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Alquimista: a riqueza e a longevidade

No documento ARIETE NASULICZ E BELTRAMI (páginas 93-96)

5. CIÊNCIA: A FONTE DO SABER

5.2 Alquimia: a ciência natural

5.2.2 Alquimista: a riqueza e a longevidade

Os alquimistas estão chegando... Jorge Ben Jor É difícil identificar um rol dos alquimistas mais importantes para a história da ciência. Correríamos o risco de negligenciar nomes importantes. No entanto, não resta dúvidas que segundo a literatura alquímica, Nicolas Flamel parece ter sido o mais famoso dos alquimistas. Diz-se que teria fabricado a pedra filosofal, o elixir da longa vida e realizado a transmutação de metais em ouro. Teria conseguido tais proezas por meio de um livro misterioso, muito antigo, de autoria de Abraham, o Judeu, que continha textos intercalados enigmáticos, com desenhos de serpentes, virgens, desertos e fontes d'água. Achando-o intrigante, passou a estudá-lo, descobrindo que se tratava de cabala e alquimia.

Eu, Nicolau Flamel, escrivão e vizinho de Paris, neste ano de 1399, residindo na minha casa da Rue des Escrivains, perto da capela de St. Jacques de la Boucherie. Ainda que tenha aprendido só um pouco de latim devido aos escassos meios dos meus pais, que, apesar de tudo, eram estimados como gente de bem. Assim pois, quando depois da morte de meus pais, ganhava a vida com a nossa arte da escrita, fazendo inventários, contas, travando os gastos de tutores e de menores, veio-me parar às mãos, por dois florins, um livro dourado muito velho e grande. Não era de papel nem pergaminho como os demais, mas de córtices (assim me pareceu) de tenros arbustos. A sua capa era de cobre fino, gravado com letras e figuras estranhas. Creio que poderiam ser caracteres gregos ou de outra língua antiga similar, pois sabia lê-lo e não eram letras ou ornamentos, já que dessa percebo um pouco. No interior, as folhas de córtice estavam gravadas com grande perfeição e escritas com buril de ferro, umas letras latinas coloridas, muito belas e claras. Continha três vezes sete folhas; assim estavam numeradas no alto da folha. A sétima não continha escrito algum. Em vez disso, estava pintado, na primeira sétima, um látego e umas serpentes mordendo-se. Na segunda sétima, uma cruz com uma serpente crucificada. (...) Na quarta folha pintou, em primeiro lugar, um jovem com asas nos calcanhares e com um caduceu na mão, rodeado por duas serpentes, com o qual golpeava um capacete que lhe cobria a cabeça. Pareceu-me o deus Mercúrio dos pagãos. Contra ele, vinha correndo e voando, com as asas abertas, um velho que levava um relógio atado na cabeça e nas suas mãos uma gadanha como a Morte, com a qual queria cortar os pés a Mercúrio.223

Flamel não tinha, à altura em que adquiriu o dito livro, um conhecimento profundo da simbologia alquímica. Por isso fez uma peregrinação à Compostela, onde encontrou um tal Mestre Canches, um sábio judeu, que teria lhe explicado o simbolismo

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FLAMEL, Nicolas. O livro das figuras hieroglíficas. São Paulo: Editora Três. Biblioteca Planeta. 1973. p. 49 – 68.

contido no livro. A partir do ano de 1380, Flamel, então, começou a se dedicar à alquimia prática. Na verdade, o mistério que cerca a sua figura, está relacionado ao fato de, dez anos mais tarde do início dos experimentos, ele ter realizado um grande número de obras de caridade, como a construção de hospitais, igrejas, abrigos e cemitérios, decorados com pinturas e esculturas contendo símbolos alquímicos e muito ouro. Especula-se que ele teria conseguido produzir ouro por meio da transmutação. Embora Flamel e sua esposa levassem uma vida simples e sem ostentação, deixaram um testamento impressionante, com genorosas doações a várias instituições. Segundo consta, Flamel e sua esposa Perrenelle gozavam de uma saúde invejável e não aparentavam a idade que tinham, o que suscitou a lenda de que ele e Perrenelle teriam descoberto o elixir da longa vida e não teriam morrido.

Deixados a fama, a glória e a riqueza de lado, foi a tradição alquímica de Paracelso no século XVI, no entanto, que exerceu uma profunda influência nos cientistas do XVII, como Newton, Bacon e mesmo Kepler, os quais foram também profundos conhecedores do Corpus Hermeticum. A distinta natureza da filosofia de Paracelso era consequência da visão cosmológica e teológica de mundo, onde o antropocentrismo dava ao homem o lugar primordial da existência. A filosofia natural e a medicina eram entendidas à luz das analogias e correspondências entre macrocosmo e microcosmo, explicitados na Tábua de Esmeralda de Hermes. As especulações acerca das analogias tinham seriamente empenhado a mente dos filósofos durante toda a Idade Média. Paracelso foi o primeiro a aplicar essas especulações para o conhecimento da natureza sistemática. Isso associado com a singular posição que ele assumiu, no que diz respeito à teoria e à prática de aquisição dos conhecimentos. Rompeu com o ordinário lógico, antigo e medieval, seguindo as suas próprias linhas. Seu pensamento é naturalista, o que o aproxima dos filósofos do século XVII e antropocentrista, o que o evidencia como um homem do XVI, fortemente influenciado pelo hermetismo. Paracelso tinha um claro entendimento de que alquimia não era magia, era ciência; e a ciência obedecia as leis da natureza.

Embora Paracelso fosse médico, astrólogo e alquimista, e buscasse remédios para a cura a partir dos escritos herméticos e das relações do corpo humano com as estrelas, discordava em boa medida dos magos do seu tempo, tendo seu pensamento diferenciado do de Flamel e Agrippa, por exemplo.224 Segundo Paracelso, se o homem,

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Heinrich Cornelius Agrippa von Nettesheim (1486 - 1535) mago alemão, escritor de ciências ocultas, astrólogo, alquimista e praticante da ciência hermética. Escreveu sobre magia natural. Acreditava no

o clímax da criação, une em si mesmo todos os componentes do mundo em torno dele como minerais, plantas, animais e corpos celestes, pode adquirir conhecimento da natureza de modo muito mais direto, sentindo internamente essas relações e correspondências. Acreditava num ato de atração simpática entre o interior representativo de um determinado objeto, na própria constituição do homem e o seu homólogo externo (as estrelas do macrocosmo). A originalidade de Paracelso, então, não foi a teoria microcósmica em si mesma, nem a busca da união com o objeto, mas o emprego consistente desses conceitos com a ampla base de um elaborado sistema de correspondências da filosofia e medicina natural.

Ouro, longevidade, poder fizeram com que, ao longo do século XIV, os alquimistas se tornassem visados, invejados e alvo de perseguições. A ganância de reis, príncipes e homens poderosos levou-os a tomar determinados cuidados no exercício de suas atividades. Constam nos conselhos ao alquimista de Alberto, o Grande, no século XIII:

1. Deve o alquimista ser silencioso, discreto, e não revelar a ninguém o resultado de suas pesquisas e operações;

2. habitar longe dos homens, em casa particular, onde destine dois ou três cômodos às sublimações, soluções e destilações;

3. escolher bem o tempo e as horas convenientes a seu trabalho;

4. ser paciente, perseverante e assíduo até o fim;

poder das palavras. No primeiro volume, sobre a Magia Natural, desenvolveu a teoria dos três mundos: o elementar, o intelectual e o celeste; cada um sendo governado pelo seu superior e recebendo as suas influências. Analisou as virtudes ocultas das coisas, o modo como elas provêm das idéias, da alma, do cosmos e dos influxos planetários; quais as atrações e que repulsas suscitam nas espécies animais, vegetais e minerais. No 2º volume falou sobre os números, pesos e medidas, os segredos da harmonia universal, signos. No 3º volume tratou do efeito dos nomes divinos, da hierarquia angélica, dos espíritos planetários, das nove classes de espíritos maus, dos ritos, conjurações, pontículos sagrados, dos hieróglifos cabalísticos; tudo isso no intuito de instruir o mago; dizia: "Embora o homem não seja um ser imortal como o é o Universo, ele não deixa de ser dotado de razão e com sua inteligência, sua imaginação e a sua alma, é capaz de influenciar e transformar o mundo inteiro". Agrippa defendia a necessidade de religião em todo o cerimonial mágico, dizia: "A religião é a coisa mais misteriosa e sobre ela devemos guardar segredo, pois é Trismegistro que afirma que constituiria ofensa à religião, divulgá-la à turba profana". Na sua concepção, a religião é uma mescla de cristianismo, neoplatonismo e cabala. Agrippa leu e tentou conciliar as Escrituras com os textos sagrados das outras religiões. Sobre as citações extraídas de autores estrangeiros, diz: "Eu não dou-as como verdade, é preciso ter a perspicácia para extrair o bem de todo o mal e reduzir a uma linha direita todas as coisas oblíquas”. Concebeu a natureza como um conjunto vivificado em todas as suas partes por uma alma universal ou espírito do mundo que governa os elementos (Quintessência) das leituras que lhes eram proibidas. Cimentou a idéia da magia primitiva sobre bases novas fazendo evoluir seu conceito em direção à ciência experimental com o estabelecimento da chamada magia natural, da qual foi o mais alto expoente juntamente com Paracelso. Síntese dos autores: YATES. op. cit.; TABOSA, Adriana. Magia e filosofia natural em Heinrich Cornelius Agrippa. Doutoranda UNICAMP. Disponível em:

5. executar, segundo as regras da arte, a trituração, a sublimação, a fixação, o calcinamento, a dissolução, a destilação e a solidificação (coagulação);

6. possuir recipientes de vidro ou cerâmica envernizada, pois os licores ácidos (aquae acutae) atacam os vasos de cobre, ferro e chumbo;

7. ter provementos suficientes para comprar todo o necessário para as operações;

8. evitar toda relação com príncipes e grandes.225

A partir da constatação de que o ouro, bem como o elixir da longa vida, suscitavam a ganância dos homens, compreende-se o porquê da alquimia ter caído na clandestinidade.

No documento ARIETE NASULICZ E BELTRAMI (páginas 93-96)