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CAPÍTULO II Epidemia na Cobertura Jornalística

2. Discussão

A leitura da narrativa jornalística tal como realizada neste capítulo, isto é, observando-se a temporalidade e as ressonâncias das notícias, sugere, desde já, um certo alinhamento diferenciado entre jornais e atores, bem como permite perceber algumas das preferências temáticas dos diferentes jornais.

Do inusitado da morte de um médico do trabalho à busca de informação por parte dos trabalhadores que vêm sua saúde ameaçada, os quatro jornais de Salvador, sob a liderança dos jornais AT e TB abrem à sociedade o debate em torno da epidemia de benzenismo no COPEC.

O Sindiquímica ocupa claramente o lugar de protagonista na narrativa midiática, pois é em torno de sua ação que todas as demais se estruturam, seja para responder às suas denúncias, como nos pronunciamentos das empresas, seja para intervir na realidade, a fim de controlar a epidemia, como nos pronunciamentos governamentais e mesmo empresariais, nos diferentes jornais. Um protagonismo que é alternado, em alguns

momentos, com os diferentes atores, os quais ganham a cena das notícias com suas ações e reações. Enquanto do lado sindical evidenciam-se discursos de protesto, de vigilância, de acompanhamento das investigações, de cobranças aos órgãos públicos e de críticas às empresas, do lado governamental e empresarial, conformam-se discursos que apontam para soluções, providências e mesmo para posturas defensivas face às acusações sindicais, num jogo permanente de perguntas e respostas, mentiras e verdades. Contudo, desse movimento, o Sindiquímica parece ser pressionado, nessa narrativa, pelos jornais AT e CB, a sair da posição de mero denunciante e agir em defesa do próprio Polo e, mais precisamente, do emprego, sendo "convidado", através da crítica a que lhe dirigem, a defender a empresa para defender o emprego.

Ao recompor-se os fragmentos dos textos jornalísticos do conjunto dos jornais como uma única narrativa, aparecem os momentos de tensão que surgem no ano de 1990, quando os casos são desvendados. Uma tensão estabelecida no diálogo entre os jornais, a qual é indicada pelo número de notícias sobre o assunto e pelo tom dos seu títulos. Estes revelam ao público novos casos e abrem horizontes de expectativas que se anunciam repletos de ambigüidades.

A narrativa atinge seu clímax, com a visita do Ministro da Saúde, o que significa o reconhecimento oficial do problema. O assunto é promissor, atraindo a atenção do público, justificando-se o esforço dos jornais para mantê-lo na pauta. A sua permanência nos jornais se faz, então, através do fantástico desdobramento de fatos e da capacidade de respostas que um jornal provoca sobre o outro. A existência de quatro veículos é, seguramente, um fator de manutenção do assunto por tão longo tempo na mídia, sendo um aspecto favorável à luta dos trabalhadores por saúde. Se uma agência silencia, a outra questiona, provocando respostas e criando novos fatos, abrindo-se o debate de modo favorável ao desdobramento das negociações para o controle da epidemia.

Silêncios e refluxos no número de notícias indicam os momentos de distensão, bem como os tipos de eventos focalizados, revelando-se uma certa repetição de denúncias, de pronunciamentos das empresas que duvidam do problema, mas que, a despeito disso, prometem investimentos.

A morte de um médico, a morte de um operário, a visita do Ministro da Saúde ao Polo, o parecer da DRT sobre a intervenção na Nitrocarbono, o surgimento de novos casos em novembro de 1990, a decisão governamental sobre intervenção da DRT na empresa, o

acordo entre governo, empresa e trabalhadores, os resultados de exames da Saúde e os investimentos da Nitrocarbono em controle ambiental são pontos de consonância nas narrativas dos jornais. Estes percorrem o período de seis meses, até o mês de janeiro de 1991.

Após um período de silêncio, os jornais voltam a tratar do assunto, confluindo na publicação do convênio das empresas com a Fundação José Silveira, para realizar pesquisa que elucidaria o problema. Publicam ainda denúncias dos trabalhadores, ações governamentais e empresariais.

O "esfriamento" do assunto nos jornais se dá, provavelmente, devido à perda do caráter de fatos inusitados, quando os acontecimentos, desde que banalizados, não mais atraem o olhar do público, deixando portanto de interessar também à mídia. Uma banalização que se constrói, por uma lado, pela evidente perda de interesse por parte do governo para com o assunto, esquecendo-se das promessas e mantendo-se no já habitual lugar de omissão sobre as questões da saúde dos trabalhadores. Por outro lado, verificam-se perdas para os trabalhadores, cuja força política se reduz em função de um contexto sócio-econômico que favorece aos cortes do emprego, em que os riscos do desemprego são crescentes e o corte da complementação salarial é um fato. A reintegração ao trabalho, mesmo em estado leucopênico, tende à aceitação por parte dos trabalhadores, posto que significa a manutenção do emprego.

A despeito disso, os sindicatos trabalhistas continuam denunciando novos casos de doenças ocupacionais e os jornais mantêm o assunto em pauta. Contudo, as ações de políticos, as palavras de especialistas, as ações das empresas e dos sindicatos dos trabalhadores já não trazem novidades, uma vez que não conseguem romper a circularidade com que os fatos se desdobram, apontando para um certo esgotamento/encurtamento do horizonte de expectativas do leitor em relação ao assunto. Os desdobramentos ocorridos até aqui, encontravam no horizonte a solução para a epidemia: um acordo em que o governo investigaria, as empresas investiriam e o sindicato permaneceria denunciando. Desse modo, os jornais deixam ao leitor uma narrativa aberta, no tempo e no espaço, repleta de sentidos orientados a horizontes de expectativas diversos, mas que encerram em si, um sentido de repetição de um modo de experimentar as questões de saúde ocupacional no Polo Petroquímico de Camaçari, onde o poder empresarial define o alcance das expectativas dos diferentes atores sociais.

A leitura dessa macronarrativa, observando-se os pontos de confluência, revela algumas tendências nas narrativas dos jornais, as quais serão melhor estudadas na análise de cada narrativa separadamente, em dissonância, conforme se procede no capítulo que segue.