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Cientista: o empirismo e a comprovação

No documento ARIETE NASULICZ E BELTRAMI (páginas 96-101)

5. CIÊNCIA: A FONTE DO SABER

5.2 Alquimia: a ciência natural

5.2.3 Cientista: o empirismo e a comprovação

NAPOLEÃO: Monsieur Laplace, por que o Criador não foi mencionado em seu livro Mecânica Celeste? LAPLACE: Sua Excelência, eu não preciso dessa hipótese.226

Lendas, discrição e críticas à parte sobre os alquimistas, podemos considerar como o mais ilustre dos alquimistas o próprio Isaac Newton. O pai da ciência moderna que, segundo Yates, esteve ligado à Ordem Rosacruz. Newton, é sem dúvida, o mais eminente cientista da era moderna. Filósofo naturalista, reconhecido no campo da Física e da Matemática. Foi também astrônomo e alquimista, como muitos do seu tempo. Sua obra, Philosophiae Naturalis Principia Mathematica, é considerada uma das mais influentes na História da Ciência. Publicada em 1687, descreveu a lei da gravitação universal e as três leis de Newton, que fundamentaram a mecânica clássica. Provou a consistência que havia entre o seu sistema idealizado e as leis de Kepler do movimento dos planetas. Foi o primeiro a demonstrar que o movimento de objetos, tanto na Terra como em outros corpos celestes, são governados pelo mesmo conjunto de leis naturais. O poder unificador e profético de suas leis centrou-se na revolução científica, no avanço do heliocentrismo de Copérnico e na difundida noção de que a investigação racional pode revelar o funcionamento mais intrínseco da natureza.

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Apud: FLAMEL, N. Op. cit., p. 27. É interessante notar que os conselhos de Alberto, o Grande, foram musicados por Jorge Ben Jor em Os alquimistas estão chegando.

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GLEISER, M. A dança do Universo: dos mitos de criação ao Big-Bang. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. p. 197.

Seus estudos no campo da óptica demonstraram que a luz branca é formada por sete cores, vermelho, laranja, amarelo, verde, azul, anil e violeta. Sua lei da gravitação revolucionou a lógica do pensamento científico a partir do XVII. Newton explicou, a partir de sua Terceira Lei da Dinâmica, que se um objeto atrai um segundo objeto, este segundo também pode atrair o primeiro com a mesma força. Concluiu que o movimento dos corpos celestes não podia ser regular. Para ele, porém, longe do ateísmo que viria a prevalecer no pensamento científico do século XIX, a estabilidade das órbitas dos planetas implicava em reajustes contínuos sobre suas trajetórias impostas por um poder divino. Considerava que a Mecânica Celeste era governada pela gravitação universal e, principalmente, por Deus. Segundo um de seus depoimentos, podemos perceber sua íntima ligação com a idéia da nômada do hermetismo: "A maravilhosa disposição e harmonia do universo só pode ter tido origem segundo o plano de um Ser que tudo sabe e tudo pode. Isto fica sendo a minha última e mais elevada descoberta".227

Podemos afirmar que, no século XVII, visivelmente marcado pelo naturalismo e pelo racionalismo, Newton demarcou um novo paradigma científico, o mecanicismo, figurado na emblemática frase de Alexander Pope: “A Natureza e suas leis escondiam- se na escuridão. E disse Deus: ‘Faça-se Newton!’, e Tudo se iluminou”.228 Embora Newton tenha sido um deísta convicto, seu sistema da natureza, segundo Hazard, permitiu ao homem de então não mais se distinguir do conjunto mecânico dos seres vivos, criando assim uma outra religião, a religião natural, um meio caminho para as forças do ateísmo e do cientificismo do XIX.229 O próprio conceito de Iluminismo, denota à essa época a idéia de que a humanidade havia saído de um período de obscuridade e de trevas, para um momento onde a ciência passou a iluminar o homem. O mais marcante legado dos filósofos iluministas, a importância dada à Natureza, fez com que Deus saísse de cena e fosse substituído pela Natureza, e nessa nova cosmologia, a ciência passou a ser a verdade única e absoluta das coisas.

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Os historiadores da ciência costumam ocultar a relação de Newton com a Alquimia, a Astrologia, bem como negligenciam a sua religiosidade. Newton tinha algumas opiniões acerca dos escritos bíblicos e sobre o fim do mundo. Em um manuscrito que escreveu em 1704, tentou extrair elementos científicos da Bíblia. Estimava que o mundo não iria terminar antes de 2060. Em Escatologia, Newton investigou uma parte da teologia e da filosofia apocalípticas, preocupado com o que se acreditou ser o último acontecimento na história do mundo, ou o derradeiro destino da humanidade. Newton escreveu muitas obras que passaram a ser classificadas como estudos ocultistas.

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GLEISER, M. Op. cit. p. 163. 229

HAZARD, Paul. O pensamento europeu no século XVIII. Lisboa: Editorial Presença, 1974. p. 111 – 125.

Mas não se pode negar que o mundo antes de Newton forneceu elementos preciosos para o entendimento da natureza. Buttrfield diz que havia muito que o mundo estava familiarizado com os laboratórios e refinarias dos alquimistas, com dissolução e combinação de substâncias e estudos sobre as reações dos ácidos e do fogo. Durante o século XVI produziram-se progressos notáveis no campo da física em relação ao conhecimento que se tinha no mundo antigo. A fundição e refinação de metais, a produção de tratamento do vidro, da porcelana e das cores, o desenvolvimento de substâncias explosivas, materiais artísticos com tintas de pigmentação à base de reações químicas e a fabricação de remédios curativos, porém, do ponto de vista da ciência moderna, não representaram uma revolução científica, como foi denotado ao século XVII posteriormente.230 Essas conquistas foram incipientes. De fato, a alquimia não conseguira providenciar a estrutura requerida para o pensamento científico moderno, foi antes de tudo, um fator de perturbação a ele, visto que a alquimia pressupunha um componente espiritual de ação e estava intimimante relacionada à magia.

A aproximação da Alquimia com a tradição hermética esotérica faz dela uma ciência sagrada. Essa relação místico-religiosa é o que a distancia da Química científica positiva. Ela é pensada em duas vertentes bem definidas, uma operacional e intuitiva e outra prática e aplicada, ambas intimamente ligadas à Natureza. A Alquimia operacional e intuitiva operava em nível interior, envolvendo operações em nível espiritual, simbólica e fartamente representada na literatura alquímica. A outra vertente prática e aplicada, é direcionada a mudar as forças físicas da natureza. Opera por meio das substâncias primordiais, o enxofre, o mercúrio e o sal. A busca pelos elementos componentes da natureza levaram o alquimista pesquisador a uma evolução231 de técnicas, concepções, anotações, pesquisas, experimentações, que em poucos séculos se encontrou com o racionalismo empírico, conseguindo se legitimar como ciência, como Química.

Mas antes que Mendeleev, no XIX, conseguisse organizar os elementos químicos na Tabela Periódica, foram necessários vários séculos de experimentos e catalogação das propriedades dos elementos químicos. Embora, os elementos químicos, tais como ouro (Au), prata (Ag), estanho (Sn), cobre (Cu), chumbo (Pb) e mercúrio (Hg) fossem conhecidos desde a antiguidade, a primeira descoberta científica de um

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BUTTERFIELD, Herbert. As origens da ciência moderna. Lisboa: Edições 70. Coleção História das Idéias e do Pensamento, 1992. p. 171 – 205.

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Usamos a expressão “evolução” no sentido que Norbert Elias dá a ela, como um processo não necessariamente de melhoria e sim de continum.

elemento só ocorreu em 1669, quando o alquimista Henning Brand descobriu o fósforo. As combinações químicas que resultam no nitrato de prata, no bitartarato de potássio e no sulfato ferroso também eram conhecidos dos alquimistas ilustrados. Durante os duzentos anos seguintes, um grande volume de conhecimento, relativo às propriedades dos elementos e seus compostos, foi adquirido pelos químicos. Com o aumento do número de elementos descobertos, os cientistas iniciaram a investigação de modelos para reconhecer as propriedades e desenvolver esquemas de classificação.

A primeira classificação foi a divisão dos elementos em metais e não-metais. Isso possibilitou a antecipação das propriedades de outros elementos, determinando assim, se seriam ou não metálicos. Alguns séculos se seguiram até que no XIX Mendeleev conseguiu organizar todos os elementos conhecidos numa tabela, contendo sua massa, seu número atômico e demais informações classificatórias. Ele sistematizou séculos de acúmulo de pesquisas químicas. Esse trabalho rendeu a Mendeleev o Prêmio Nobel em 1906.

O empirismo do século XVII promoveu em boa medida os experimentos científicos que se seguiram pelo XVIII e XIX. Não foram raros os laboratórios que explodiram e pesquisadores que morreram intoxicados devido à exposição a elementos desconhecidos. A natureza e o empirismo da experiência criaram, no XIX, o paradigma da verdade positiva. A comprovação científica passou a ser a autoridade validativa de um fato. A ciência monopolizou a verdade e os discursos políticos justificaram-se em nome da ciência. Tudo passou a ter que ser cientificamente comprovado.

Do ponto de vista que envolve os processos da transmissão do saber, Paolo Rossi, ao verificar o nascimento da ciência moderna na Europa, analisou como se deu a passagem do saber hermético para o saber público da revolução científica do século XVIII. Afirma o autor que, o saber, entendido como forma de poder, foi sempre fechado, hermético, velado pelo segredo e ocultado pelos labirintos de simbolismos, dissimuladores dos métodos; contrapondo-se à proposta iluminista de um saber universal, que tendia ao esclarecimento e à alfabetização, demonstrável e comunicável à todos por meio das instituições humanistas. A verdade, na proposta iluminista, deveria ser provada e comprovada por meio da nova ciência experimental. Essa nova ciência deveria ser difundida à todos, como uma forma de levar luz à ignorância e às superstições. A nova ciência deveria ser clara, didática e de linguagem simples, diferenciando-se da antiga ciência hermética.

A cabala, a astrologia, a magia e a alquimia associavam o poder do verbo, da simpatia e correspondências planetárias, da imaginação criadora e do conhecimento profundo da natureza, para a formação do que se entendia como a antiga ciência sagrada. É certo que esta relação se diluiu a partir da Renascença. Mas em suma, até o século XVI, a alquimia esteve intimimante relacionada à magia, pois sua ciência (ou prática científica) não foi pensada dissociada do divino, do Todo, do princípio Nous. No entanto, a partir do XVII, a alquimia ganhou novas tonalidades e sua prática voltou-se para o entendimento das leis naturais e físicas no plano empírico. A relação alquimia e magia fora então rompida.

Se a Renascença pode ser identificada como o período de transição para o rompimento entre a magia (ciência divina) e a alquimia (ciência natural), podemos considerar o Iluminismo o marco de transição entre a ciência hermética e a ciência positiva para um quase total rompimento no século XIX. Havíamos mencionado anteriormente que, dentro do conceito de tradição hermética, poderíamos apreender o sentido esotérico e o sentido científico, embora antes não pensados separadamente. Do hermetismo renascentista ao iluminista, prevaleceu, então, a herança científica. Podemos observar uma trajetória que foi da magia à alquimia, e da alquimia à química.

O que pretendemos demonstrar até aqui foi que a ciência percorreu um longo caminho histórico para se consolidar com os parâmetros atuais, embora ela relute em reconhecer sua ligação com um passado mágico. Mas as evidências falam mais alto. Na defesa da centralidade do Sol, Copérnico invocou a autoridade de Hermes Trismegisto. Francis Bacon teve sua teoria das formas fortemente condicionado à linguagem e modelos da tradição alquímica. Kepler, profundo conhecedor do Corpus Hermeticum, foi convicto nos princípios das correspondências, profundamente influenciado pela matemática do misticismo pitagórico. Descartes, símbolo da clareza racional, foi influenciado pelo lullismo mágico. E Newton que, não só leu e resumiu textos alquímicos, também dedicou muitas horas de sua vida à pesquisa da renegada Alquimia.

Como podemos perceber, parte da memória desse passado mágico dos ícones da ciência moderna, como Newton e Kepler, foi apagado ou “editado”, ou, pelo menos, tentou-se que caísse no esquecimento. Mas estes cientistas, bem como outros, beberam da fonte hermética do conhecimento. Copérnico, Galileu, Bruno tiveram suas teorias confirmadas e comprovadas por Newton, que assim concebeu um universo mecanicista que funcionou como paradigma científico até Einstein, que rompeu com este paradigma e vislumbrou uma nova visão de mundo com sua teoria da relatividade. O ponto crucial,

ao qual foi nossa intenção chegar por intermédio do desenvolvimento desse capítulo, foi a constatação de que há um processo de abafamento da memória acontecendo no nosso presente, como alerta Benjamim. Um processo de abafamento escandaloso que pretende propositalmente cada vez mais “esquecer” e “apagar” a antiga ligação que existiu entre Ciência e Magia.

No documento ARIETE NASULICZ E BELTRAMI (páginas 96-101)