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Geografia da rua : revelando a gestão de bens territoriais em recorte do espaço urbano de Salvador - BA

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS Instituto de Geociências

CARLOS ALBERTO CAETANO

GEOGRAFIA DA RUA

Revelando a gestão de bens territoriais em recorte do espaço urbano de Salvador - BA

CAMPINAS 2019

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CARLOS ALBERTO CAETANO

GEOGRAFIA DA RUA

Revelando a gestão de bens territoriais em recorte do espaço urbano de Salvador - BA

TESE APRESENTADA AO INSTITUTO DE

GEOCIÊNCIAS DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS PARA A OBTENÇÃO DO TÍTULO DE DOUTOR EM GEOGRAFIA NA ÁREA DE ANÁLISE AMBIENTAL E DINÂMICA TERRITORIAL

ORIENTADORA: PROFA. DRA. ARLÊUDE BORTOLOZZI

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELO ALUNO CARLOS ALBERTO CAETANO E ORIENTADA PELA PROFA. DRA. ARLÊUDE BORTOLOZZI.

CAMPINAS 2019

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Marta dos Santos - CRB 8/5892

Caetano, Carlos Alberto,

C116g CaeGeografia da rua : revelando a gestão de bens territoriais em recorte do espaço urbano de Salvador - BA / Carlos Alberto Caetano. – Campinas, SP : [s.n.], 2019.

CaeOrientador: Arlêude Bortolozzi.

CaeTese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Geociências.

Cae1. Geografia Urbana - Salvador (BA). 2. Áreas de conservação de recursos naturais. 3. Mata Atlântica - Conservação. 4. Xangô (Culto). 5. Cultura afro-brasileira. I. Bortolozzi, Arlêude, 1947-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Geociências. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Street geography : revealing the management of territorial assets in cut of the urban space of Salvador - BA

Palavras-chave em inglês: Urban Geography - Salvador (BA) Natural resources conservation areas Mata Atlântica (Brazil) - Conservation Xango (Cult)

African-Brazilian culture

Área de concentração: Análise Ambiental e Dinâmica Territorial Titulação: Doutor em Geografia

Banca examinadora:

Arlêude Bortolozzi [Orientador] Antonio Carlos Vitte

Mauricio Roberto da Silva Janio Roque Barros de Castro Vicente Eudes Lemos Alves Data de defesa: 31-07-2019

Programa de Pós-Graduação: Geografia Identificação e informações acadêmicas do(a) aluno(a)

- ORCID do autor: https://orcid.org/0000-0001-8593-1215 - Currículo Lattes do autor: http://lattes.cnpq.br/9499404554848621

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AUTOR: Carlos Alberto Caetano

GEOGRAFIA DA RUA

Revelando a gestão de bens territoriais em recorte do espaço urbano de Salvador - BA

ORIENTADORA: Profa. Dra. Arlêude Bortolozzi

Aprovado em: 31 / 07 / 2019

EXAMINADORES:

Profa. Dra. Arlêude Bortolozzi - Presidente Prof. Dr. Antonio Carlos Vitte

Prof. Dr. Mauricio Roberto da Silva Prof. Dr. Janio Roque Barros de Castro Prof. Dr. Vicente Eudes Lemos Alves

A Ata de defesa com as respectivas assinaturas dos membros, encontra-se disponível no SIGA - Sistema de Fluxo de Tese e na Secretaria de

Pós-graduação do IG.

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RESUMO

Esta tese de doutorado contempla uma discussão ampla sobre a importância da rua como território usado no espaço urbano para revelar aspectos relativos à cultura da população que a habita. Essa cultura urbana sobre a qual a tese problematiza, envolve principalmente questões sobre a gestão dos bens territoriais que se revelam nos recortes das cidades formados por ruas de diferentes classificações. De acordo com a tese apresentada essas ruas podem ser chamadas de ruas estruturantes, aquelas que estruturam o recorte adotado para a problematização; ruas transversais, aquelas que ligam as ruas estruturantes com as ruas locais, que funcionam como veias que irrigam o espaço com a circulação de pessoas, meios de transportes, informações, comportamentos culturais e, principalmente, capital. Traz um conceito novo para a análise do espaço urbano, a saber, a existência de um capital multicultural contemporâneo, definidor de estratégias de ocupação, de marketing, de bens territoriais e culturais. Projetada sobre o espaço urbano da periferia de Salvador em área denominada Cajazeiras, que inclui bairros como Fazenda Grande I, II, III, IV, Boca da Mata e Cajazeiras 10 e 11, a tese toma como principal referência a política pública estabelecida pela prefeitura de Salvador em relação à Pedra de Xangô, um ícone totêmico relacionado com as culturas de matrizes africanas que se manifestam entre negros e mestiços da capital baiana, o candomblé. Pra problematizar sobre a questão a tese traz também o conceito de ecologia de axé, palavra de origem Yorubá, uma das matrizes negras da cultura baiana, denominada no candomblé de nação Ketu, mas registra que existem outras matrizes que falam outras línguas africanas, o Fon, de candomblés de nação Jêje e o Bantu, de candomblés de nação Angola. Todo esse caldeirão cultural religioso mobilizou pessoas e entidades na defesa e preservação da Pedra de Xangô, mas a tese identifica que ao implantar a política pública um enfrentamento entre o Estado da Bahia e o Município de Salvador , que tombou a área da Pedra criando uma APA e um Parque Municipal, o que terminou dividindo os adeptos do culto à Pedra em grupos distintos, que se opõem em relação à como deve ser conduzida essa política pública. Para compreender essas questões a tese buscou a opinião de estudantes de colégios estaduais estabelecidos na área e de lideranças da sociedade organizada. O resultado, ouvidos integrantes de diversa religiões, mostra que o Estado tem falhado na implantação da política pública pelo velho hábito de não ouvir a sociedade, criando grupos de apoio apresentados como representativos à opinião pública mas que seguem orientação do ente administrativo ao qual são vinculados. A tese estabelece como referência o fato de que a especulação imobiliária e a ocupação irregular se prevalecem da ambiguidade dos comportamentos oficiais e se expandem no espaço urbano, inclusive na área tombada. Ao mesmo tempo a tese mostra que as empresas imobiliárias começam a implantar empreendimentos nesse recorte, demonstrando que a categoria valor se impõe sobre as categorias cultura e bens territoriais urbanos.

PALAVRAS CHAVES: GEOGRAFIA DA RUA; PEDRA DE XANGÔ; ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL; CAJAZEIRAS - SALVADOR.

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ABSTRACT

This doctoral thesis contemplates a wide discussion about the importance of the street as territory used in the urban space to reveal aspects relative to the culture of the population that inhabits it. This urban culture, on which the thesis is problematic, mainly involves questions about the management of the territorial goods that are revealed in the cut-outs of cities formed by streets of different classifications. According to the thesis presented these streets can be called structuring streets, those that structure the cut-off adopted for the problematization; cross streets, those that link the structuring streets with the local streets, which act as veins that irrigate the space with the circulation of people, means of transport, information, cultural behaviors and, mainly, capital. Brings a new concept for the analysis of the urban space, namely the existence of a contemporary multicultural capital, defining strategies of occupation, marketing, territorial and cultural assets. Based on the urban space of the outskirts of Salvador, in an area called Cajazeiras, which includes districts such as Fazenda Grande I, II, III, IV, Boca da Mata and Cajazeiras 10 and 11, the main thesis is the public policy established by the Salvador in relation to the Stone of Xangô, a totemic icon related to the cultures of African matrices that are manifested between blacks and mestizos of the Bahian capital, candomblé. In order to problematize on the subject the thesis also brings the concept of ecology of axé, word of origin Yoruba, one of the black matrices of the Bahian culture, denominated in the candomblé of nation Ketu, but records that there are other matrices that speak other African languages, Fon , of candomblés of nation Jêje and the Bantu, of candomblés of nation Angola. All this religious cultural cauldron mobilized people and entities in the defense and preservation of the Stone of Xangô, but the thesis identifies that when implementing the public policy a confrontation between the State of Bahia and the Municipality of Salvador, that overturned the Stone area creating an APA and a Municipal Park, which ended up dividing the adepts of the Stone cult into distinct groups, who oppose in relation to how this public policy should be conducted. To understand these questions, the thesis sought the opinion of students from established state colleges and organized society leaderships. The result, heard by various religions, shows that the State has failed to implement public policy because of the old habit of not listening to society, creating support groups that are representative of public opinion but follow the guidance of the administrative entity to which they are linked . The thesis establishes as a reference the fact that real estate speculation and irregular occupation prevail over the ambiguity of official behavior and expand in urban space, including in the area dropped At the same time, the thesis shows that the real estate companies are starting to implement projects in this cut, demonstrating that the value category is imposed on the categories of urban land and culture.

KEY WORDS: STREET GEOGRAPHY; XANGÔ STONE; ENVIRONMENTAL PROTECTION AREA; CAJAZEIRAS - SALVADOR.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 9

1 A RUA ... 15

1.1 Exemplos de classes de ruas ... 20

1.1.1 A avenida Assis Valente... 25

1.2 Qual o valor da rua? ... 27

2 CAPITAL MULTICULTURAL CONTEMPORÂNEO ... 39

2.1 Processo de identidade, cultura e hibridismo ... 44

2.1.1 Patrimônio que a escravidão não extinguiu ... 46

2.2 Uma função: a cultura como capital e o papel do Estado. ... 47

2.3 Alienação, interioridade e exterioridade: além da dialética. ... 52

2.4 Contra-racionalidade urbana : teses, antíteses e sínteses ... 57

2.4.1 Primeiro par de opostos: Cooperação X Competição ... 58

2.4.2 Segundo par de opostos: mercado urbano x território urbano ... 60

2.4.3 Terceiro par de opostos: consenso x conflito ... 64

2.5 Metodologia de Análise de Dados ... 66

2.6 Salto entre quantidade e qualidade ... 70

3 ECOLOGIA DE AXÉ ... 74

3.1 Mata Atlântica e Etnobotânica: ciência e religião unidas ... 75

3.2 Cidade e cultura urbana... 76

3.3. Movimentos sociais e línguas africanas ... 82

3.3.1 Afro-Fashion e consumo identitário ... 84

3.3.2 A identidade de resistência ... 87

3.3.3 Triangulação Ketu/Jêje/Bantu ... 89

3.3.4 A identidade comunitária e a identidade cultural ... 92

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4. A VOZ DA RUA NO TRABALHO DE CAMPO ... 102

4.1 Revelando as resistências e discordâncias ... 105

4.2 Gestão e Poder Público ... 110

4.3 A ausência de setores da sociedade ... 112

4.4 Enfrentamento político. ... 113

4.5 A escolha das escolas como fonte de pesquisa ... 115

4.5.1 Os colégios estaduais no entorno da área tombada ... 118

4.6 A voz das redações dos estudantes ... 121

4.6.1 A cartografia afetiva ou cartografia social participativa. ... 126

4.7 A questão dos transportes ... 134

4.7.1 As redações sobre os transportes ... 139

4.8 Um resultado que surpreende...142

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS E INDICAÇÕES ... 158

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INTRODUÇÃO

A tese que esta pesquisa contempla enfoca aspectos da ciência Geografia na contemporaneidade. Um deles, a multiplicidade de olhares sobre um mesmo problema, é bastante explicitado quando a tese considera questões culturais e territoriais combinadas com conceitos ambientais. Apresenta, por isso mesmo, aspectos contraditórios do mundo atual, quando a sociedade humana está vivendo o enfrentamento de situações limítrofes socioambientais.

A pesquisa que deu origem à tese buscou identificar possibilidades de alternativas e novos usos do território urbano, aqui tratado como território usado, considerado desde Milton Santos como seu sinônimo, onde o cotidiano mostra que a sociedade vive uma crise dos paradigmas.

É nesse contexto que a ciência geográfica vê surgir a emergência de novas entidades étnicas, religiosas, culturais, ambientais e urbanas, como as que a tese registra a existência no contexto de um recorte da cidade de Salvador, capital da Bahia.

Todos esses aspectos se relacionam com os objetivos desta tese que busca compreender, do ponto de vista geográfico, a dinâmica da sociedade humana em sua relação com o elemento natural, com o território que ocupa, com o capital simbólico coletivo (Harvey, 2005, p.232), instalado na sociedade global e dos seres humanos entre si. Em resumo, compreender como o ecossistema do capital (Harvey, 2016, p.237), opera no recorte do espaço urbano adotado para a pesquisa e como isso se reflete na relação das pessoas com as ruas e das ruas com as pessoas, recorrendo a dois conceitos criados para a tese, “Ecologia de Axé” e “Capital Multicultural Contemporâneo”.

A síntese desse processo que fetichiza a relação entre os seres humanos e o elemento natural, transformando ambos em mercadorias, é contextualizada no processo de construção desta tese, naquilo que está sendo denominado como “A Geografia da Rua”, onde o território usado expressa a relação da sociedade com o elemento natural, tomando como referências o próprio meio

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natural, a cultura, a religião e os bens territoriais, em um recorte específico da periferia de Salvador, Bahia.

A tese pode ser justificada devido às mazelas existentes no corpo social e que se mostram bastante explícitas na área escolhida para o estudo. Por se tratar de uma área totalmente localizada no espaço urbano, permite questionamentos e reflexões sobre a relação entre a sociedade e a natureza pelo menos de três pontos de vista específicos: primeiro, em relação à rua, que é analisada como território usado, no caso território localizado em uma área periférica da cidade; segundo, quanto às questões relativas à população que tem sua habitação localizada nesse território e que dizem respeito a como essa população se relaciona com a rua como território, com a cultura que ela produz e reproduz nesse território; terceiro, com destaque para como essa população se relaciona com os bens territoriais estabelecidos no/sobre o meio natural.

Avalia-se como importante que a Pós-graduação em Geografia do Instituto de Geociências da UNICAMP, ao promover um curso de Doutorado na modalidade DINTER, com a Universidade do Estado da Bahia, UNEB, possa participar do debate sobre as questões socioambientais e culturais da capital baiana do ponto de vista de uma concepção contemporânea do fenômeno urbano. Além disso, uma tese com a característica da que está sendo apresentada, pode contribuir na consolidação de uma relação de transdisciplinaridade da Geografia com a Filosofia, a Arquitetura, a Sociologia e a Antropologia, entre outras ciências.

O Diário Oficial do Município, publicado pela Prefeitura Municipal de Salvador, em sua edição nº 6620 de 30 de junho de 2016, trouxe a publicação da Lei 9.069 de 2016, que dispõe sobre o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano do Município de Salvador, institucionalizando em seu CAPÍTULO VI a criação da APA Municipal do Vale da Avenida Assis Valente e o Parque em Rede da Pedra de Xangô, no bairro de Cajazeiras. Isso foi resultado de anos de lutas de religiosos, ambientalistas, pesquisadores e simpatizantes dos cultos de matrizes africanas, onde Xangô pontua como um orixá e rei africano, um orixá ligado ao fogo, às pedreiras e à Justiça.

A APA Municipal do Vale da Avenida Assis Valente e o Parque em Rede da Pedra de Xangô são as primeiras Unidades de Conservação dessas características criadas em Salvador. Como consta no PDDU, a criação dessas Unidades de Conservação está relacionada com os espaços urbanos de valor

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ambiental e cultural.

A Pedra de Xangô, à beira de uma rua, a avenida Assis Valente, com a criação da APA e do Parque, aparece como que normatizando e estruturando aquela rua da capital baiana como ponto obrigatório na relação entre a população negra e mestiça, sua cultura e o espaço urbano. Como afirma (Carlos, 2007, p.54), por um lado a rua é lugar de manifestação de diferença, por outro é a expressão da normatização do cotidiano.

Ao longo da “luta” dos defensores da Pedra de Xangô como lugar sagrado, foram inúmeros os momentos em que adeptos de religiões cristãs, em especial neopentecostais, promoveram enfrentamentos, acusando as práticas de ritos que acontecem no local como algo que consideram “demoníaco”. Por isso jogavam enxofre e sal grosso na pedra “para afastar” o que consideram negatividade relacionada com o que definem como “o demônio”.

A institucionalização de uma Área de Proteção Ambiental - APA como forma de produção e reprodução do espaço urbano também pode ser interpretada como uma forma de produção capitalista do espaço geográfico, como diz Harvey (2016, p.139), para quem “o capital se esforça para produzir uma paisagem geográfica favorável à sua própria reprodução e subsequente evolução”. Ou seja, a criação da APA e do Parque esta integrada ao funcionamento do ecossistema do capital, constituindo, portanto, elementos do que é chamado nesta tese de capital multicultural contemporâneo.

Uma APA, como unidade de conservação dita sustentável, localizada dentro do perímetro urbano de uma cidade como Salvador, em área de uso majoritariamente residencial, com um número elevado de ocupações irregulares em áreas de risco, possui diversos tipos de ruas e avenidas no seu “interior”, tendo, portanto, sido considerada um bom recorte geográfico para se problematizar a partir da rua como território usado no espaço urbano.

É importante registrar, ainda, na área em estudo, a existência de ruas e avenidas onde estão localizadas lagoas de decantação de esgoto denominadas pelo senso comum de “rua do pinicão”, referindo-se ao tipo de resíduos e dejetos que existem em quantidade nessas lagoas e que, muitas vezes, transbordam no período das chuvas, aumentando os problemas de insalubridade enfrentados pela população.

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- Problematizar sobre o caráter sistêmico dos estudos contemporâneos em Geografia Urbana, particularmente sobre aspectos que envolvem a relação entre sociedade e meio natural, expressos nas ruas como território usado.

Também formula três Objetivos específicos:

- Caracterizar e classificar as ruas mais representativas da área em estudo e como elas espelham a relação entre a sociedade, sua cultura e o elemento natural;

- Revelar o caráter identitário na gestão de bens culturais, ecológicos e patrimoniais no recorte do espaço urbano de Salvador adotado para a pesquisa; - Questionar sobre a ruptura no processo de alienação de sí e da natureza (enquanto espaço urbano) nas práticas dos adeptos do culto à Pedra de Xangô com totem relacionado às culturas de matrizes africanas.

Assim, a pesquisa evidencia como Hipótese,

- A cultura de gestão de bens territoriais, culturais, ecológicos, patrimoniais em um recorte periférico da cidade de Salvador, pode ou não reverter o quadro atual sobre a Geografia da Rua.

A tese que esta pesquisa contempla é a de defender a ideia de que existe uma possibilidade de reversão da situação atual revelada pelas contradições explicitadas no espaço urbano escolhido para a pesquisa, de forma que a realidade seja mais justa com a sociedade.

Essas contradições, a saber, falam da relação dialética entre Cooperação x Competição, acreditando que - o planejamento do uso das ruas como territórios urbanos deve caracterizar-se por conter valores culturais, ecológicos, patrimoniais e de respeito à identidade da população que as habita, sem estimular a competição entre os integrantes dessa população. Além de equacionar a relação entre Mercado urbano x Território urbano, onde - as ruas como territórios de prática de cidadania, devem ser um elemento central das políticas públicas urbanas contemporâneas e espelhar a relação entre sociedade, cultura e natureza, sem privilegiar o mercado imobiliário. Contempla, também, a contradição entre Consenso x Conflito para perceber que - as ruas, como territórios usados pela população para produzir sua vida, no entorno da Pedra de Xangô, Salvador, BA -, refletem a ruptura da alienação de si e da natureza entre os

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adeptos das culturas de matrizes africanas e sua relação com os demais membros dessa população que adotam outras práticas religiosas.

Além desta introdução que apresenta de forma substantiva a problemática da pesquisa, são apresentados resumos dos cinco capítulos que a integram o corpo da tese.

No primeiro capítulo, com o título de “A rua”, fazendo uma ligação com o nome da tese, a rua é considerada como categoria de análise, contextualizada conceitualmente para que possa ser discutidos aspectos sobre a relação com as classes de ruas criadas pelo autor para esta tese, a saber, as ruas estruturantes, as ruas transversais e as ruas locais, localizando-as na cartografia temática da área em estudo. A categoria valor é problematizada a partir de uma pergunta sobre o valor da rua, ilustrada com fotos expressivas sobre ruas da área em estudo. O capítulo contextualiza o recurso à categoria território usado e não da categoria lugar para problematizar sobre a rua.

No segundo capítulo, “Capital Multicultural Contemporâneo”, são estabelecidas relações entre alguns conceitos e a geografia; entre a abordagem metodológica referenciada e a produção de conhecimento; entre a totalidade mundo e a totalidade intra-urbana adotada na pesquisa; destacando-se as categorias operacionais forma, função, estrutura e processo, propostas por Milton Santos (1992, p.49), aplicadas na análise. Para além de situar a rua como território usado no espaço urbano onde são expressas as contradições identificadas pela tese, em especial os aspectos relativos à construção do “capital multicultural contemporâneo”, conceito criado especialmente para esta tese. Inclui, ainda, o mapa oficial da APA da avenida Assis Valente, divulgado pela Prefeitura, e como cartografia temática construída para a tese, o mapa da área de estudo e seu entorno.

Ainda no segundo capítulo, o tópico denominado de “Salto entre a qualidade e a quantidade”, cumprindo um pressuposto do método de abordagem adotado, a tese busca compreender qualitativamente aspectos evidenciados na aplicação de questionários entre os participantes da amostra. O pesquisador evedencia a surpresa que teve com os entrevistados que se prontificaram a responder o questionário, com um número expressivo de pessoas evangélicas.

No terceiro capítulo, “Ecologia de axé”, aparece esse conceito “ecologia de axé”, criado especialmente para a tese pelo autor, em sintonia com

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reflexões sobre ecologia e religião no espaço urbano, além de questões relativas aos aspectos multiculturais que o objeto de estudo evidencia. Traz uma síntese de dois artigos escritos pelo pesquisador em parceria com a orientadora, além de incluir nova cartografia sobre a área da pesquisa, incluindo mapa temático com recurso a imagem de satélite.

O quarto capítulo tem como foco principal o trabalho de campo realizado, com o título de “A voz da rua no trabalho de campo”, onde o pesquisador recorre às anotações de seu caderno de campo para revelar as resistências de entidades organizadas da área em pesquisa em relação à estratégia hegemônica desenvolvida pela Prefeitura de Salvador para sua política pública para a área.

Ilustrado com mapas temáticos que envolvem, inclusive, a questão da mobilidade urbana na área, problema que se manifestou de forma muito contundente na empiria, traz ainda uma cartografia social participativa construída por estudantes de colégios estaduais localizados no recorte do espaço urbano, onde explicitam sua relação cartográfica afetiva com as ruas, registrando suas memórias dos percursos que fazem no recorte do espaço urbano.

No quinto capítulo, “Considerações finais e indicações”, a tese busca construir uma síntese a partir de seus objetivos específicos e pares de opostos estabelecidos sobre a área da pesquisa, além de fazer sugestões e indicações para a gestão da área.

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1 A RUA

A relação entre a multidão e a rua, a cidade e a rua, é abordada por Couto (2008, p. 67) como sendo um tema permanente da literatura de uma época, ao tratar de temas como miséria, criminalidade, a degradação humana. A rua, segundo ele,

aparece em obras de Émile Zola, Victor Hugo, Edgar Alan Poe, Garcia Lorca, Mário de Andrade e João do Rio, dentre outros, a imagem da cidade industrial está sempre marcada pelas negra fumaça das chaminés que escurece o dia e, também, pelos buracos que servem de moradia para milhares de pessoas, os esgotos a céu aberto, a acumulação do lixo e, sobretudo, a barulheira das ruas (COUTO, 2008, p. 67).

De fato, todas essas características das ruas podem ser encontradas nas mais diversas cidades do mundo. É como se pairasse sobre o planeta um lógica ordenadora do espaço urbano capaz de imprimir às ruas, em qualquer país, em qualquer cidade, uma forma própria de ordenamento, de ocupação, de ser, se relacionar e possibilitar relações entre as pessoas.

Couto (2008, p. 67) fala também sobre a obra de João do Rio, “A alma encantadora das ruas” (1997), onde esse autor afirma “Eu amo a rua”, frase que, explica Couto (2008), inicia o texto A Rua, nome idêntico ao deste capítulo desta tese. Completando que, para João do Rio, “a rua não é um alinhado de fachadas, por onde se anda nas povoações. Ela é um fato da vida das cidades, tem alma”.

Não é difícil constatar a veracidade dessas afirmações percorrendo as ruas do recorte adotado para a pesquisa desta tese, o bairro do miolo de Salvador que atende pelo nome genérico de Cajazeiras e que engloba além das Cajazeiras 10 e 11, Fazenda Grande I, II, III, IV e Boca da Mata, bairros habitados por trabalhadores de classe mais baixa, no sentido de proletariado.

A rua nasce, como o homem, do soluço, do espasmo. Há suor humano na argamassa do seu calçamento. Cada casa que se ergue é feita do esforço exaustivo de muitos seres, e haveis de ter visto pedreiros e canteiros, ao erguer as pedras para as frontarias, cantarem cobertos de suor, uma melopeia tão triste que pelo ar parece um arquejante soluço. A rua sente nos nervos essa miséria da criação, e por isso é a mais igualitária , a mais socialista , a mais niveladora das obras humanas. A rua criou todas as

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blagues e todos os lugares-comuns [...] (JOÃO, do Rio, 1997, p. 48-49, apud COUTO, 2008, p. 67).

Outro autor a quem Couto (2008) recorre para falar sobre a rua é Walter Benjamin e suas impressões sobre Berlim, Frankfurt, Paris, Roma, Amesterdã, entre outras cidades do mundo, em sua obra clássica Passagens (2006).

Em Passagens, no arquivo P, intitulado “As ruas de Paris”, encontram-se uma coleção de fragmentos e também de citações selecionados de outros autores onde Benjamin ressalta os encantos e as ironias das ruas. Em vários desses fragmentos o filósofo está interessado na volúpia singular que existe nos nomes das ruas e destaca o início da numeração das casas, após o decreto imperial de 4 de fevereiro de 1805. Mas não deixa de destacar os muitos nomes exóticos ou mesmo ridículos, como a Rua dos Maus-Rapazes, Rua Chouriço, Rua Más-Palavras, Rua Mulher-sem-cabeça, Rua do Gato- que-Pesca ou Rua Vilão-Troncudo (COUTO, 2008, p. 69).

No recorte adotado para o estudo desta tese o processo de nomear as ruas tem algumas características diferentes, relacionadas com a própria questão da cultura baiana. Assim, aparece uma avenida com o nome do artista Assis Valente, um consagrado compositor baiano de Santo Amaro da Purificação, mesma cidade do não menos consagrado Caetano Veloso. Assis Valente é o autor de músicas de grande sucesso popular, como “Brasil Pandeiro”, cuja letra diz que “chegou a hora dessa gente bronzeada mostrar seu valor”.

No entanto, quase ninguém sabe – incluindo personalidade baianas-, que essa música é de autoria do compositor que agora empresta seu nome a uma das principais avenidas do recorte da área da pesquisa. Aliás, no trabalho de campo foi possível constatar que muitas pessoas sequer sabem que aquela avenida tem o nome de Assis Valente, já que ela é conhecida pelo apelido de “Pistão”, por ser uma das primeiras avenidas mais espaçosas abertas naquela região nos últimos tempos. Entende-se por tempos, aqui, o início o início do século XXI e final do século XX.

Nomes que encantariam Walter Benjamin também aparecem na fala dos moradores, como rua do Pinicão, pelo fato do local ter algumas lagoas de decantação de esgotos. Ou Morro do Piolho, que aparece registrado em um dos mapas da cartografia afetiva feita pelo estudante do Colégio Estadual Dona Mora Guimarães, que usou o pseudônimo de Roberto Gil. Há ainda a rua dos candomblés, onde existem tantos candomblés que a mesma foi também apelidada de “Shopping Center dos candomblés” a céu aberto.

Mas, uma das surpresas que aparece no trabalho de campo da pesquisa é a quantidade de ruas que não se chamam ruas, chamam-se caminhos. São quase

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sempre ruas sem saída, muitas delas fechadas pelos moradores com portões a pretexto de garantir privacidade e segurança, sem perceber que essa iniciativa cria uma desterritorialização, como registra a Liderança Ambiental (LA), da área em estudo, que participa das entrevistas com questionário fechado, onde descreve seu local de moradia como Caminho.

O local onde eu moro é um Caminho, a área é dividida em Glebas, onde há Caminhos com avenidas de casas, no centro com um espaço, numa ponta e na outra estacionamentos. No meu não tem portão, mas na maioria tem. Os portões desterritorializam, colocam o portão as pessoas não passam. Sem portão, passam. Outras pessoas não podem ir lá, é uma imitação do modo de vida da pequena burguesia (Liderança Ambiental, informação verbal). Mas, não é só a Liderança Ambiental entrevistada na pesquisa que fala sobre as ruas denominadas como Caminho no espaço urbano, essa denominação é usual em diferentes lugares, como registra Couto (2008, p. 69), comentando a obra de Benjamin (2006, p.2, 1), Passagens, onde esse autor diferencia rua de caminho, quando Couto (2008) afirma que o mesmo “[...] defende a errância monótona pelas cidades grandes”.

Para se compreender a “rua” é preciso fazer distinção entre ela e antigo “caminho”. Os dois são completamente diferentes no que diz respeito à sua natureza mitológica. O caminho traz consigo os terrores da errância. Um reflexo deles deve ter recaído sobre os líderes do povos nômades. Ainda hoje nas voltas e decisões incalculáveis dos caminhos, todo caminhante solitário sente o poder que as antigas diretrizes exerciam sobre as hordas de errantes. Entretanto, quem percorre uma rua parece não precisar de uma mão que o aconselhe e guie. Não é na errância que o homem sucumbe à rua, ele é submetido, ao contrário, pela faixa de asfalto, monótona e fascinante, que se desenrola diante dele. A síntese desses dois temores, no entanto – a errância monótona –, é representada pelo labirinto (BENJAMIN, 2006, p 2,1., apud COUTO 2008, p. 69).

Há diferenças evidentes de contexto no uso da denominação Caminhos na obra de Benjamin e na mesma denominação aplicada no arruamento da área em estudo. Os Caminhos de Cajazeiras são, na sua maioria, as ruas que nesta tese são chamadas de ruas locais, cujo desenho guarda alguma similaridade com as antenas de televisão ou com espinha de peixe, por isso são denominadas nesta tese de ruas espinha de peixe ou ruas antenas de televisão, o que é facilmente percebível na cartografia temática construída para esse fim, como mostra a Figura 1.

É importante destacar que nem todas as ruas locais da área da pesquisa recebem o nome de Caminho, mas há muitas delas. O mapa temático das ruas mostra claramente que o arruamento da área da pesquisa segue um padrão próprio, onde é possível estabelecer as três classes de ruas: estruturantes, transversais e locais. Essa classificação pode ser aplicada a outros recortes de espaço urbano, a

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outros estudos, facilitando assim a execução de outras pesquisas de caráter geográfico tendo a rua como território a ser investigado.

Figura 1: Ruas estruturantes, ruas transversais e ruas locais (caminhos).

Elaboração: Carlos Alberto Caetano, 2019.

Ruas estruturantes são as ruas que formam o polígono definido para a pesquisa e que, no caso, é integrado pelas avenidas e ruas denominadas como Via Coletora B; Avenida Assis Valente; Estrada do Coqueiro Grande; Avenida Raimundo Carlos Ayres e a Avenida Aliomar Baleeiro, mais conhecida como Estrada Velha do Aeroporto e a própria Avenida Assis Valente no centro da área.

Ruas transversais são as ruas que se ligam com as avenidas estruturantes e são chamadas de transversais porque conectam as ruas estruturantes com as ruas locais da área da pesquisa. A área não tem muitas ruas transversais, o que gera uma dificuldade de circulação para o transporte público.

Rua locais são as ruas que, na maioria dos casos, saem das ruas transversais penetrando no interior da área do polígono, muitas delas são

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denominadas de caminho, tendo sido feita uma opção na organização da pesquisa de não criar uma classificação específica para caminhos, porque demandaria um trabalho de longo prazo, não havendo tempo para atender a essa demanda durante a construção desta tese. São ruas denominadas nesta tese de “antenas de televisão” e “espinhas de peixe”.

Importante destacar que existe uma diferença evidenciada na pesquisa entre a ocupação e o uso das ruas estruturantes (muito ocupadas pelo comércio, mas também por algumas residências), o uso das ruas transversais (menos ocupadas pelo comércio e mais por residências) e as rua locais, estas quase que exclusivamente por residência e o pequeno comércio de porta de residência. Isso implica em um tipo de deslocamento de pessoas e de veículos em cada uma dessas classificações das ruas.

Castells (2000, p.249) fala sobre essas separações que ocorrem na ocupação das ruas no espaço urbano, denominando-as de segregação urbana.

A distribuição das residências no espaço produz sua diferenciação social e especifica a paisagem urbana, pois as características das moradias e sua população estão na base do tipo e do nível das instalações e da função que se ligam a elas.

A distribuição dos locais residenciais segue as leis gerais da distribuição dos produtos, e por conseguinte, opera os reagrupamentos em função da capacidade social dos indivíduos, isto é, no sistema capitalista, em função de suas rendas, de seus status profissionais, de nível de instrução, de filiação étnica, da fase do ciclo de vida, etc (CASTELLS, 2000, p.249).

Essa caracterização feita por Castells (2000) ficou bastante evidenciada na entrevista com questionário de uma estudante do Colégio Estadual Oliveira Brito, que se identificou com o pseudônimo de Luly Linz, que define seu local de moradia como rua em condomínio. Um tipo de rua normalmente fechada com portões.

Rua calçada, estacionamento, parquinho, quiosques, os vizinhos são meio da bagunça, meio favela, não tem rico. Tem pouco barulho, me relaciono bem com os vizinhos. Tem pouco acesso a vendas (comércio). [...] Não morava aqui, vim de outro bairro, São Cristóvão e não me adptei a morar em apartamento. São Cristóvão, eu tinha acesso andando para a escola, comércio. Aqui tudo interfere, não me identifico, mas é a minha única opção (Luly Lins, informação verbal).

O depoimento da estudante exemplifica a questão da segregação urbana definida por Castells (2000), já que ela e sua família tiveram que se transferir de um bairro que considera melhor (São Cristovão), para Boca da Mata , no interior do polígono da pesquisa, como única opção de manter uma residência no espaço urbano.

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Castells (2000, p. 260) analisa esse aspecto do deslocamento das populações dentro do espaço urbano, de um bairro para outro, com o que denomina de mobilidade residencial.

O processo de formação do espaço residencial, ao mesmo tempo complexo na suas manifestações, mas respondendo a tendências gerais extremamente nítidas, pode ser apreendido também em nível dos sujeitos através do estudo do que chamamos de mobilidade residencial, quer dizer, os deslocamentos dos indivíduos no espaço residencial já produzido (CASTELLS, 2000, p.260).

Castells (2000, p.261) explica, ainda, que vários fatores influenciam para que ocorra a escolha da localização de uma nova moradia. Para muitas pessoas mudar de rua é quase como que mudar de vida. Em muitos desses casos o fator que mais influencia na decisão de mudar é o capital, a ação do capital na vida das pessoas.

O local e a acessibilidade em relação ao resto do aglomerado, não exercem nenhuma influência, nem mesmo o local de trabalho. O fator central da decisão, o que fez com que ela seja tomada ou não, é o custo da operação, sendo este determinado pela renda, etapa ou ciclo de vida, e o tamanho da família (CASTELLS, 2000, p.261).

No caso da estudante entrevistada, ela explicou tratar-se da “única opção” que sua família teve. Esses deslocamentos dentro do espaço urbano levam de forma cada vez maior moradores de bairros que podem ser considerados menos periféricos (São Cristóvão, no caso), para bairros mais periféricos (Boca da Mata, no polígono da pesquisa).

A mesma situação pode ser percebida em relação às ruas, já que a própria estudante explica que no local onde morava anteriormente tinha mais facilidade para acesso à escola e ao comércio. Trata-se, sem dúvida, de um crescente movimento de periferização dos segmentos mais pobres da população, sendo empurrados para áreas menos valorizadas pela especulação imobiliária.

1.1 Exemplos de classes de ruas

As ruas estruturantes na área da pesquisa são ocupadas majoritariamente pelo comércio e poucas residências. Como exemplo pode ser citado o caso da Rótula da Feirinha, embora fique fora do perímetro da APA, guarda com a região de Cajazeiras uma relação atávica, sendo considerada uma referência obrigatória, o que apareceu no trabalho de campo.

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A Figura 2 registra um dos lugares indicados na pesquisa como um dos mais representativos de Cajazeiras, exatamente a Rótula da Feirinha, em Cajazeiras 10, que pode ser vista em quatro fotografias, num entroncamento de diversas ruas consideradas estruturantes da área de Cajazeiras, onde está localizada a APA, mesmo com a ressalva obrigatória de que tal Rótula fica no entorno do perímetro da APA e não em seu interior.

As calçadas são totalmente ocupadas pelo comércio informal, inclusive de gêneros alimentícios, como carnes (gado e frutos do mar), sem as condições higiênicas e sanitárias que possam ser consideradas mínimas para esse tipo de atividade.

Figura 2 – Fotos do comércio em rua estruturante: Rótula da Feirinha, Cajazeiras 10.

Fotógrafo: Carlos Alberto Caetano, 2019.

A Prefeitura, sem um diálogo objetivo e concreto com os moradores implantou, próximo à Rótula da Feirinha, um equipamento denominado Mercado Municipal de Cajazeiras (Figura 3), com fotografias do local. Os vendedores ambulantes da Rótula da Feirinha recusaram-se a ser transferidos para o novo equipamento que foi objeto de um incêndio considerado criminoso, encontrando-se

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em reforma com o objetivo de abrigar a sede da Prefeitura Bairro de Cajazeiras, fato que é bastante esclarecedor sobre como se processa a relação entre a Prefeitura e a comunidade.

As fotos da Figura 2 que mostram a movimentação na Rótula da Feirinha e, as fotos da Figura 3, mostrando o “abandono” na área em frente ao Mercado Municipal falam por si. As ruas do entorno da Rótula da Feirinha são cheias de comerciantes informais e consumidores e, poucos metros distante dessa Rótula, o Mercado Municipal completamente sem movimento de consumidores, pouco tempo depois de ser objeto desse incêndio considerado criminoso pela administração da Prefeitura de Salvador. A prefeitura não ouviu a população em relação à localização do mercado. A realidade das ruas estruturantes do espaço urbano, nesse caso, falou mais alto.

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Figura 3: Fotos do Mercado Municipal em reforma após incêndio, em rua estruturante.

Fotógrafo: Carlos Alberto Caetano, 2019.

As ruas transversais não possuem comércio intenso, há casos como a Avenida Noel Rosa, que muitos moradores sequer sabem que possui esse nome, bem como desconhecem o ponto exato de sua localização, além de ruas que são pouco habitadas, servindo mais ao deslocamento de verículos. Interrogada, a liderança ambiental entrevistada pela pesquisa perguntou: “Mas Cajazeiras tem um rua que chama Noel Rosa? Onde fica?”.

As fotografias da Figura 4 registram a localização da rua Noel Rosa, próxima ao Shopping Cajazeiras, esquina com Estrada do Coqueiro Grande, local bastante conhecido no bairro, sendo esta última uma rua estruturante da APA,

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portanto, a Noel Rosa é uma rua transversal, já que ela sai de uma rua estruturante, Figura 4, com três fotos, que registram a localização da mesma.

A rua Noel Rosa liga a Estrada do Coqueiro Grande à Avenida Assis Valente, no trecho próximo à Pedra de Xangô, e é palco de diversas invasões e ocupações irregulares não coibidas pelo Poder Público, tendo uma grande área remanescente de Mata Atlântica.

Figura 4: Fotos da Rua Noel Rosa, rua transversal, com áreas remanescentes de Mata Atlântica.

Fotógrafo: Carlos Alberto Caetano, 2019.

As ruas locais, também denominadas nesta tese de ruas “antena de televisão” e ruas “espinha de peixe”, em razão do seu “desenho”, tem como principal característica conectar áreas de habitação popular com as ruas transversais, ou não conectar com lugar algum. Algumas dessas ruas locais são chamadas de caminhos

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e, em muitas delas, os moradores fecham as entradas com portões, como se vê nas duas fotos da Figura 5, criando áreas que podem ser consideradas como desterritorializadas.

Figura 5: Fotos de ruas locais denominadas de caminhos, usam portões na entrada.

Fotógrafo: Carlos Alberto Caetano, 2019.

Mas, também existem ruas locais (caminhos) que não recorrem ao uso de portões, como as ruas das duas fotos da Figura 6. Alguns moradores desses caminhos defendem que o isolamento com os portões, embora aparentemente ofereça mais segurança, isola os moradores dos demais membros do território, promovendo, portanto, uma desterritorialização.

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Figura 6: Ruas locais, caminhos, sem portões, não isolando a população local.

Fotógrafo: Carlos Alberto Caetano, 2019.

1.1.1 A avenida Assis Valente

Conhecida popularmente pelo nome de Pistão, a avenida Assis Valente, aberta no início do século XXI pelo Governo do Estado, é o eixo central da APA do vale do Ribeirão Itapuã, usualmente chamada de APA da Assis Valente. É a principal rua estruturante dessa Unidade de Conservação, instituída pela Prefeitura Municipal de Salvador.

Com o destaque que ganhou na mídia a partir da divulgação da criação da APA, despertou o interesse de invasores e da especulação imobiliária, passando a ser alvo sistemático de invasões e desmatamento, como mostram as quatro fotos da Figura 7.

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Figura 7: as invasões ao longo da avenida Assis Valente, no meio da Mata Atlântica.

Fotógrafo: Carlos Alberto Caetano (2019).

A Liderança Ambiental, identificada pela sigla “LA” na entrevista semi-estruturada, refere-se à implantação da Avenida Assis Valente como “pista”.

Logo no início teve a questão da criação da pista, que aí foi o Estado que fez, a pista Assis Valente, e aí com a luta do movimento comunitário – porque a ideia deles era implodir a Pedra, era fazer um processo, mas a gente foi para cima junto com outras pessoas, Ramalho, Conselho de Moradores de Fazenda Grande 2, de Cajazeiras 11, a comunidade em si, aí pediu para que não fizesse isso. Houve um processo também das casas populares ali no entorno, que foi uma luta inicialmente nossa para que não fizesse aquelas casas ali naquele momento. Primeiro porque ficava distante de tudo e não tinha infraestrutura para a área (LA, informação verbal). A Liderança Independente, identificada pela sigla “LI” na entrevista semi-estruturada, confunde-se várias vezes com o nome da avenida onde esta localizada a Pedra, chamando a avenida Assis Valente sucessivamente de Vicente de Assis e Valente de Assis, o que permite perceber que o nome “Pistão” é mais consolidado entre os moradores, inclusive entre os que possuem militância na área. Isso evidencia uma forma de apropriação do espaço urbano que não dialoga com as

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intervenções feitas na área pelo Poder Público. “LI” lembra fatos relacionados com a época anterior à abertura do “Pistão”.

Inclusive existem muitas águas que passam ali perto da Pedra de Xangô, eu moro num lugar que é perto, então embaixo tinha um brejo, que é perto da Pedra de Xangô, as pessoas tinham costume de tomar banho lá, de pegar água, e que hoje está extremamente sujo, depois da via, da Vicente de Assis não, Valente de Assis (LI, informação verbal).

O Poder Público Municipal de Salvador tem se mostrado sem condições de conter o avanço das ocupações irregulares na área, embora já tenha feito inúmeras incursões para demolição de barracos improvisados, conter as demarcações de terrenos com desmatamento das encostas e implantação de degraus improvisados nas vertentes para facilitar o acesso dos invasores às parte mais altas do terreno, como mostram as fotos da figura 7.

A impressão que essa inoperância da Prefeitura deixa é a de que a proposta de uma política pública para a área está mais baseada em um discurso multiculturalista, envolvendo a Pedra de Xangô, em seu caráter étnico, tendo como alvo principal os segmentos da população mobilizados em torno de uma discussão sobre matrizes culturais africanas, do que a gestão do espaço urbano e dessa área remanescente de Mata Atlântica, cada dia mais degradada.

1.2 Qual o valor da rua?

É possível, a partir desses fatos, equacionar alguma resposta para a pergunta: qual o valor da rua? A constatação de que os trabalhadores ambulantes conseguem impor a comercialização de seus produtos na calçada, nas ruas estruturantes, sem que a prefeitura consiga ordenar esse comércio informal; a partir da visão clara de que também no quesito gestão do solo urbano, a prefeitura falha em relação às invasões nas encostas da avenida Assis Valente, o estabelecimento de uma política pública relativa aos bens territoriais mostra-se um simulacro.

Repetindo a pergunta: qual o valor da rua?

Há entre as lideranças que participaram das entrevistas semi-estruturadas, uma fala que ajuda a compreender a visão que alguns moradores têm sobre essa questão do valor da rua. A Liderança Independente sentencia que em Cajazeiras é bastante explícita a lógica de aliança entre o Estado e o capital.

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A Avenida 2 de julho, que é uma obra do governo do Estado, tem agora a 29 de março, que corta um pedaço de Cajazeiras, e tem a que dá acesso à Estrada Velha do Aeroporto. O estado existe dentro de uma lógica da propriedade privada, do grande empresariado, então o Estado surge com esse caráter e mantem esse caráter hoje, de ser aliado do grande capital. Tudo que ele constrói tem interesse ao redor. Eu fui para uma reunião sobre a 29 de março e o cara tava dizendo que quando eles projetaram a 29 de março os terrenos ao redor já estavam vendidos. O Estado acaba dando estrutura física para que o capital se espalhe dentro da região, como tem acontecido aqui em Cajazeiras, eles não construíram essas vias à toa, não é porque eles querem garantir mobilidade da comunidade, mas eles querem trazer o setor imobiliário para a última área verde de Salvador (LI, informação verbal).

Portanto, é necessário discutir o conceito valor para em seguida problematizar sobre o conceito rua e buscar uma síntese. Como partida vale lembrar que o comércio ambulante não paga impostos, não tem qualquer tipo de controle, nem mesmo sanitário, como as fotos da Figura 7 evidenciam. E que os invasores dos terrenos também não pagam IPTU e fazem ligações clandestinas de água e luz. Valor, como categoria de análise, aparece na obra de Postone (2014, p. 33) onde o autor faz uma revisão crítica do conceito valor na obra de Karl Marx, no caso em “Grundisse: manuscritos econômicos de 1857 – 1858 – esboços da crítica da economia política”, (Boitempo, 2011, p.59).

A reinterpretação da teoria crítica de Marx apresentada aqui se baseia numa reconsideração das categorias fundamentais da sua crítica da economia política – como valor, trabalho abstrato, mercadoria e capital. Essas categorias, de acordo com Marx, “expressam as forma de ser [Daseinformen], as determinações de existência [Existenzbestimmungen], [...] dessa sociedade determinada”. Elas são, por assim dizer, categorias de uma etnografia crítica da sociedade capitalista, elaboradas em seu interior – categorias que supostamente expressam as formas básicas de objetividade e subjetividade sociais que estruturam as dimensões sociais, econômicas, históricas e culturais da vida nessa sociedade, e são elas próprias constituídas por formas determinadas de prática social (POSTONE, 2014, p.33).

Pois, as ações desenvolvidas tanto pelos vendedores ambulantes da Rótula da Feirinha, em Cajazeiras 10, como pelos invasores dos terrenos nas encostas da avenida Assis Valente, exemplificam a operacionalidade da categoria valor aplicada a esse recorte do espaço urbano de Salvador, como expressão básica tanto da objetividade como da subjetividade social nas dimensões sociais, econômicas, históricas e culturais da população que está produzindo e reproduzindo sua vida nesse recorte da periferia da capital baiana. Trata-se de uma expressão geográfica, de uma geografia da rua, onde o valor da rua aparece como uma forma social, na verdade como palco do sujeito social.

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Valor é uma forma social que expressa e é baseada no dispêndio de tempo de trabalho imediato. Para Marx, essa forma está no cerne da sociedade capitalista. Como categoria das relações fundamentais que constituem o capitalismo, o valor expressa o que é e continua a ser a fundação básica da produção capitalista. Ainda assim, emerge uma tensão crescente entre essa base do modo de produção capitalista e os resultados do seu próprio desenvolvimento histórico [...] (POSTONE, 2014, p.40).

O que esta se buscando é construir uma relação entre esse aspecto teórico conceitual e a produção capitalista do espaço urbano de Salvador, nas ruas da periferia do Bairro de Cajazeiras, ocupado por uma população majoritariamente trabalhadora negra e mestiça, que busca construir sua sobrevivência dentro dessas relações de produção mais gerais da sociedade capitalista.

O conceito de rua pode ser tomado a partir da Carlos (2007, p.51) para quem a rua não é apenas um lugar por onde as pessoas passam.

Escrevem alguns autores que nas ruas os homens não fazem mais do que passar. Já para Saramago, há nas ruas mais do que simples pressa. Para nós há um mundo que se revela nas ruas da metrópole. Nas ruas o presente nos assedia, traz a marca dos itinerários às vezes dispersos, difusos ou mesmo concentrados definidos pela vida cotidiana (CARLOS, 2007, p.51).

É a vida cotidiana que marca os momentos registrados na Rótula da Feirinha, em Cajazeiras 10, onde os ambulantes misturam a venda de alimentos, roupas, utensílios domésticos, produtos de limpeza, etc. Trata-se de um verdadeiro supermercado a céu aberto com os preços dos produtos mais acessíveis à população, devido à falta de pagamento de impostos. Como define Carlos (2007, p. 51), “a rua se coloca como dimensão concreta das dimensões sociais num determinado momento histórico, revelando nos gestos, olhares e rostos, as pistas das diferenças sociais”.

Carlos, (2007, p.51) sintetiza essa característica das ruas ao afirmar:

Finalmente na rua se tornam claras as formas de apropriação do lugar e da cidade, e é aí que afloram as diferenças e as contradições que permeiam a vida cotidiana, bem como as tendências de homogeneização e normatização impostas pelas estratégias do poder que subordina o social (CARLOS, 2007, p.51).

Buscando uma síntese entre os conceitos de valor e de rua, é importante destacar que nesta tese a rua não é analisada como lugar, mas como território usado, exatamente por expressar estratégias de poder subordinando o social. Assim, nesses territórios usados pela população que habita a área da pesquisa, é possível registrar usos diferentes para recortes que possuem valores diferentes, do

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ponto de vista da apropriação do espaço urbano, melhor dizendo, do território urbano.

A Rótula da Feirinha, ou Rotatória de Cajazeiras 10, por ser um entroncamento de ruas estruturantes do polígono da área da pesquisa, tem um uso completamente diferente da Rotatória de Fazenda Grande 3, também em Cajazeiras, denominada oficialmente de Praça Regina Guimarães, um entroncamento de ruas transversais e locais, sem o deslocamento tão intenso de pessoas que ocorre no caso da rotatória de ruas estruturantes do espaço em estudo. Esse local, desconhecido por alguns moradores de outras áreas do recorte estudado, tem um uso quase que estritamente local como praça, no sentido mais tradicional que possa se atribuir ao conceito praça, um local onde as pessoas se encontram, se reúnem, praticam atividades de lazer e esportes, como mostram as duas fotos da Figura 8.

Figura 8: características do uso da rotatória de Fazenda Grande 3, em Cajazeiras.

Fotógrafo: Carlos Alberto Caetano, 2019.

O uso dessa praça pela população mostra que, nas metrópoles, em especial nas periferias, a atividade comercial formal e informal são definidoras do uso que a população faz do espaço urbano. Em confluência de ruas estruturantes do território, com intenso tráfego de veículos e consequentemente de pessoas, o valor atribuído a esse espaço é diferente daquele que é dado às ruas transversais e locais, com menos pessoas circulando e, evidentemente, com menos capital circulando. No último caso o capital que circula é a relação de vizinhança e de pertencimento ao território. Um capital simbólico.

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A rua expressa, na metrópole, uma morfologia hierarquizada socialmente como aponta Gogol em seu livro Avenida Nievesky, quando discute os usos da avenida a partir do seu uso pelos habitantes da cidade em cada momento do dia. Marca a vida em movimento dado pelo uso. E assim, os usos da rua, depois se transforma em avenida, e nesse ponto da história das formas de apropriação da cidade, a rua deixa de ser extensão da casa para se contrapor a ela. O que temos é que as casas de hoje, na metrópole, vivem trancadas com pessoas dentro, diante da televisão, sem contatos com a vizinhança pois cada vez mais a casa tem a função de preservar a individualidade, reforçando o privado. [...] (CARLOS, 2007, p. 52).

Esse aspecto das casas se tornarem trancadas pode ser visto claramente nas ruas locais e nos usos atribuídos a essas ruas locais, ruas com poucas pessoas circulando, com grades de proteção em janelas e portas. Para se sentirem seguras em suas casas as pessoas se fecham atrás de grades e também fecham as ruas com portões e grades.

Para se falar da questão ambiental, cultural e religiosa no espaço urbano de Salvador, a criação da APA Municipal da Avenida Assis Valente (onde fica localizado o Parque em Rede da Pedra de Xangô), tem um papel importante como Unidade de Conservação que possui como eixo central uma rua, a Avenida Assis Valente, no bairro de Cajazeiras. Esse fato traz a rua para o centro da discussão sobre o espaço urbano. Trata-se, portanto, de uma visão geográfica, ambiental, cultural e social da rua, que passa a ser denominada de Geografia da Rua.

Essa Geografia da Rua tem viés comum às políticas públicas relativas ao território urbano, à cultura, ao meio ambiente, à religião e à ciência. A importância da cultura popular relacionada às religiões de matrizes africanas consegue, no caso em questão, impor ao Estado, representado pelo Município de Salvador, o respeito à sua identidade cultural, estabelecendo uma territorialidade característica em torno de um monumento totêmico que materializa a relação entre essa cultura religiosa e o planejamento urbano da capital baiana, ao inserir de forma transversal no PDDU de 2016 um território para o culto a um orixá, no caso o orixá Xangô, localizado numa área remanescente de Mata Atlântica no miolo de Salvador, em uma rua da periferia (Figura 9).

A rua aparece no recorte adotado para o estudo como um marco da resistência cultural dos moradores da área o que faz com que o Estado tenha que reconhecer que ali existe o sagrado. A geografia deve estar aberta para analisar a realidade social como totalidade a partir de sua dinâmica territorial como referência de um sistema de conceitos que permite compreender a indissociabilidade entre os elementos que compõem o espaço geográfico e suas categorias operacionais, como

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preceitua Santos (1992).

Figura 9 – Ruas da APA Assis Valente e as áreas remanescentes de Mata Atlântica.

Organização: Carlos Alberto Caetano,2019.

É importante destacar que segundo Santos (1992, p. 6) os elementos do espaço são “os homens, as firmas, as instituições, o meio ecológico e as infraestruturas”, todos eles presentes na pesquisa realizada. E o próprio Santos (1992), explica que as categorias operacionais do espaço são forma, função, estrutura e processo (Santos,1992, p.49).

A rua como tema da pesquisa, é o primeiro local de contato, fora das residências, das pessoas com o espaço urbano. Ao sair de suas moradias a rua é o primeiro território urbano com o qual todas as pessoas têm contato. Esses territórios urbanos contêm lugares, que contêm ambientes, como analisa Dirce Suertegaray (2015, p.130), somando sua reflexão à de biólogos, para quem o homem é como se fosse um vírus na superfície da terra.

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urbanos que acontecem a partir do contato das pessoas com a rua, porque os recortes possíveis sobre a rua enfatizam uma dimensão da organização complexa do espaço geográfico e do espaço urbano, que é organizado em ruas, que formam bairros e que, num certo sentido, corporificam o que é chamado de urbano.

Seja no seu aspecto econômico, no sentido da transformação do ambiente e da paisagem como natureza, seja no sentido político do território, usado para morar, se deslocar, conviver com vizinhos, as ruas expressam relações de interação entre os indivíduos e a sociedade e os indivíduos e o urbano. As ruas são, portanto, do ponto de vista de uma compreensão geográfica contemporânea, espaço público por excelência, daí a importância da consciência social e cultural desse território, a fim de inserir a sociedade no planejamento urbano e na gestão das cidades, numa perspectiva de gestão integrada do território.

No caso desta pesquisa trata-se de uma interpretação elaborada tanto a partir dos estudos sobre a rua, de Ana Fani Alessandri Carlos (2007, p. 54), que citando Henry Lefebvre (1961, p.309), explica que a rua é o lugar do encontro; quanto de Milton Santos (2011, p.14) , quando ao expor sua compreensão sobre o território usado diz que é, também, o lugar da residência. Santos (2011), citando Winston Churchill, diz que “primeiro fazemos as nossas casas, depois as nossas casas nos fazem”. E a casa está situada em um território usado, uma rua.

As ruas de uma cidade podem ser consideradas, numa pesquisa qualitativa como esta, como um mundo cultural integrado por bens territoriais. No conjunto de ruas implantadas sobre e no meio natural em relação ao espaço urbano de Salvador, de um modo geral, e na área adotada para a realização da pesquisa, em particular, ocorrem práticas culturais e religiosas específicas relacionadas com o que pode ser considerada a maioria da população da cidade de capital baiana, marcadamente negra e mestiça.

No desenvolvimento desta tese, foi definida na área em estudo algumas classes de ruas: ruas estruturantes do polígono definido para a pesquisa; ruas transversais que saem ou chegam até as ruas estruturantes e ruas locais, que saem das ruas transversais ou das estruturantes mas que não têm outra saída, obrigando a circulação a ser feita com entrada e saída pelo mesmo local.

As ruas, nesta pesquisa, foram analisadas como território usado a partir daqueles setores da população ligados diretamente às questões culturais, religiosas e ambientais. Assim, se procurrou compreender a partir do trabalho de

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campo, se esse segmento da população analisado buscou uma ruptura no processo de segregação sócio espacial; a construção e reconstrução de uma identidade própria e do sentimento de pertencimento, a partir de sua relação com a rua no contexto do espaço urbano.

Em respeito a Josué de Castro e sua “Geografia da Fome” à importância desse autor para o conhecimento geográfico no Brasil e no mundo, esta tese é uma homenagem e, ao mesmo tempo, uma busca para se pensar sobre a rua como fenômeno urbano, portanto, geográfico. Assim nasceu a construção desta tese, Geografia da Rua, misturando ingredientes como cultura, religião, espaço urbano e meio natural.

Foi feita uma pesquisa para saber se havia algum trabalho que usasse esse tema e não foi encontrado. Surgiu um texto de Ana Fani Alexandri Carlos em “O lugar no/do mundo”, de 2007, onde a autora apresenta o capítulo “A rua: Espacialidade, Cotidiano e Poder” que passou a ser uma referência obrigatória.

Carlos (2007), se faz uma pergunta no início de seu texto: “Por que a rua?”. Acredita-se que é importante separar as abordagens como ponto de partida: primeiro uma abordagem geográfica, por razões objetivas do curso de doutorado em geografia, depois uma abordagem cultural onde se faz necessário um imbricamento entre cultura, religião, filosofia, botânica, geologia e psicologia, na busca de construir um conhecimento transdisciplinar.

Para a geografia, a partir de Carlos (2007, p.51), “há um mundo que se revela nas ruas da metrópole”, e a autora sentencia, ainda, que “nas ruas o presente nos assedia”.

Podemos afirmar que a vida aí inesgotavelmente rica e plena de energia – é o nível do vivido. Na rua encontra-se não só a vida mas os fragmentos de vida, é o lugar onde o homem comum aparece, ora como vítima, ora como figura instransigente e subversiva. No movimento da rua encontra-se o movimento do mundo moderno (CARLOS, 2007, p.51).

Retomando a interpretação de Carlos (2007, p.51) sobre a rua e, fazendo uma correlação entre a ideia de figura e fundo da teoria da Gestalt com essa interpretação, foi possível se inferir que a rua é a figura e o espaço urbano é o fundo, como ocorreu no ensaio fotográfico sobre a 10ª Caminhada da Pedra de Xangô, de 2019, e sua saída do largo do Campo da Pronaica, em frente ao Colégio Estadual Dona Mora Guimarães, onde foram aplicados alguns questionários com os estudantes, cujos resultados são apresentados em capítulo desta tese.

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O tema da “rua” nos coloca diante do fato de que na análise do espaço urbano o lugar aparece com significados múltiplos. A cidade, em sí, só pode ser determinada como lugar à medida que a análise incorpore as dimensões que se referem à constituição, de um lado, do espaço urbano, e de outro, aquela da sociedade urbana (CARLOS, 2007, p.51).

Essa interpretação levou a construção desta tese a optar pelo território usado como categoria de análise da rua. E abriu uma “janela” para questionamentos sobre a sociedade urbana no tratamento da rua como tema. Diferentemente de Carlos (2007), esta tese trata a rua como território usado, não como lugar.

A rua se coloca como dimensão concreta da espacialidade das relações sociais num determinado momento histórico, revelando nos gestos, olhares e rostos, as pistas das diferenças sociais.[...] Finalmente na rua se tornam claras as formas de apropriação do lugar e da cidade, é aí que afloram as diferenças e as contradições que permeiam a vida cotidiana, bem como as tendências de homogeneização e normatização impostas pelas estratégias do poder que subordina o social (CARLOS, 2007, p.51).

Assim, para que fosse possível construir uma reflexão sistêmica sobre o que está sendo chamado de Geografia da Rua, não se pode desconhecer que na rua, como afirma Carlos (2007), afloram as diferenças e as contradições que permeiam a vida cotidiana.

Falar sobre a rua implica em procurar os muitos sentidos da existência da rua. É possível encontrar em Carlos (2007, p.53) alguns dos múltiplos sentidos da existência das ruas.

O último sentido colocado no quadro, a rua como território usado na prática religiosa, que Carlos (2007) não apresenta em seu texto, se constituiu como uma das referências na elaboração desta tese.

Em seu texto Carlos (2007) deixa aberta a possibilidade de novas compreensões sobre a rua quando afirma que

[...] a rua enquanto nível de entendimento do cotidiano e da espacialidade das relações sociais coloca-se na perspectiva da constituição da sociedade urbana em seu movimento interno baseado na prática social na medida em que expões (sic) o vivido. Ela também se abre enquanto palco e espetáculo em que se transformou o cotidiano hoje no mundo moderno, abrindo uma infinidade de perspectivas para análise e entendimento da sociedade urbana (CARLOS, 2007, p.54).

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