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CAPÍTULO I O Acontecimento do ponto de vista médico-sanitário

5. Alguns ganhos dos movimentos sindical e sanitário

A experiência da leucopenia impõe uma nova organização das idéias sobre as condições adversas do trabalho. A morte de um médico, seguida do óbito de um operador, desencadeara um processo de mobilização política em torno da questão da saúde do trabalhador, desvelando a doença ocupacional que ganha lugar na fala cotidiana dos operários do Polo, passando a andar junto com as lutas antigas contra os salários precários e o desemprego.

Desencadeia-se então a negociação entre empresas, governo e sindicatos de trabalhadores para controlar a situação de risco à saúde no COPEC, gerando um conjunto de eventos, tanto de caráter técnico quanto político, tais como reuniões, seminários e pesquisas, os quais são amplamente divulgados pela mídia impressa. Destacam-se ações de caráter inter-institucional, tal como ocorreu em diversos estados, buscando normatizar, em nível regional, critérios diagnósticos, tratamento, afastamento do trabalho e medidas de controle da exposição (Carvalho, 1995; Nobre, 1999).

Esses eventos envolvem os diversos atores sociais implicados no problema, tais como empresas, sindicato dos trabalhadores e das empresas, autoridades responsáveis pela fiscalização das condições de controle da contaminação ambiental das empresas (Centro de Recursos Ambientais - CRA) e da saúde e segurança no trabalho (Delegacia Regional do Trabalho - DRT), Secretaria Estadual de Saúde, pesquisadores da Universidade Federal da Bahia, Assembléia Legislativa, Sociedade Baiana de Medicina do Trabalho, entre outros. Isso porque, trabalhadores, governo e empresas passam a se empenhar em caracterizar a epidemia e buscar soluções para seu controle, uma vez que os eventos fatais, especialmente por se tratar de um médico, sugeriam a ampliação do espectro de ação do risco de exposição, deixando de ser um problema das áreas de operação das plantas petroquímicas que só afetava os trabalhadores de campo, para também produzir

impacto sobre aqueles que trabalhavam nos espaços administrativos das empresas. Tal problema, sem dúvida, causa perplexidade a todos.

Desse processo resulta a ampliação do debate no âmbito da sociedade, em nível nacional, que leva à formação da Comissão Nacional Permanente do Benzeno (CNP-Benzeno). Esta comissão é criada a partir do Acordo e da Legislação sobre Benzeno de 1995, que resultou das negociações do grupo de trabalho tripartite, formado por governo, trabalhadores e empresários (Nobre, 1999; BRASIL, 1996). Resulta também na publicação da "Norma Técnica sobre Intoxicação ao Benzeno", em 1993, pelo Instituto Nacional de Seguro Social, onde são definidos os novos parâmetros de controle da exposição ao benzeno (Carvalho, 1995).

A ação sindical sobre esse tema de saúde se organiza, nessa época, em torno da "Operação Caça Benzeno", uma campanha em nível nacional para o combate ao benzeno, desencadeada pelo Instituto Nacional de Saúde do Trabalhador, da CUT, lançada em Salvador, conferindo ampla visibilidade do problema, especialmente com o lançamento do vídeo "A Maldição do Benzeno", exibido em inúmeros eventos, inclusive nas portas de fábrica (Entrevista 02, Anexo 6).

As denúncias dos sindicatos, a criação da CNP-Benzeno e do Acordo e da Legislação do Benzeno propiciaram o atual rigor no monitoramento ambiental, embora a referida legislação seja cumprida apenas parcialmente (Entrevista 07, Anexo 6). Mas, de certo modo, há um temor em repetir a situação vivida. Contudo, há uma preocupação diferenciada, especialmente quando se trabalha atualmente com a terceirização, em que o aumento das empreiteiras contratadas pela empresas dificulta o controle da exposição e da saúde dos trabalhadores. Ademais, a redução de postos de trabalho afeta também o número de pessoal dedicado à higiene e segurança no trabalho e ao gerenciamento de risco.

Somente a partir da epidemia, a Nitrocarbono e a COPENE inauguram métodos de avaliação e monitoramento ambiental e mais tarde, em 94 e 96, as demais empresas também empreendem essas medidas (Entrevista 01, Anexo 6). Desenvolve-se, então, entre os médicos do trabalho do SUS e da DRT um saber acerca do processo de trabalho petroquímico e da higiene industrial (Entrevista 05, Anexo 6).

Ao longo desses nove anos após o episódio, os técnicos da área de Saúde do Trabalhador entrevistados são unânimes em reconhecer as mudanças ocorridas no COPEC, tanto para o controle da saúde individual quanto ambiental, considerando que os eventos daqueles anos foram fundamentais para introduzir mudanças. Estas são relacionadas principalmente aos seguintes fatos: maior investimento das empresas em segurança e higiene do trabalho, maior consciência dos trabalhadores e da sociedade sobre os riscos nos locais de trabalho, mudanças na legislação, entre outros.

Em 96 é criada a Comissão Permanente Regional do Benzeno, de caráter tripartite e que reúne periodicamente para avaliação do Programa de Prevenção Ocupacional da Exposição ao Benzeno - PPEOB, que deve ser elaborado pelas empresas que produzem, transportam, armazenam, utilizam ou mesmo manipulam o benzeno e suas misturas (Brasil, 1996). Dessa comissão, no estado da Bahia, participam o CESAT e a FUNDACENTRO, sob a coordenação da DRT, que visitam as empresas para o acompanhamento da avaliação ambiental realizado pelas indústrias, tendo em vista o cumprimento do Acordo Benzeno, assinado em nível nacional, entre empresários, governo e trabalhadores. Atualmente, todas as empresas do COPEC implantaram os Grupos de Trabalho do Benzeno (GTB), que desenvolvem atividades de controle da exposição a esse produto (Entrevista 01, Anexo 6). Além disso, atualmente, através do Projeto Carcinogênico, as instituições referidas levantam, nas empresas do Polo, os níveis de exposição a várias substâncias carcinogênicas, além do benzeno (Entrevista 01, Anexo 6).

Estes fatos são resultantes do processo de negociação para o controle da epidemia de benzenismo detectada no Pólo Petroquímico de Camaçari, ao lado de situações semelhantes que ocorriam em outras regiões do país, ganhando grande repercussão nacional e mobilizando diversos setores sociais para conhecê-lo e controlá-lo.

Um dos setores que marca sua presença nos desdobramentos desses eventos é a mídia impressa de Salvador, que comparece aos mesmos, registrando, divulgando e participando quase que cotidianamente da co-produção de fatos sobre a epidemia. Muitos desses fatos ganharam o estatuto de notícias nas páginas dos quatro jornais que cobriram o evento ao longo de dezoito meses.

Nesse momento da epidemia, as informações sobre questões de saúde do trabalhador saem do controle dos empregadores que habitualmente estigmatizam o trabalhador doente no mercado de trabalho (Camargo, 1988; Cohn at all, 1985). Enquanto isso, os empregados reduzem o temor em denunciar, ou de até mesmo falar sobre a doença ocupacional, dirigindo-se mais freqüentemente ao sindicato para tratar desse assunto. As informações que se encontravam sob o controle das empresas estudadas pela DRT são disponibilizadas aos trabalhadores, que até então desconheciam sua condição de saúde (Entrevista 03). Tais informações corriam então de boca em boca, no meio sindical, governamental e empresarial, sendo fomentada com a presença da mídia, tanto impressa como televisiva, encontrando ressonância intermidiática, principalmente nos jornais que tiveram maior presença e tempo de permanência na busca de notícias junto aos atores envolvidos.

A mídia é, para todos os atores, um importante caminho para se comunicar com a sociedade, um lugar privilegiado de fala, posto que amplamente visível. Um meio para fazer valer a sua verdade sobre os acontecimentos. Vale ressaltar que sobre isso os atores apresentam interpretações múltiplas e conflitantes, as quais são re-interpretadas pela mídia para dispô-las ao público.

É em meio a essa multiplicidade de interpretações em conflito que se estabelecem os confrontos, os diálogos e finalmente os acordos. Os jornais, como instituições sociais e politicamente situadas, imprimem à sua narrativa interpretações dos acontecimentos compatíveis com seu horizonte de expectativas para a solução do conflito.

De todo modo, os entrevistados avaliam como positiva a ação da mídia que, mesmo com seu sensacionalismo, colocou ao público uma questão de saúde ocupacional tradicionalmente tratada sob sigilo: "só há sensacionalismo quando você esconde, então

as empresas pagaram o preço de esconder…" (Entrevista 07). O fato dos jornais fazerem

a cobertura dos acontecimentos revelava, para os entrevistados que o assunto ganhara importância na sociedade, restando saber com que sentidos os jornais ofereceram o relato da epidemia ao público.