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Tradicionalmente a carne bovina é considerada uma commodity, um produto com baixo valor agregado e sem diferenciação, o que tem condicionado uma competição exclusivamente relacionada ao preço. Essa visão gera, como conseqüência, um produto de baixa qualidade. No varejo em geral, a carne é vendida sem diferenciação de origem ou qualidade. Esse, atualmente, é um fator que faz com que o Brasil fique em desvantagem frente aos demais países do Mercosul, que colocam no mercado grande quantidade de cortes diferenciados, valorizando a qualidade e adicionando valor ao produto (FERREIRA; BARCELLOS, 2001).

Diversos trabalhos de pesquisa citam, cada vez com mais freqüência, o movimento dos agentes da cadeia produtiva na busca de alternativas para a mudança dessa situação. A evidenciação das qualidades intrínsecas do produto final, que garanta uma maior satisfação dos consumidores, é uma forma que vem sendo utilizada para promover a diferenciação do produto. Neste sentido, surgem propostas como alianças mercadológicas de produção, de processamento e de distribuição da carne de novilho jovem, a exemplo do “Programa novilho Precoce”. Podem ser citadas, também, propostas de associações de criadores, como a Associação de Criadores de Nelore, que desenvolvem programas de certificação de qualidade (PEDROSO, 2002). Estas iniciativas surgem como alternativas tecnicamente corretas e economicamente viáveis, com vistas ao aumento do valor agregado do produto, na medida em que este apresenta características peculiares que o tornam diferenciado e com qualidade reconhecidamente superior.

No entanto, para que a carne de novilho precoce possa efetivamente ser considerada como um produto diferenciado, ela deve ser devidamente identificada como tal pelo

consumidor final. Para tanto, a utilização da marca como instrumento de diferenciação do produto é necessária, visando este reconhecimento, e a garantia das vantagens que tal situação confere. Vale ressaltar que a implantação e o gerenciamento da marca devem ser realizados de maneira correta (FERREIRA; BARCELLOS, 2001).

A certificação ou utilização de selos de qualidade também são maneiras de diferenciar a oferta, asssegurando que o produto ou serviço possua os atributos que estão sendo garantidos pela empresa certificadora. A certificação é um dos mecanismos de garantia de qualidade que pode ser usado nos sistemas agroindustriais, e é uma forma de transmitir informações sobre a segurança do produto e diferenciar a qualidade superior dele. A sua necessidade surge, como dito em capítulo anterior, num mercado onde há assimetria informacional e desconfiança dos consumidores em relação a qualidade dos produtos (LAZZAROTTO, 2001).

Na busca da diferenciação de produtos e melhorias das exportações ocorridas nos últimos anos, várias tentativas de coordenação do segmento pecuário de corte foram observadas. Estas iniciativas ocorreram, principalmente, por intermédio de associações ou grupos de produtores com interesses econômicos comuns. Eles buscavam, fundamentalmente, aumentar a competitividade e a lucratividade de seus negócios, por intermédio de uma melhor relação entre os elos da cadeia produtiva formalizada por parcerias com frigoríficos e distribuidores.

Um dos principais casos foi descrito por Perosa (1999), em estudo feito sobre a coordenação do sistema agroalimentar da carne bovina. Nesse trabalho de pesquisa, o autor cita o caso da FUNDEPEC - Fundo de Desenvolvimento da Pecuária do Estado de São Paulo, que foi organizado em maio de 1990, por entidades ligadas aos pecuaristas, com a finalidade de combater a febre aftosa. Entretanto, no final de 1996, o fundo começou a debater a formação de uma aliança mercadológica entre pecuaristas, frigoríficos e supermercados, com objetivo de garantir uma oferta de carne bovina com o conceito de qualidade total. Neste sentido, foram estabelecidas normas para cada segmento parceiro, que delimitariam regras de oferecimento da carne com atributos específicos de qualidade.

Recentemente, outras iniciativas parecidas tomaram forma e proporções significativas na pecuária brasileira, como o ”Programa de Criação de Bovinos Super Precoce”, organizado por pesquisadores da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia

da UNESP-Botucatu, o programa da “Carne Nelore Natural”, criado pela Associação Brasileira de Criadores de Nelore entre outros (FELICIO; VIACAVA, 2000).

Os pontos em comum dessas iniciativas empreendidas são a busca de atributos de qualidade para segmentar mercados consumidores e, também, o estabelecimento de sistemas de certificação ou criação de marcas para diferenciar o produto. Neste contexto, torna-se importante o desenvolvimento do presente trabalho, pois nos casos de segmentação de mercados existem, aparentemente, divergências quanto aos métodos empregados para essa finalidade.

6 PROPOSTA DE ANÁLISE DA COMPETITIVIDADE NOS SISTEMAS DE CERTIFICAÇÃO

A análise da competitividade das diferentes estratégias de diferenciação da carne bovina, através da utilização de selos de qualidade ou marca, foi realizada a partir de “direcionadores de competitividade”. Estes direcionadores conforme proposto por Silva e Batalha (1999), podem ser agrupados em quatro grandes blocos de fatores que contribuem de forma negativa ou positiva no desempenho competitivo do sistema:

a) Fatores controláveis pela firma; b) Fatores controláveis pelo governo; c) Fatores quase-controláveis;

d) Fatores não controláveis.

Este trabalho destacou os três primeiros blocos de direcionadores (fatores controláveis pela firma; fatores controláveis pelo governo e fatores quase-controláveis). Os fatores não controláveis, apesar de serem importantes na análise da competitividade da cadeia produtiva como um todo, não foram abordados neste estudo.

A priori, a não relevância dos fatores não controláveis, como clima ou fenômenos

naturais, é dada pela baixa interferência deles no processo de concessão ou funcionamento dos procedimentos ligados a obtenção e manutenção do selo de qualidade, não afetando assim, a eficiência do mesmo. Entretanto, eles podem estar diretamente ligados ao desempenho de uma estratégia competitiva de uma empresa ou de um grupo de produtores. Outro ponto relevante deve-se ao fato de que perdas de competitividade devido a fatores não controláveis afetam indiferentemente todos os sistemas de certificação ou de marca, não determinando um diferencial competitivo individualizado para cada um dos casos em análise. Apenas o impacto sistêmico destes direcionadores junto aos fatores controláveis pela firma foi analisado, sendo classificado como de impacto secundário na competitividade dos casos que foram discutidos.

Uma adaptação da proposta de Silva e Batalha (1999) foi realizada em relação aos blocos de direcionadores que foram utilizados nesse estudo. Mantiveram-se os direcionadores propostos pelos autores e que estavam em maior conformidade aos que foram avaliados neste trabalho de pesquisa, e novos direcionadores, provenientes da teoria

dos custos de transação e do direito de propriedade, foram propostos. A análise comparativa destes direcionadores entre os atores do sistema de cada caso estudado determinará a competitividade relativa entre eles. O modelo de análise e a descrição dos direcionadores estão apresentados na figura 18.

Figura 18 - Modelo de análise e descrição dos direcionadores de competitividade.

Fonte: Adaptado de Batalha e Silva, 2000.

- Instituições públicas - Normas

- Direitos de propriedade - infra-estrutura técnico-

científica

SISTEMA DE CERTIFICAÇÃO AGROINDUSTRIAL

Fatores controláveis pela firma Fatores controláveis

pelo governo Fatores quase controláveis

COMPETITIVIDADE - Qualidade - Tecnologia - Estratégia competitiva: Diferenciação de produtos Segmentação mercado

- Especificidade dos ativos - Custos de transação - Freqüência das transações

- Instituições privadas - Assimetria de informações - Oportunismo dos agentes - Competição entre os agentes e novos concorrentes

- Incerteza nacional/internacional

6.1 Fatores controláveis pelo governo

Os fatores controláveis pelo governo compõem um grupo de direcionadores que causam impacto em todo o sistema. A correta compreensão destes fatores por parte dos agentes e das organizações serve de subsídio para a construção de estruturas de governança adequada a cada arranjo específico. Estes fatores também moldam o tipo de investimento a ser feito e muitas vezes inviabilizam estratégias, determinando, dessa maneira, a tomada de decisão por parte das organizações.

Um mercado eficiente é resultado de instituições que aproveitam oportunidades mercadológicas com custos de transação baixos. O conjunto de instituições públicas e privadas é responsável por fornecer as condições necessárias para influenciar a competitividade do sistema de produção. Especificamente, em relação às instituições públicas relacionadas aos sistemas de certificação e marca, foram analisados aspectos a partir dos questionamentos, citados a seguir:

- se existem instituições públicas necessárias para a certificação e se elas são eficientes;

- se as instituições públicas ligadas ao setor de pecuária de corte são eficientes; - se as instituições públicas estabelecem normas necessárias para a certificação; - se as instituições públicas existentes fornecem condições necessárias para a

diminuição dos custos de transação.

Os mesmos questionamentos são pertinentes para as instituições privadas, entretanto estas fazem parte dos fatores quase controláveis e serão apresentadas mais adiante.

As instituições também são responsáveis por criar, manter e garantir os direitos de propriedade. Na comparação dos sistemas alvos desse trabalho foram analisados a eficiência das instituições na criação dos direitos de propriedade e a capacidade de fazer valer estes direitos.

Sobre a ótica da influência dos direitos de propriedade na competitividade do sistema de certificação/marca foram analisados os seguintes pontos:

- o impacto da alocação dos direitos de propriedade na eficiência das organizações envolvidas nos sistemas de certificação/marca;

- se o sistema de certificação/marca está formalmente estabelecido e solidificado, com os direitos de propriedade corretamente constituídos;

- se o direito de apropriação do selo/marca visando o ganho na atividade econômica está bem definido e caracterizado;

- se o direito de propriedade é bem definido e possibilita maior segurança no investimento em ativos específicos.

Com a análise destes pontos esperou-se verificar se a variação do grau de consolidação dos direitos de propriedade aumenta os investimentos no ativo específico (selos ou marcas). E, também, se como conseqüência desse aumento, ocorre proporcionalmente, aumento na competitividade a partir da estratégia aplicada para a segmentação e diferenciação dos produtos. A Figura 19 representa de forma gráfica a curva de investimentos e de competitividade.

Direito de Propriedade X Investimento

Estabelecimento do Direito de Proriedade

In ve sti m en to s competitividade

Figura 19 - Curva de investimentos e de competitividade.

Fonte: Elaborado pelo autor

O último direcionador controlado pelo governo é o investimento na infra-estrutura técnico-científica. Para o desenvolvimento competitivo da atividade econômica, faz-se

necessária a criação de instituições de desenvolvimento técnico-científico, sejam elas públicas ou privadas. Também, é importante a existência de políticas de incentivo a pesquisa e inovação tecnológica. Assim, foram ainda, analisadas a existência de instituições envolvidas no desenvolvimento dos sistemas de certificação/marca, como também, no incentivo à inovação neste seguimento.

Especificamente sobre o incentivo à inovação tecnológica, foi observada a atuação das instituições públicas no fomento a políticas de inovação tecnológica, bem como o incentivo à pesquisa de novos produtos ou técnicas de produção a serem utilizadas como diferencial competitivo.

Cabe ressaltar que a eficiência depende da capacidade de coordenação e de governança dos componentes do sistema produtivo. Embora estes dois processos não sejam apenas promovidos ou apoiados pelo governo, foi importante analisar as instituições e sua influência na coordenação dos diversos elos da cadeia de produção, os tipos de coordenação e os instrumentos de governança propostos para cada caso estudado neste trabalho.