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Críticas ao entendimento dominante

3. O ESTADO DA QUESTÃO: O ELEMENTO SUBJETIVO COMO REQUISITO PARA

3.2. Críticas ao entendimento dominante

A primeira crítica ao entendimento dominante é no sentido de que torna o elemento subjetivo na fraude de execução até mesmo mais relevante do que na fraude contra credores, uma vez que os artigos 158 e 159 do CC – tal como os artigos 106 e 107 do código civil revogado – apenas exigem a existência de razão para que o terceiro soubesse da insolvência do devedor e isso somente nas alienações onerosas:

“Art. 158. Os negócios de transmissão gratuita de bens ou remissão de dívida, se os praticar o devedor já insolvente, ou por eles reduzido à insolvência, ainda quando o ignore, poderão ser anulados pelos credores quirografários, como lesivos dos seus direitos.

§ 1º Igual direito assiste aos credores cuja garantia se tornar insuficiente. § 2º Só os credores que já o eram ao tempo daqueles atos podem pleitear a anulação deles.

Art. 159. Serão igualmente anuláveis os contratos onerosos do devedor insolvente, quando a insolvência for notória ou houver motivo para ser conhecida do outro contratante."

Embora diversos autores sustentem que, para a configuração da fraude contra credores, haveria necessidade de se demonstrar a presença do consilium fraudis, consistente na intenção do devedor de fraudar o recebimento do crédito ou, para alguns, consistente, até mesmo, na figura do conluio fraudulento (concilium fraudis)113 entre devedor e terceiro, o entendimento mais consentâneo com o direito positivo é no sentido de que, para a configuração da fraude contra credores nas alienações onerosas, basta a scientia fraudis ou, nos termos do artigo 159 do Código Civil, a notoriedade da insolvência do devedor ou a existência de motivo para esta ser conhecida do outro contratante. Já nas alienações a título gratuito, nem isso é necessário, sendo que o artigo 158 do Código Civil dispensa totalmente o elemento subjetivo nesse caso.114

113Sobre a diferença entre as figuras, cf. Luiz Carlos de Azevedo: “a expressão consilium significa propósito,

intuito (...). Não se trata de concilium, conluio, acordo, mas de consilium; com ‘s’ e não com ‘c’.” (AZEVEDO, Luiz Carlos de. Fraude contra credores. Revista da Escola Paulista da Magistratura, São Paulo, v. 3, n. 1, p. 61, jan./jun. 2002).

114Nesse sentido, os autorizados entendimentos de Clóvis Bevilacqua: "as liberalidades (art. 106) annullam-se

independentemente de má-fé, pela simples razão de tornarem o devedor insolvente, ou serem praticadas em estado de insolvência. Para a anullabilidade dos contractos onerosos, não basta a insolvência do devedor; é necessário mais que esse estado seja conhecido da outra parte contractante, por ser notorio, ou porque tenha esta motivo de o conhecer." (BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil, cit., p. 361) e Pontes de Miranda: "se bem que ao instituto se chame 'fraude contra credores' (Seção V, Da fraude

Outra crítica que poderíamos dirigir ao entendimento dominante é que a exigência da efetiva ciência como caracterizadora da má-fé e a atribuição do ônus de sua prova exclusivamente ao credor tornam a configuração da fraude de execução particularmente difícil, principalmente quando sequer o registro é possível, como nos casos em que ainda não há penhora.115

Tal dificuldade é tão grande que chega até mesmo a praticamente anular a hipótese do inciso II do artigo 593 do CPC caso não haja penhora registrada, conforme se extrai do voto vencido do Ministro Ari Pargendler, nos Embargos de Divergência em Recurso Especial n.º 509.827/SP, um dos precedentes que deram origem à súmula 375 do Superior Tribunal de Justiça: "a tese jurídica adotada no acórdão embargado elimina uma das hipóteses da fraude à execução previstas no art. 593, II do Código de Processo Civil, aquela ocorrida durante o processo de conhecimento. (...) Nessa etapa, não há penhora, nem pode haver, conseqüentemente, registro dela."116

A observação não é desprovida de sentido. Na pesquisa jurisprudencial realizada, constatamos que, dos 137 acórdãos identificados como pertencentes ao

contra credores), nenhuma vez se alude à intenção, ao consilium fraudis, que, junto ao eventus damni, o fato de causar dano, eram pressupostos da ação justinianéia. (...) não vemos como se possa encontrar tal elemento, se não nos deixarmos impressionar com o sentido moderno de fraude (...) uma vez que o direito brasileiro, nos arts. 106 e 107, abstraiu do consilium fraudis, fraude há, se há insolvência, eventus damni, e, nas espécies do art. 107, scientia fraudis. (...) Diz o art. 106: 'os atos de transmissão gratuita de bens, ou demissão de dívida, quando os pratique o devedor já insolvente, ou por eles reduzido à insolvência, poderão ser anulados pelos credores quirografários como lesivos dos seus direitos'. Aí, evidentemente, se abstrai do

consilium fraudis, no sentido exato de intenção, e da scientia fraudis, por parte daquele a quem se

transmite, gratuitamente, ou a quem se remete a divida. No art. 107, não: se é certo que se continua a abstrair do consilium fraudis, exige-se a notoriedade do fato da insolvência (= ciência por todos), ou, pelo menos, do outro figurante." E, finalmente, conclui: "no Código Civil, arts. 106-113, não se aludiu ao

consilium fraudis." (MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de direito privado, cit., t. 4, p.

431-435 e 458) e, já na vigência do Código Civil atual, perfilham esse mesmo entendimento Álvaro Villaça Azevedo (Código Civil comentado. São Paulo: Atlas, 2003. v. 2, p. 247-253) e Humberto Theodoro Júnior, afirmando esse último, ao comentar o artigo 159, que "o Código, como se vê, não exigiu, nem mesmo no caso dos negócios onerosos, a comprovação do consilium fraudis (intenção de lesar credores) da parte do devedor alienante. Presumiu-o, portanto. Mas, do lado do terceiro adquirente, impôs a demonstração de sua

scientia fraudis, necessária à configuração da má-fé, sem a qual o ato dispositivo do devedor não será

revogável." (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2003, v. 3, t. 1, p. 347).

115Nesse sentido, cf. ASSIS, Carlos Augusto de. Fraude à execução e boa-fé do adquirente. Genesis: Revista

de direito processual civil. Curitiba, v. 5, n. 16, p. 234, abr./jun. 2000.

116STJ, 2ª Seção, EDREsp. 509.827/SP, Rel. p/ acórdão Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 25.04.07,

votaram vencidos, além do Min. Ari Pargendler (relator original), a Min. Nancy Andrighi e o Min. Humberto Gomes de Barros. Acompanharam o relator os Mins. Fernando Gonçalves, Aldir Passarinho Junior e Jorge Scartezzini.

entendimento dominante, apenas 10 (ou seja, 7,29%) reconheceram a fraude de execução.117

Somente em casos em que a prova da má-fé era muito evidente, como em doações de pai para filho ou na existência de documentos ou depoimentos sobre a efetiva ciência do terceiro quanto à pendência da ação é que tal entendimento reconhece a fraude de execução.118

Não parece, portanto, que, o entendimento dominante ofereça critério adequado para se aferir a feição e a relevância que o elemento subjetivo deve ter para a configuração da fraude de execução. Não, ao menos, a ponto de permitir que o Estado cumpra seu dever de atribuir, por meio da atividade jurisdicional, o resultado mais próximo possível do que o credor teria com o cumprimento voluntário da obrigação pelo devedor.119

Conforme exposto no início desta tese, o que se propõe, a partir de agora, é verificar, na história do instituto, se sempre foram essas a feição e relevância atribuídas ao elemento subjetivo ou se seriam outras como as propostas em nossa hipótese e, nesse último caso, também verificar quais foram as razões para a alteração ocorrida.

117Cf. pesquisa por nós empreendida cujo relatório encontra-se no Apêndice 2 desta tese. 118Cf. relatório contante do Apêndice 2 desta tese.

119Conforme estabelece a célebre lição de Chiovenda, segundo a qual “o processo deve dar, quanto for

possível, praticamente, a quem tenha um direito, tudo aquilo e exatamente aquilo que ele tenha direito de conseguir” (CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Trad. de Guimarães Menegale, notas de Enrico Tullio Liebman. São Paulo: Saraiva, 1965. v. 1, p. 46). Cf. também nesse sentido BARBOSAMOREIRA,José Carlos.Notas sobre a efetividade do processo. In: ____. Temas de

direito processual: terceira série. São Paulo: Saraiva, 1984. p. 28-29; LIEBMAN, Enrico Tullio. Processo de execução, cit., p. 2-3; e MESQUITA, José Ignacio Botelho de. Limites ao poder do juiz nas cautelares

antecipatórias. In: ____. Teses, estudos e pareceres de processo civil. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2007. v. 3, p. 211.

4- ANÁLISE HISTÓRICA DA FRAUDE DE EXECUÇÃO NO