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2 DIREITO DE FAMILIA À LUZ DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA

3.1 UMA ANÁLISE SOBRE PARENTESCO NO DIREITO CIVIL PÁTRIO

Vislumbra-se inicialmente, sobre o parentesco, que há uma premente necessidade de se falar que este não se confunde com família. Compreender esse assunto é essencial no sentido que ele é base para inúmeras relações no Direito de Família, com repercussões em outros ramos dentro do ordenamento jurídico, seja ele brasileiro ou internacional.

As relações de parentescos contempladas no Brasil são decorrentes de consanguinidade e da afinidade que ligam pessoas a determinado grupo familiar. Neste ultimo caso, por exemplo, estão os cônjuges e companheiros que não são parentes, mas integram a

família e mantém um vinculo de afinidade com os parentes dos seus pares, após a união estável ou casamento, gerando até impedimento, que irão perdurar, por toda uma vida54.

Lôbo apresenta um conceito bem especifico de parentesco explicando que este é uma relação jurídica estabelecida por lei ou por decisão judicial entre uma ou mais pessoas que integram um grupo familiar, do qual decorre um complexo de direito e deveres. Ademais, essa relação vai para além do direito passa por um sentimento de pertencimento a um determinado grupo familiar, nos quais serão baseados seus costumes e valores. Já para o direito o parentesco não se confunde com família, ainda que ela seja sua principal influência, uma vez que, pode delimitar a aquisição, o exercício e o impedimento de variados interesse, inclusive no campo do direito público. ”Por outro lado, a família, para diversas finalidades legais, pode estar contida na relação entre pais e filhos constitutiva, do mais importante parentesco, a filiação”55.

Em continuidade com esse entendimento, Lôbo explana que o parentesco tem origem na consanguinidade e em outros fatores, como os das relações de famílias socioafetiva, da adoção, da concepção mediante utilização de material genético, posse de estado de fato de filiação e a atração dos parentes do outro cônjuge ou companheiro (afinidade)56.

O legislador brasileiro não definiu o que é parentesco, não entanto, ao analisar o Código Civil em seu art. 1.593, este dispõe que “o parentesco é natural ou civil, conforme resultante de consanguinidade ou outra origem57”. Para Tartuce58, ao analisar o dispositivo 1.595, o mesmo dá uma interpretação extensa, permitindo dizer que o parentesco possui três modalidades admitidas no ordenamento jurídico brasileiro, mais especificamente no Direito de Família, as quais consistem em parentesco consanguíneo ou natural; parentesco por afinidade e o parentesco civil.

Por muitos anos existiu uma visão que a consanguinidade tinha prevalência, com um caráter amplamente superior, sobre o parentesco por afinidade. Talvez, até hoje ainda exista, visto que muitas famílias, como uma grande parte da sociedade foram legisladas pelo CC/16,

54 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direitos das Famílias, p. 296 55 LÔBO, Paulo. Direito Civil – Famílias. Volume 5, p. 208 56

Ibid., p. 209

57 BRASIL. Código Civil Brasileiro de 2002. 58

Parentesco consanguíneo ou natural: aquele existente entre pessoas que mantêm entre si um vínculo biológico, por terem origem no mesmo tronco comum. Parentesco por afinidade: existente entre cônjuge ou seu companheiro e os parentes do outro [...]. Parentesco civil: decorrente de outra origem que não a consanguinidade ou afinidade. Tradicionalmente tem origem na adoção. Todavia a doutrina e a jurisprudência admitem duas outras formas: a decorrente de técnica de reprodução heteróloga, aquela efetivada com material biológico de terceiro, e a parentalidade socioafetiva58. 58 TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil, volume único, p. 1.410

ou seja, há uma consequente transição entre os códigos civis de 1916 e 2002, o que ainda gera muito preconceito e confusão, principalmente, em regiões interioranas brasileiras.

No entanto, tal espectro é um tanto inadequado para o direito contemporâneo brasileiro, que nos dias atuais, o afeto e a busca pela felicidade têm sido o alicerce para a ampliação das relações familiares. Eis que se nota a problemática que exsurge desta pesquisa. É que, embora admitida e, muitas vezes, necessária, a intervenção para elucidar que a socioafetividade e a consanguinidade são iguais, pois o que realmente importa para a construção familiar é a afetividade e a busca a felicidade dos entes que a compõe.

Portanto, essa expressão que identifica pais e filhos não biológicos, não consanguíneos, mas que construíram uma filiação psicológica e afetiva. Não pode ficar descaracterizada, sem que haja direitos e garantias, assim, deverá mais uma vez esse novo modelo de vínculo ser protegido pelo artigo 1.595 do diploma legal civil. Nessa toada, mais uma vez é imprescindível que o direito acompanhe os avanços da sociedade, para que todos possam ter seus direitos fundamentais acobertados.

Dessa forma, nos dias atuais, o Poder Judiciário não pode se esquivar de tutelar as relações baseadas no afeto, inobstante as formalidades muitas vezes impingidas pela sociedade para que uma união seja digna de reconhecimento judicial.

Exsurge ainda, decorrente desse instituto, um próprio questionamento com relação ao legislador não ter cogitado o critério socioafetivos, tendo em vista a época de redação da norma, conquanto, a doutrina e a jurisprudência têm se empenhado para encaixá-lo na genérica expressão “ou outra origem” presente na parte final do art. 1.593. Neste sentindo, a atual Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, já tem o entendimento de que a existência de relação de parentesco socioafetivo entre a Adotanda (maior e capaz) e os Adotantes é completamente cabível, desde que seja fruto de um longo, estável e voluntário processo de criação, amor e cuidado, de pai e mãe para filha e de filha para pai e mãe59.

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DIREITO CIVIL. ADOÇÃO. MAIORIDADE CIVIL. CONSENTIMENTO DOS GENITORES. DESNECESSIDADE. JUSTA CAUSA IMPEDITIVA. NÃO DEMONSTRAÇÃO DE PARENTESCO SOCIOAFETIVO. RECONHECIMENTO. SENTENÇA MANTIDA. 1 – Em regra, para acolhimento adotivo de pessoa maio de 18 anos afigura-se desnecessário colher o consentimento dos genitores biológicos da pessoa Adotanda (Código Civil, artigo 1.619, 1.630 e 1.635, inciso III, CC Lei 8.069/1990, art. 45, caput e §1º). 2 – A recusa dos pais biológicos, excepcionalissimamente, pode levar ao indeferimento da adoção se, e somente se, houve cabal demonstração de justa causa a embasar a recusa, consistente na comprovação de que a adoção gerará prejuízo ao adotando. 3 – No caso dos autos, revela-se a existência de uma relação de parentesco socioafetivo entre a Adotanda (maior e capaz) e os Adotantes; vínculo esse fruto de um longo, estável e voluntário processo de criação, amor e cuidado, de pai e mãe para filha e de filha para pai e mãe (CC, art. 1.593, parte final). Parentesco esse cujo reconhecimento não encontra óbice na mera discordância, desprovida de justa causa, dos genitores biológicos. Apelação Desprovida. (TJ-DF 00094043820168070004 – Segredo de Justiça

Neste obste, verifica-se que a jurisprudência tem legitimado o parentesco socioafetivos na parte final do art. 1.593 do CC/02. Dando cada vez mais importância aos vínculos familiares baseados no amor e no afeto, consagrando uma nova ordem jurídica para a família, onde ao afeto é atribuído valor jurídico.

Para que esse parentesco tenha mais reconhecimento, o Enunciado 256 do CJF disciplinou: art. 1.593. A posse do estado de filho (parentalidade socioafetiva) constitui modalidade de parentesco civil.

Em resumo, com base em tudo que foi explanado anteriormente, entende-se que a parentalidade socioafetiva pode ser definida como o vínculo de parentesco civil entre pessoas que não possuem entre si um vínculo biológico, mas que vivem como se parentes fossem, em decorrência do forte vínculo afetivo existente entre elas60.

3.2 A FILIAÇÃO E SUA EVOLUÇÃO ATÉ A POSSIBILIDADE DO SEU