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Ato de alienação ou oneração do bem

7. AS CINCO VARIÁVEIS DA FRAUDE DE EXECUÇÃO E SUA RELAÇÃO COM O ELEMENTO

7.2. Ato de alienação ou oneração do bem

Em seguida, deve-se analisar qual o tipo do ato cuja prática se está querendo reconhecer em fraude de execução, pois a diferença de seus efeitos também terá influência em sua capacidade de frustrar a atividade executiva.

É certo, contudo, que, entre o universo de atos que poderiam ser praticados para frustrar a atividade executiva,313 o CPC considerou que apenas dois tipos de ato poderiam ser praticados em fraude de execução: alienação ou gravação com ônus real (cf. arts. 592, V, e 593, caput, CPC).

Como já visto anteriormente, a responsabilidade que recai sobre os bens alienados ou gravados em fraude de execução é excepcional (responsabilidade executória secundária) e, como tal, deve ser interpretada restritivamente.314

312Nessa linha, Dinamarco afirma que "o patrimônio levado em conta para medir a solvência ou insolvência

quando se trata de responsabilidade executiva é o conjunto de todos os bens economicamente apreciáveis do obrigado, não excluídos da responsabilidade por motivo algum (impenhorabilidades etc. ...); tanto é insolvente aquele que nada tem, ou pouco tem para responder por suas obrigações, como aquele que for dono de bens com valor acima dos débitos mas que por força de lei ou de algum ato particular estejam subtraídos à execução forçada (os bens de família, os dados em garantia real etc. ...)." (DINAMARCO, Cândido Rangel. As fraudes do devedor, cit., p. 433). Também em sentido semelhante, Araken de Assis: "no âmbito da fraude contra a execução (...), dispensável se revela a investigação do estado deficitário do patrimônio, bastando a inexistência de bens penhoráveis. Daí a noção mais adequada de frustração dos meios executórios." (ASSIS, Araken de. Manual do processo de execução, cit., p. 450-451).

313Como a destruição, a danificação ou o desvio de bens, apenas para se ficar nos citados pelo art. 179, CPC. 314Discorda-se, nesse ponto, de autores como Francisco Antonio Casconi, que sustentam que "certos atos,

ainda que não enquadrados na figura da alienação ou oneração, podem igualmente representar fraude à execução. (...) Nestes termos, a indicação do art. 593, caput, seria apenas exemplificativa." (CASCONI, Francisco Antonio. Fraude de execução. In: HARADA, Kiyoshi (Coord.). Temas de processo civil. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002. p. 110).

Ensina AMÍLCAR DE CASTRO que “compreende-se sob o nome de alienação todo e qualquer ato entre vivos pelo qual o devedor dispõe, a favor de terceiro, de bem que lhe pertence, por meio de transferência, ou renúncia”.315 Nesse sentido, também a lição de MÁRIO AGUIAR MOURA: “em matéria de alienação tem-se como suscetíveis de embasar o requisito: a) compra e venda; b) doação; c) cessão de crédito; d) remição de dívida; e) dação em pagamento. Incluem-se, ainda, outros atos que mesmo não sendo tipicamente de transferência de domínio, desfalcam o patrimônio do devedor, tais como renúncia de prescrição e renúncia de herança.”316

Os atos de alienação frustram a atividade executiva por retirarem os bens do patrimônio do devedor e os colocarem no patrimônio de terceiro, pondo-os a salvo, portanto, da responsabilidade que recai genericamente sobre todo o patrimônio do devedor para o satisfação coativa de suas obrigações.

Já a “gravação com ônus reais” abrange a instituição, sobre o bem, de direitos reais de garantia (como hipoteca, penhor e anticrese), de direitos reais de fruição (como superfície, servidão, usufruto, uso e habitação) ou, ainda, outros gravames reais como o direito do promitente comprador, denominado por alguns autores como "direito real de aquisição".317

Tais gravames podem atuar de duas formas para frustrar a atividade executiva: (i) ou constituem preferência sobre o bem em relação ao credor (direitos reais de garantia);318 ou (ii) retiram valor do bem, mediante a limitação de parte dos poderes do domínio, tornando-o insuficiente para satisfazer toda a obrigação objeto da execução.319

315CASTRO, Amílcar de. Comentários ao Código de Processo Civil, cit., v. 8, p. 81. 316MOURA, Mário Aguiar. Fraude de execução pela insolvência do devedor, cit., p. 303.

317Cf. LOUREIRO, Francisco Eduardo. In: PELUSO, Cezar (Coord.). Código Civil comentado. 3. ed. São

Paulo: Manole, 2009. p. 1.158.

318Nesse ponto, por exemplo, a instituição de uma segunda hipoteca quando está em curso execução da

primeira não será capaz de frustrar a atividade executiva, não configurando fraude de execução.

319Nesse sentido, cf. Araken de Assis: "há fraude na constituição de direitos reais de garantia (penhor

hipoteca, anticrese) e direitos sobre coisa alheia (art. 1.225, III a VII, do CC de 2002), a exemplo do usufruto e da habitação, porque outorgam privilégio aos credores beneficiados ou desvaloriazam a coisa" (ASSIS, Araken de. Comentários ao Código de Processo Civil, cit., v. 6, p. 251) e Teori Albino Zavascki: "oneração é qualquer ato que, sem importar a transmissão da propriedade, do bem, limita as faculdades do domínio, mediante a criação, em favor do terceiro, de direito real. São direitos reais dessa espécie, os do art. 1.225 do Código Civil (CC/16, art. 674), divididos entre direitos de gozo e fruição (superfície, servidões, usufruto, uso, habitação, rendas sobre imóveis), e direitos de garantia (penhor, anticrese e

Em relação à hipótese do inciso II do artigo 593 do CPC, o ato de alienação ou oneração também deve ser analisado em relação à sua posição na cadeia de atos praticados pelo devedor para gerar sua insolvência.

A análise é voltada para o passado e deve ser feita em ordem regressiva, ou anticronológica, dos atos mais recentes para os mais remotos, em busca daquele que causou a frustração da atividade executiva. O objetivo é exatamente verificar se o ato que se quer reconhecer como realizado em fraude de execução era apto, no momento em que foi praticado, a causar ou agravar a frustração daquela atividade executiva.

Como se observa, é da conjugação da análise dessas duas primeiras variáveis que se afere a existência do elemento objetivo da fraude de execução, qual seja a aptidão do ato para frustrar a atividade executiva decorrente da ação em curso.

Sendo irrelevante o elemento subjetivo para a configuração da fraude de execução na hipótese do inciso I do artigo 593 do CPC – como demonstramos nesta tese –, presente o elemento objetivo, o bem já poderá ser alcançado pela atividade executiva, não sendo necessária qualquer investigação sobre a má-fé do terceiro.