto ela possuir duas mães, dois pais, ou seja lá a composição que sua família tenha, não cabe ao Direito, tampouco ao Judiciário impor limites a essa entidade familiar104”

Do mais a mais, a magistrada esclarece, ainda, as consequências jurídicas do reconhecimento da multiparentalidade, as elencando-as, como se passa a transcrever: a) Direito ao parentesco; b) Direito ao nome; c) Direito de convivência e guarda; d) Direito a alimentos; e) Direito ao reconhecimento genético; e, f) Direito à herança105.

Desse modo, é visível o entendimento da autora quanto ao reconhecimento da Multiparentalidade, deixando claro que o instituto deve ser aplicado para o melhor interesse da família, e demonstrando todas as suas consequências jurídicas, que deverão ser respeitados por todo ordenamento jurídico. Por tais motivos, a ação foi julgada procedente, para declarar que o pai registral não é pai biológico, mas afetivo, e indicar quem é o pai de sangue da autora, determinando assim, a alteração do registro de nascimento da infante, para nele ser acrescido o pai biológico, sem ser retirados os pais registrais.

O terceiro caso versa sobre uma Ação de Destituição do Poder Familiar cumulada com Adoção, movida por um casal em face da mãe de uma menor, ajuizada no estado de Sergipe.

Nos autos do caso, verifica-se que a genitora biológica da menor, entregou a filha aos requerentes pretendendo uma qualidade de vida melhor para a criança, visto uma condição financeira mais favorável deles. Contudo, em nenhum momento afastou-se dela, mantendo durante todo o tempo contato com ela, e um forte vínculo socioafetivo, tanto que a adotanda comumente e com alguma frequência passava finais de semana com a mãe biológica, inclusive com os seus irmãos, filhos de sua mãe biológica.

103

CASSETTARI, Christiano. Multiparentalidade e parentalidade socioafetiva: efeitos jurídicos, p. 128 104 LOUZADA, Ana Maria Gonçalves apud CASSETTARI, Cristiano, p. 129

Neste interim, Juiz José Adailton Santos Alves106, dentro do seu livre convencimento, entendeu que pôde constatar um forte laço afetivo que a mãe biológica sempre teve e ainda tem com a menor, e, que apesar de ter entregue a sua filha aos cuidados dos requerentes, por circunstâncias da sua vida, devido a impossibilidade financeira de dar a ela as melhores condições de vida, sempre manteve contato com a menor e nunca considerou a possibilidade de romper o vínculo familiar com ela, visto que mesmo com o passar dos anos, não só se preocupou com a filha, mas conviveu com ela, integrando-a aos seus outros filhos. Todos esses fatos estão evidenciados pelas fotografias colacionadas aos autos processuais, além dos depoimentos dos menores, que demonstraram os fortes laços afetivos existentes, proporcionados pelos períodos de convivência ocorridos ao longo de suas vidas, nesses termos, a toda evidência, de que esses vínculos não podem ser rompidos, com a destituição do poder familiar de sua mãe biológica, sobretudo porque a adoção, sempre deve atender aos interesses da menor, observando a situação concreta.

Não obstante, a própria mãe reconhece que para o melhor interesse da menor, sua filha, é a sua permanência com os adotantes, posto que admitiu que durante todos esses anos eles proporcionaram a ela todas as condições necessárias a seu regular desenvolvimento. Analisando essas constatações, o juiz entendeu ser possível deferir a guarda e manter a mãe guardiã como genitora da menor, dentro da perspectiva da pluriparentalidade

Destarte, nesse contexto, o magistrado ao sentenciar, reconhecendo simultaneidade da filiação biológica e da filiação socioafetiva dos adotantes, instituto definido pela doutrina de pluriparentalidade, apresenta-se como medida mais adequada com o princípio do melhor interesse da criança. Por consequência, inexistindo óbice legal ao reconhecimento da pluriparentalidade, dos vínculos biológicos e socioafetivo na determinação da filiação da menor constitui efetivo benefício para a adotanda, com o fim do processo de adoção, em razão pela qual devem ser mantidas, simultaneamente, a filiação da mãe biológica e dos adotantes. Portanto, diante desse fato, seria necessária a consequente regulamentação do direito à convivência entre a menor e a sua mãe biológica, sendo certo que a guarda unilateral da menor continuará com os adotantes.

Com isso, o acordo feito entre as partes em audiência, notadamente quanto à guarda, direito de visitas e nome da menor, foi mantido, sempre resguardando os interesses e o bem- estar da adotanda (como também, dos outros entes familiares), passível, portanto, de acordo com o parecer do Ministério Público. Sendo assim, a ação foi julgada parcialmente procedente

e, por consequência, foi concedida aos requerentes a adoção da menor, ressaltando-se que será mantido o vínculo registral de sua genitora, e destituído o poder familiar do pai biológico107.

O ultimo caso que será demonstrado nesta pesquisa científica, foi noticiado através do site do IBDFAM, e, aconteceu em 2015, e relata o reconhecimento de vínculo de paternidade afetiva post mortem, entre uma mulher e os pais de criação falecidos, entretanto, em casos como esse a prova é essencial, visto que o pretenso pai não-biológico manifestou o desejo de assim ser reconhecido.

A sentença de primeiro grau que declarou a paternidade socioafetiva e determinou a alteração do nome da mulher para contemplar o a filiação dos pais afetivos, com o que ela poderia habilitar-se como herdeira. Conquanto, os filhos biológicos, inconformados com a decisão, recorreram ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, pedindo a modificação da sentença.

Apesar disso, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), por unanimidade, manteve a sentença que declarou a paternidade socioafetiva, mas segundo o julgado, para provar a posse do estado de filho, condição que caracteriza a filiação socioafetiva, é necessária “sólida comprovação” que diferencie essa condição de outras situações de mero auxílio econômico, ou mesmo psicológico108.

Nessa acepção, a decisão relata que nos autos do processo foi amplamente comprovado o laço sentimental socioafetivo entre a mulher e o casal falecido de forma declarada e pública, como dispõe nos depoimentos das testemunhas, a apelada era tratada publicamente como filha do casal e os chamava de mãe e pai. É dizer que havia, quer na relação privada, quer socialmente, a caracterização de uma verdadeira relação paterno- filial109.

Ressalta-se, por fim, que essas são apenas algumas das decisões sobre Multiparentalidade ocorridas no Brasil, que ao realizar a pesquisa foi possível constatar diversos arranjos para a multiparentalidade, e que esse instituto encontra-se cada vez mais consolidado no ordenamento jurídico pátrio, principalmente após a Repercussão Geral 662, como também através do reconhecimento extrajudicial da Multiparentalidade, que será abordado no próximo tópico.

107 CASSETTARI, Christiano. Multiparentalidade e parentalidade socioafetiva: efeitos jurídicos, p. 137 108

IBDFAM. Justiça reconhece filiação socioafetiva post mortem. 109 Ibid.

4.4 O RECONHECIMENTO EXTRAJUDICIAL DA MULTIPARENTALIDADE: