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Presente: o tempo das possibilidades

No documento ARIETE NASULICZ E BELTRAMI (páginas 155-200)

6. REDENÇÃO: O ESPÍRITO DO DEVIR

6.4 Presente: o tempo das possibilidades

Olhamos para um céu irreal que reflete um céu passado e que não aconteceu. A belíssima visão do Universo, que sempre fascinou os homens de todos os tempos, reflete um céu que “não aconteceu” da forma como a imagem refletida chega até nós. Se hoje fotografarmos um setor do Universo, veremos estrelas e astros que nos mandaram suas luzes de um tempo tão remoto, de épocas tão diferentes, que o quadro atual, como nos chega, é quase uma “fantasia cósmica”. Uma estrela que já morreu há um bilhão de anos envia sua imagem ao lado de outra que transmitiu sua luz há 100 milhões de anos... Elas “aparecem juntas”, nesta foto fantástica, como se tivessem vivido ao mesmo tempo ou como se estivessem lá agora, tal qual “a foto do seu tataravô ao lado do seu trineto que ainda não nasceu”.

Reflexões de Einstein É consenso entre nós historiadores que as narrativas históricas são uma construção do historiador. É ele quem recorta o passado e lhe dá um sentido. Portanto, a história é uma construção do presente. Mas o passado a ser rememorado não é aleatório. Ele está intimamente ligado às necessidades e conveniências do presente que o retoma, seja na busca de respostas ou necessidade de entendimento do próprio presente, como observa Benjamim, seja no entendimento do próprio passado. Em contrapartida, uma história do tempo presente só pode ser pensada enraizada num passado. Nesse sentido, Pierre Nora afirma que no historiador é depositado a esperança de que ele possa fornecer os segredos do nosso tempo.333

Entender o nosso presente requer entender outros presentes, que já se tornaram passado. Mas será que é possível entendermos outros presentes deslocando-nos do nosso próprio presente? Talvez sim. Para tanto, é necessário evitarmos o anacronismo nos despindo de conceitos e preconceitos do julgamento da história. Voltamo-nos a um outro presente, o presente de Dario Vellozo, e percebemos um oceano de idéias, algumas que poderiam ser consideradas por nós, ultrapassadas, e outras, com pleno vigor teórico e ideológico na atualidade. E é essa visão de universos paralelos, de presentes diferentes, que assegura o objetivo da nossa pesquisa, de termos conseguido penetrar em outro mundo.

A partir dos três eixos conceituais que nos nortearam: esoterismo, tradição e ciência e as noções de contexto e historicidade, demos um panorama do mundo do fim do XIX e início do XX. Pudemos relacionar a busca dos antigos alquimistas pela pedra

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NORA, Pierre. O acontecimento e o historiador do presente. In.: LE GOFF, LADURIE, DUBY. A nova história. Lisboa: Edições 70, 1983. p. 47 a 56.

filosofal, o elixir da longa vida e a criação do humunculus com as pesquisas dos cientistas do XIX. Embora Vellozo não fosse um cientista, vimos que a sua idéia de ciência estava intimamente ligada à tradição da ciência hermética, sem negar, no entanto, os avanços da ciência positiva de sua época. O ambiente contextual da modernidade, que possibilitou os intercâmbios, permitiu-lhe uma reelaboração de idéias antigas caracterizadas de outras formas e imbuídas de outros artifícios aplicadas a novas realidades, isto é, idéias que foram adaptadas, pois vimos que as referências de Vellozo ganharam novos sentidos em seu discurso.

No que se refere a pedra filosofal, o texto Proesas da moderna alchimia relaciona explicitamente os empreendimentos químicos radioativos de sua época a antiga prática alquímica. Na fala de Vellozo vimos claramente que, naquele tempo, ele acreditou que a ciência poderia redimir a humanidade do futuro, pois acreditava ele, na evolução, na comprovação científica e no progresso, enquanto melhoria. No entanto, não sabia quais os efeitos colaterais das pesquisas do XIX estariam reservados ao futuro. Via com bons olhos as pesquisas de seu tempo, embora criticasse o crescente racionalismo cientificista que se havia divorciado da ciência sagrada. A compreensão do presente de Vellozo nos leva a crer que muitos daqueles homens eram bem intencionados em seus experimentos.

Se por um lado o século XX herdou uma ciência que se revelou destrutiva e mortal, por outro, os experimentos científicos no campo da Química, por exemplo, possibilitaram o desenvolvimento de medicamentos e tecnologias que transformaram a indústria farmacêutica em um verdadeiro império. A cura para todos os males, o elixir da longa vida dessas descobertas, se não imortalizaram nenhum homem, ao menos contribuíram para a melhoria e prolongamento da sua qualidade de vida. Experienciamos uma ciência que criou e matou.

Da procura do humunculus, desde as mais bizarras pesquisas dos alquimistas e cabalistas de outros tempos, tivemos a formação das disciplinas na especialização do conhecimento das ciências nas áreas da Medicina, Antropologia, Biologia e Genética. Ciências estas que parecem suscitar as discussões mais polêmicas da atualidade e que ultrapassam a prática e tangem à Ética e a Moral. Dolly existe. As experiências genéticas, bem como a manipulação de vírus contam com regulamentação de estatutos próprios de cada país. Não há um controle mundial dessas pesquisas, como há em relação às armas de destruição em massa, ou projetos nucleares. Talvez porque o imaginário de uma catástrofe nuclear seja mais monstruoso do que um ser artificial.

Frankenstein, de Mary Shelley, a história de um estudante de ciências naturais que constrói um monstro em seu laboratório, reflete o imaginário acerca dos perigos das pesquisas biológicas do contexto que já anteviam alguns modernos. Não se pode negar que as experiências do XIX possibilitaram a volta dos sonhos alquimistas da produção da pedra filosofal, do elixir da longa vida e da criação do humunculus, embora travestidos de outros argumentos e outros artifícios. O paradigma científico, no entanto era outro. O homem já não se pensava como antes. O homem agora era o produto do acaso da seleção natural e não mais o centro da criação. A Natureza imperava e a Ciência comandava. A máquina poderia substituí-lo. E ao futuro estava reservado o fim da espécie humana, substituída pela máquina ou dominada por um estado totalitário. Co-existiam o pessimismo e o otimismo, como espíritos de futuro, oscilando entre os humores modernos.

Confiante, consciente, crítico e bem informado, Vellozo preferiu o otimismo, acreditou no progresso e na evolução espiritual. Embora a onda de cientificismo e racionalismo tenha perdurado como “ponto fixo”, paradigma de pensamento do contexto, Dario Vellozo sincretizou a verdade científica de sua época a uma verdade suprema da tradição hermética. A ciência havia dado conta de resolver a matéria, mas não havia resolvido o problema da vida. Ele bebeu então de outras fontes: Schuré, Papus, Blavatsky, Fabre d’Olivet, Éliphas Levi, que num primeiro momento, deram-lhe as repostas que procurava para solucionar os mistérios do seu tempo.

Ao publicar textos de caráter científico positivo e textos esotéricos ocultistas, Vellozo tentou conciliar religião e ciência. Fundiu conceitos antagônicos e criou novos conceitos. Como um verdadeiro alquimista que era, adaptou as esperanças.

Compreender o que permeava os discursos, o que se passava àquele tempo, os anseios, as esperanças, as decepções e os pontos de vista daqueles homens nos aproxima cada vez mais da resposta à nossa grande questão: qual a concepção de ciência de Vellozo? A essa altura de nossa narrativa, temos uma resposta objetiva e concreta: a idéia de ciência de Vellozo era a de uma ciência de tradição hermética que, adicionada à ciência positiva de sua época, com todas as suas descobertas e invenções, revelava-se como redentora da futura humanidade.

Sciencia Occulta

(Barlet e Lejay)

O pouco que poderemos dizer do mundo invisivel e suas relações com a nossa vida terrestre é por demais insufficiente para vos dar idea

da magnitude que se prende ao seo conhecimento. Constitue, em verdade, mui vasta e completa e antiga sciencia, de que o estudo do Astral é apenas fragmento, e desvenda innumeros mysterios do mais alto interesse.

E esta sciencia, que uma especie de renascimento chama actualmente à vida, pode fornecer à Arte preciosos elementos, superiores àquelles que a tem feito brilhar em seos mais bellos periodos.

Esta sciencia Hermetica, ou Esoterica, tem por objecto a actividade particularizada e preciza das trez Potencias universais que já hemos indicado: a Divina, a Humana e a da Natureza, bem assim as relações harmonicas que se extendem da mais rigorosa lei physica até às mais elevadas iniciativas do Absoluto. É nada menos que a synthese essencial de todas as sciencias, de todas as philosophias, de todas as religiões, synthese que as illumina de prodigiosa luz, reunindo-as na Unidade de alguns principios tão simples quanto fecundos.

Sciencia das causas e dos fins de todas as cousas, capaz entretanto de chegar até as mais insignificantes particularidades pela força de seos primeiros Principios, é ao mesmo tempo a philosophia a mais profunda, a poesia a mais sublime, a religião a mais nitida; a fonte a mais inexgotavel, portanto, de inspirações artisticas, grandiosas ou commovedoras. Abraçando, como abraça, todo o universo e todas as formas de sua vida inenarrável, é sempre accessivel à alma humana e assaz emocionante, pois lhe delineia o que mais a interessa.

Liberta-nos das desolações do fatalismo naturalista, pois nos mostra que a Natureza reprezenta apenas a infancia dos sêres, o estado de minoridade da alma chamada à vida eterna. Cura-nos das duvidas melancholicas do pozitivismo, porque nos abre, acima da analyse, todas as formas da sciencia directa. Conserva-se extranha, entretanto, aos terrores do mysticismo porque nos traça nas leis da evolução, o tramite que conduz pela pratica activa e san da vida ao centro radioso da infinita bondade, da verdade absoluta, e do poder supremo.

(De l’Art de Demain) Dario Vellozo334

A aproximação de Vellozo com a tradição hermética de pensamento deu-se até por influência dos conhecidos ocultistas europeus, predominantemente franceses e belgas, que por característica, voltaram-se para a busca de uma tradição primordial, como foi a teosofia de Helena Blavatsky, remontando o culto a Ísis e o orientalismo indiano descrito em sua Doutrina Secreta. Curitiba parece ter se afastado de uma tradição de pensamento portuguesa colonialista ou mesmo imperialista como poderíamos supor de antemão, e estabeleceu uma identidade com os europeus, talvez fruto da própria corrente migratória que sofreu o sul do país no contexto.

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A principal fonte de estudos de Vellozo foi o ocultismo francês. Isto porque o fenômeno que se traduziu como ocultismo no XIX pareceu sintetizar a antiga ciência hermética às novas possibilidades da ciência positiva do XIX. Os alquimistas haviam voltado com novos métodos, novas descobertas e novos estratagemas. Nesse sentido, do ponto de vista teórico-metodológico, para a definição dos conceitos que usamos até aqui, entendemos o ocultismo como uma das formas, categorias, da história do esotericismo durante o século XIX como propôs Moura. Esta definição foi fundamental e decisiva para a emergência de uma série de diferentes correntes que incluíram o moderno Espiritualismo, os rituais mágico-ocultistas, as sociedades herméticas, o cristianismo gnóstico e o aparecimento da moderna Sociedade Teosófica. Podemos interpretar o ocultismo nessa conjuntura como uma adaptação histórica do esoterismo a um mundo em processo de dessacralização, baseando-se numa concepção segundo a qual a experiência do sagrado acontecia na vida cotidiana. O ocultismo, como uma importante forma do esoterismo ocidental, emergiu da interação entre uma concepção antiga e esotérica de “correspondências” com um novo conceito de “causalidade”. Permaneceu num caminho ambivalente entre o esoterismo tradicional e os modernos pontos de vista científicos. O que quer dizer que, podemos entender o ocultismo como o esoterismo moderno, aparelhado pelas novas concepções cientificistas de então.

Occultismo

Papus Dr. em Medicina

Dr. em Kabbala

Quando houve certeza de que a maior parte dos phenomenos produzidos pela força psychica eram reaes, foi lembrada a existencia de uma theoria particular destes phenomenos: a Magia.

Os Magos da Persia pretendiam explicar e produzir a vontade factos do mesmo genero; seria, pois interessante conhecer suas ideas nesse sentido.

Estas ideas não se acham tão inteiramente perdidas como se poderia crer. Um estudo, mesmo superficial, dos auctores que têm tratado de Magia e de Alchimia, e algumas confrontações entre as ideas expostas por taes auctores e as emittidas no Zend-Avesta e pela Kabbala, permittem reconhecer, mesmo com a transformação dos vocabulos atravez das edades, a perfeita concordancia das ideas. De todo esse conjuncto se desprende uma doutrina particular que pode perfeitamente alliar-se a nossas theorias scientificas, contemporaneas, e pode ainda auxiliar a sciencia a levar alguma luz ao chaos dos factos, ainda inexplicados, da Natureza.

O Occultismo é uma doutrina que vale o que valem todas as doutrinas. Não tem a pretenção de possuir a Verdade em tudo; porém, as theorias que expõe tendem a substituir o mysticismo por um certo

racionalismo. Principalmente no estado dos factos espiritas, o Occultismo, sem negar a intervenção, em certos casos, das entidades pessoaes dos sêres defuntos, restringe consideravelmente o papel que se possa atribuir a essas entidades, e entende que a maior parte de taes factos são devidos a phenomenos de hypnotismo transcendente, produzidos principalmente pelas forças emanadas do medium e dos assistentes.

A Historia conta que os maiores pensadores da Antiguidade, que o Occidente tem visto nascer, foram completas a instrução nos mysterios Egypcios.

A Sciencia ensinada pelos possuidores desses mysterios é conhecida com differentes nomes:

Sciencia Occulta, Hermetismo, Magia, Occultismo, Esoterismo, etc, etc.

Em tudo identica em seos principios, este codigo de construção constitue a Sciencia tradicional dos Magos, a que damos geralmente o nome de OCCULTISMO. Esta Sciencia continha a theoria e a pratica de grande numero de phenomenos, de entre os quaes apenas uma insignificante parte constitue actualmente o dominio do magnetismo ou das evocações ditas espiritas. Estas praticas, contidas no estudo da Psychurgia, eram, repetimos, uma insignificante parte da SCIENCIA OCCULTA, que comprehendia ainda trez grandes divisões: a Theurgia, a Magia e a Alchimia.

O estudo do Occultismo é capital sob dous pontos de vista: illumina o passado de uma luz intensa e nova, e permitte ao historiador estudar a antiguidade sob aspecto quasi desconhecido ainda. Aprezenta ao experimentador contemporaneo um systema synthetico de affirmações a comprovar pela sciencia, e ideas sobre forças ignoradas quasi, forças da Natureza ou do Homem a comprovar pela observação.

O emprego da analogia, methodo caracteristico do Occultismo, e sua applicação a nossas sciencias contemporaneos ou a nossas concepções modernas de Arte e de Sociologia, permitte lançar uma luz inteiramente nova sobre os problemas que mais insoluveis pareccem.

O occultismo não pretende, entretanto, ter a unica solução possivel das questões de que trata. É um instrumento de trabalho, um meio de estudo; e só um tolo orgulho, poderia levar a seos adeptos a pretenção de possuir a Verdade Absoluta. O occultismo é um systema philosophico e scientifico que rezolve quasi sempre as questões, que se aprezentam a nosso espirito. Tal solução será a expressão unica da Verdade? É o que só a experimentação e a observação podem determinar.

O occultismo, para que seja evitado qualquer erro de interpretação, deve ser dividido em duas grandes partes:

Iª. – Uma parte immutavel formando a base da tradição e que facilmente se pode encontrar nos escriptos de todos os hermetistas, qualquer que seja a epocha e a origem.

2ª. – Uma parte pessoal ao auctor e constituida por alguns commentarios e applicações especiaes.

A parte immutavel pode ser dividida em trez partes:

Iª. – A existencia da Tri-unidade como lei fundamental de acção em todos os planos do Universo.

2ª. – A existencia das correspondencias unindo intimamente todas as porções do Universo vizivel e invizivel.

A possibilidade dada a cada intelligencia de manifestar suas potencialidades nas applicações de pormenor é a causa efficiente do progresso dos estudos, a origem das diversas escholas e a prova da possibilidade que tem cada auctor de conservar toda sua individualidade, qualquer que seja o campo de acção por si attendido.

Magia: A Magia é a sciencia tradicional dos segredos da Natureza.

Foi-nos legado pelos Magos. O Adepto ou Iniciado é o senhor de grandes poderes, que lhe dão a faculdade de obter imprevistos resultados, cujo alcance é ignorado pela quasi totalidade dos homens. Entre os magos mais celebres notam-se Hermes Trismegisto, Osíris, Orpheo, Appolonio de Thyana, Juliano o Philosopho, Cornellius Aggripa, Merlim, etc.

- Intelligencia lucida e cultivada, audácia indomavel, Vontade inflexivel e Discreção Absoluta.

Dahi os quatro verbos: Saber, Querer, Ousar e Calar.335

Para Vellozo o que a Ciência positiva vinha descobrindo, já era sabido pelos antigos sábios e alquimistas. Tais homens teriam comunicado seus segredos por meio dos simbolismos que cercam a literatura alquímica, pela tradição e pelos monumentos antigos e medievais, como mostrou Fulcanelli em As mansões filosofais. Somente os portadores das chaves, isto é, do conhecimento da linguagem simbólica, poderiam ter acesso à Ciência Sagrada. Não foi por acaso que o simbolismo tenha se configurado na principal forma de expressão literária dos curitibanos. Podemos afirmar com base no teor da documentação pesquisada que Dario Vellozo funcionava dentro de uma tradição hermética de pensamento advinda de uma releitura dos europeus do século XIX. Ele não negava a importância do método científico positivo e a busca da verdade científica. Mas conciliava essas idéias a crenças mais antigas da existência de uma ciência sagrada. Por isso é tão evidente a idéia de “ciências” em suas obras. A ciência sagrada, ou que se pensa sobre ela, como já vimos é transmitida a iniciados, e Dario Vellozo acreditava nessa premissa, ou não teria buscado nos cultos dos mistérios pitagóricos o seu mote Sciencia, Arte e Mysterio...

O revival místico observado por Franklin Baumer e Eugen Weber na Europa do XIX teve seus adeptos entre os curitibanos deste lado do mundo, os quais aspiravam ares cosmopolitas e desejavam reconhecimento nacional, dentro de um projeto de República. Esoteristas e membros de entidades espiritualistas como a Maçonaria, a Ordem Rosa-Cruz e o Instituto Neo-Pitagórico, construíram uma visão particular de mundo.

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Paul Veyne afirma que "durante muito tempo acreditou-se nos mitos, segundo programas muito diferentes de época para época".336 Segundo ele, o mito é um produto social, o reflexo das crenças populares, das idéias de um povo, numa dada época, num dado contexto. Continua Paul Veyne que "acreditamos nas obras da imaginação. Acreditamos nas religiões, em Madame Bovary durante a leitura, em Einstein. Em certas sociedades essas idéias poderiam ser consideradas ficção".337 Situações que podem ser fictícias para uns, não o são para outros, tudo depende do seu programa de verdade. A questão que se coloca aqui é que a verdade é relativa e a crença numa verdade no campo político e ideológico, obedece a um programa estabelecido, um paradigma. E foi o XIX que elegeu a ciência como o nosso paradigma de verdade.

A verdade varia historicamente. Então, o mito diz a verdade. Os gregos acreditavam na verdade das coisas e do homem. Para eles, o devir do mundo seria um perpétuo recomeço, uma lógica advinda da observação da natureza, a “verdade natural”. Os modernos do XIX deixaram de acreditar no ciclo, mas passaram a acreditar na evolução e no progresso. Se o mito deixou de dizer a verdade, a sua antiga função social garantiu que houvesse uma verdade das coisas: na Ciência.

O XIX foi um século marcado pelas sensações e sentidos. O magnetismo, a hipnose, a eletricidade como fluído mágico, foram estudados por muitos ocultistas que já haviam superado a alquimia. Novos elementos foram descobertos e seria possível à ciência dar mais respostas a respeito dos mitos. O desconhecido estava perto de ser revelado. Mas a ciência sozinha não podia explicar os mistérios daquele presente.

A pesquisa de Silvestrin já havia demonstrado que o orientalismo, as influências dos chamados ocultistas europeus, o simbolismo, o positivismo, o evolucionismo e a forte crença no progresso forneceram aos curitibanos argumentos que construíram um modo de pensar eclético, onde as idéias não entraram em confronto, mas sim se complementaram. Apontado o caminho, restou-nos verificar como se construíram esses argumentos paradoxais para a concepção de mundo de Dario Vellozo. Os curitibanos possuíam um claro projeto de nação e civilização baseado em valores morais altruístas, com profundos sentimentos de caráter espiritualista e justificativa científica, com uma forte crença no progresso e na evolução, ancorado num passado idealizado. Dissera certa vez Dario “O Brasil será a Grécia da humanidade futura, possa ser Curitiba, sua Atenas”.

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VEYNE, Paul. Acreditaram os gregos em seus mitos? Lisboa: Edições 70, 1983. p. 139. 337

A Sciencia é a Verdade demonstrada. Conscienciosa investigadora, desapaixonada e austera, observa demoradamente os

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