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Alienação, interioridade e exterioridade: além da dialética

2 CAPITAL MULTICULTURAL CONTEMPORÂNEO

2.3 Alienação, interioridade e exterioridade: além da dialética

O conceito alienação é uma categoria de análise que integra a abordagem materialista dialética. A teoria da alienação aparece na obra de Karl

Marx pela primeira vez em 1844, nos Manuscritos Econômicos Filosóficos, e seus intérpretes entre os autores contemporâneos são Mészáros (2006), Harvey (2016) e Konder (2009). Na análise de Cherobini (2015), sobre a obra de István Mészáros, o processo de alienação acontece,

para Marx, por causa das mediações capitalistas que se afirmam sobre o controle do metabolismo social, o homem se torna alienado:

1) da natureza (como própria realidade sensível e como produto transformado do trabalho); 2) de si mesmo (de sua atividade); 3) de seu

ser genérico (seu ser como membro da espécie humana); e 4) dos outros homens como tais. Como resultado, tudo se torna “coisificado” e passível de ser transformado em mercadoria (CHEROBINI, 2015, p.1).

Portanto, na própria teoria marxista aparece a ideia de alienação da natureza, considerada como a realidade sensível e produto transformado pelo trabalho do homem. A teoria da alienação em Marx fala claramente daquilo que é discutido como a alienação do território usado nesta no contexto da APA e do Parque em Rede da Pedra de Xangô.

Isso permite uma ruptura com o que pode ser considerado como alienação pela natureza? Alienação pela cultura? É uma das questões que a pesquisa de campo vai poder responder.

Segundo Santos (2000), como categoria do espaço, território possui laços com política, economia, cultura e linguagem, sendo que a linguagem é considerada por ele como uma emanação do uso do território pela economia e pela cultura.

O território não é apenas o resultado da superposição de um conjunto de sistemas naturais e um conjunto de sistemas de coisas criadas pelo homem. O território é o chão e mais a população, isto é, uma identidade, o fato e o sentimento de pertencer aquilo que nos pertence. O território é a base do trabalho, da residência, das trocas materiais e espirituais e da vida, sobre as quais ele influi. Quando se fala em território deve-se, pois, de logo, entender que se está falando em território usado, utilizado por uma dada população... [...] (SANTOS, 2000, p. 97).

Também foi importante analisar o recorte do espaço urbano adotado a partir das categorias operacionais propostas por Santos em Espaço e Método (1992, cap. 4, p.49): Estrutura Processo, Função e Forma como Categorias do Método Geográfico. Por isso iniciou-se essa “interpretação” com o processo de identidade, cultura e hibridismo e, posteriormente, com a análise da função da cultura como capital.

Todas as partes de uma totalidade devem ser definidas pelo menos grosso modo, ainda que a definição possa tornar-se limitante. Palavras como

diferentes, que cada uma delas acaba encerrando, para diferentes intérpretes, diferentes nuanças de sentido. [...] (SANTOS, 1992, p.50).

Feita essa ressalva, colocada pelo próprio Santos (1992) sobre tais categorias de análise, considerou-se importante esclarecer que elas foram utilizadas nesta pesquisa para caracterizar as áreas da APA e do Parque em Rede, para, a seguir, recorrer-se a território usado como categoria de análise. Principalmente por ser dada prioridade à população que habita essa área e sua relação com a mesma, no sentido de relação homem x natureza.

Quaini (2002) aborda um aspecto importante do que pode ser considerado como a distinção feita por Karl Marx em relação à

comunidade, que se limita à simples reprodução das condições de

produção e dos indivíduos, do capital, que opera a produção da própria riqueza e portanto o desenvolvimento universal das forças produtivas como pressuposto de sua reprodução [...] (QUAINI, 2002, p.129).

Essa distinção foi levada em conta ao se problematizar sobre a relação entre o indivíduo e a natureza ou o indivíduo e o território, do ponto de vista do território usado, ou simplesmente da relação do homem com a natureza, muitas vezes referindo-se ao indivíduo inserido na comunidade e ao que é chamado de simples reprodução das condições de produção.

Marx, segundo Quaini (2002), questiona a esse respeito sobre

[...] o que é a riqueza se não a universalidade das necessidades das capacidades, dos prazeres, das forças produtivas, etc., dos indivíduos, criada na troca universal? O que é senão o pleno desenvolvimento do domínio do homem sobre as forças da natureza, quer sobre as chamadas da natureza, quer sobre as da própria natureza? O que é senão a manifestação absoluta de seus dotes criativos, sem outro pressuposto a não ser o desenvolvimento histórico precedente, que torna esta totalidade do desenvolvimento um fim em si mesma, (sic) isto é, do desenvolvimento de todas as forças humanas como tais, não mediadas a partir de uma métrica já dada? [...] (MARX, K. Lineamenti, pp 112-3, apud QUAINI, 2002, p.129).

A discussão sobre o domínio do homem sobre as forças da natureza, no sentido de meio natural, ou das forças da natureza do próprio homem, em relação à sua personalidade e subjetividade, no sentido da identidade, e do rebatimento que as questões relativas à produção e reprodução do capital têm sobre esses acontecimentos, em muitos casos, é negligenciada como função do mecanismo do capital que faz o controle social.

Espaço”, Santos (2006, p.73) coloca uma questão que se tornou essencial na elaboração desta tese, citando R. Brunet (1962) sobre o sonho do filósofo compartilhado com geógrafos, em apreender o real em sua totalidade.

Cabe, sem dúvida, ao geógrafo propor uma visão totalizante do mundo, mas é indispensável que o faça a partir de sua própria província do saber, isto é, de um aspecto da realidade global. Para isso, a primeira tarefa é a construção de uma filosofia menor, isto é, uma metageografia que ofereça um sistema de conceitos capaz de reproduzir, na Inteligência, as situações reais enxergadas do ponto de vista desta província do saber. A primeira tarefa, sem a qual o requisito da pertinência não será atingido, é bem circunscrever o nosso objeto de trabalho (SANTOS, 2006, p.73).

Num mundo onde a referência é a globalização, a opção em relação à totalidade como categoria de análise para a construção desta tese pareceu ser a mais indicada. No caso, a totalidade concreta assume a forma de um polígono que define a área de uma APA, onde está circunscrito um Parque em Rede, uma totalidade em quarta instância.

Em nosso ponto de vista, um caminho seria partir da totalidade concreta como ela se apresenta neste período de globalização – uma totalidade empírica – para examinar as relações efetivas entre a Totalidade-Mundo e os lugares. Isso equivale a revisitar o movimento do universal para o particular e vice-versa, reexaminando, sob esse ângulo, o papel dos eventos e da divisão do trabalho como uma mediação indispensável (SANTOS, 2006, p.73).

Destaca Santos (2006) que a noção de totalidade é um legado da filosofia, uma totalidade densa e complexa e que tem como parâmetro o fato de que o universo não é desordenado. Cita o risco de se trabalhar com uma totalidade confusa e remete para os ensinamentos de Karel Kosik, que considera a decomposição do todo o traço mais característico do conhecimento. Tem-se, então, uma totalidade mundo, o planeta; uma totalidade Bahia; uma totalidade Salvador e uma totalidade APA do Vale da Avenida Assis Valente. Cada uma com sua forma específica, de acordo com a escala adotada (Figura 13). No caso da APA, portanto, uma totalidade em quarta instância.

Figura 13 – Mapa oficial da APA e do Parque em Rede divulgado pela Prefeitura.

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Fonte: Prefeitura Municipal de Salvador.

Os bairros localizados no entorno da área onde foi criada a APA (Figura 14), têm uma característica comum, por serem áreas periféricas onde a infraestrutura urbana é bastante deficitária.

Figura 14 – A área de estudo e seu entorno no bairro de Cajazeiras.

Organização: Carlos Alberto Caetano, 2019.