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Evolucionismo: o caminho em espiral

No documento ARIETE NASULICZ E BELTRAMI (páginas 149-155)

6. REDENÇÃO: O ESPÍRITO DO DEVIR

6.3 Modernidade: o diálogo científico

6.3.3 Evolucionismo: o caminho em espiral

Se eficiência mecânica se tornar a nova medida de aptidão evolucionária, muito do que consideramos fundamentalmente humano será eliminado.

Revista Scientific American

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“Método” e “verdade” são palavras que imprimem ao pensamento curitibano um caráter racionalista. A palavra “Método” vem do grego methodos, que quer dizer "caminho para chegar a um fim". Na filosofia o método delimita o modus da obtenção do conhecimento: a epistemologia. O Discurso sobre o Método de Decartes, obra seminal do Iluminismo, abriu o caminho para a ciência moderna e para o conceito de método científico. Na ciência o método científico é constituído por uma série de passos codificados, que se tem de tomar, de forma esquemática para atingir um determinado objetivo científico. Disponível em: <http://www.unb.br/ics/dan/Serie190empdf.pdf> Acesso em: 31/07/2009.

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O texto consta integralmente entre os anexos. Embora, reconheçamos a importância do pensamento de Comte para a ciência moderna, não aprofundaremos a análise do texto por entendermos que esse tema mereceria uma pesquisa própria e por fugir à proposta de discussão do nosso objeto. Ver Anexo V. 325

A palavra "orthologia" já não aparece mais nos dicionários de hoje. Encontramos uma referência a essa expressão no artigo do João do Rio, maior crítico dos esotéricos paranaenses, no qual ele critica a orthologia e o autor do texto Magnus Söndahl, que Dario Vellozo editou e publicou. Dentre os documentos microfilmados, encontramos também várias edições do curso de Orthologia divulgado na Revista Esphynge que constam entre os anexos. Ver Anexo VI.

Quanto a relação de Vellozo com o evolucionismo, encontramos no artigo intitulado Da Antiguidade do homem de 1905 a referência bibliográfica que Vellozo utilizou para escrever seu texto.326 Nela vemos citado Darwin e muitos outros autores.

Respeito à Antiguidade do homem, lembro as seguintes obras que estudei e se recomendam pela alta competência de seus autores:

Debierre – L’Homme avant l’Historie. Cotteau – Le Préhistorique en Europe. P. Topinard – L’Anthropologie. P. Topinard – Anthropologie génerale. Letourneau – La Sociologie.

G. Mortillet – L’Préhistorique. Bordier – La Gépgrafhie médicale. Dr. Fauvelle – La Physico-Chimie. Hovelacque – Les Debuts de lHumanité.

Flammarion – Le monde avant la création de l’homme. E. Sodi – La Langue Sacrée.

Lapparent – Traité de Géologie. C. Claus – Traité de Zoologie.

Huxley – De la place de l’homme dans la nature. Darwin – La descendance de l’Homme.

Darwin – Origines des espèces. Haeckel – Histoire de la Création. De Nadallac – L’Amérique Préhistorique.

Quatrefages – Introducion à l’étude des races humaines. Lubbock – L’Homme avant l’histoire.

Revel – L’Evolution de la Vie.

Papus – Traité méthodique des sciences occultes. Blavatsky – Ísis sin velo.

Blavatsky – La Dotrina secreta.

Alves de Magalhães – Nova Lei do Systema do Mundo. R. Cronau – America.

Draper – Conflictos da Sciencia com a religião. G. de Raille – La Mythologie comparée.

Snider – La Création et ses mystéres. Humboltd – Cosmos.

Buchner – Force et matiére.327

O artigo é razoavelmente pequeno, uma página apenas. Mas a deduzir por essa extensa bibliografia, vemos que Vellozo era um leitor e pesquisador, embora não fosse um cientista, propriamente dito. Era, antes de tudo, um filósofo livre-pensador. Sua fala está aqui ancorada em nomes de credibilidade no campo da pesquisa científica sobre o homem. Contudo, seu interesse ia ainda mais longe. Interessava-se também pela anatomia dos primeiros hominídeos, embora reconheçamos que em fins do XIX essas

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VELLOZO. Obras Completas IV... op. cit., p. 313. 327

idéias também em muito perpassavam o campo da especulação. É sabido que à época das discussões de Darwin, o que as pesquisas científicas haviam colocado em cheque era a dignidade do homem, restou-se discutir os desdobramentos éticos e conciliar o discurso científico e o discurso moral se apresentando o progresso espiritual, que depende da vontade do indivíduo, como a alternativa conciliadora dessas idéias tão antagônicas. E evidentemente, Vellozo caminhou por essa via.

Noutro artigo publicado na Revisa do Club Coritibano, Vellozo apresenta algumas evidências como provas irrefutáveis da evolução humana, embora haja um certo sarcasmo em sua colocação de que a ciência estaria hesitando nas afirmações acerca de nosso parentesco com seres tão similares e tão diferentes a nós.

O precursor do homem

(Conclusão)

O femur, em vez de pezar 350 grammas, peso ordinario de um femur daquella dimensão, peza um kilogramma. Os dentes tornaram-se silicosos e esta é a primeira vez que se encontram ossos humanos tão completamente fossilisados. Um dente assemelha-se ao de um Neo-Calendonio, sendo um pouco maior, mas recorda tambem o de um chimpansé novo. É pois absolutamente intermediario por seos caracteres entre um dente humano e um dente de macaco.

A parte inferior do femur é mais arredondada que a do femur humano, e póde-se affirmar que aquelle femur pertence a um ser que teve uma marcha bipede.

A calotta craneana apresenta uma saliencia das arcadas superciliaes, muito accentuada como no craneo humano quaternario celebre de Neenderthal. A fronte é extremamente estreita. Póde-se entretanto encontrar egual estreiteza em craneos actuaes. O Sr. Manouvrier dá um exemplo proveniente das catacumbas. Mas a saliencia e o comprimento da fronte, projectada além das arcadas superciliaes, apresenta caracteres que são impossiveis de serem encontrados na especie humana.

É pois evidente que se trata de craneo muito inferior á capacidade craneana muito pequena (1.000 no maximo) e apresentando o conjunto dos seguintes caracteres: craneo muito baixo, frontal minimo muito pequeno, viseira frontal muito pronunciada, levantamento lateral da base da região temporal.

Em summa, o pretendido Pithecanthropos é um grande macaco, um gorila gigantesco, como ainda não se vio, ou um homem. Mas se é um homem, pelo que se infere da capacidade craneana, não podia ser senão um idiota.

Esta descoberta, pelo campo que abre ás hypotheses, é uma das mais interessantes que se têm feito: não são ossadas vulgares essas diante das quaes a sciencia hesita, não sabendo se o ser de que proveio era um homem ou um animal.328

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Manouvrier, citado nesse texto, atualmente parece ser um nome controverso entre os antropólogos, que negam, ou preferem não lembrar, a sua relação com a antropologia. Manouvrier desenvolveu pesquisas na área da antropotecnia e bio- sociologia, ciência em ascensão na época.329 Segundo artigo de Claude Blanckaert, publicado na Revista Brasileira de História, a antropometria era um método estatístico de análise do corpo humano criado por volta de 1850 para precisar o lugar do homem na natureza e definir os caracteres das raças humanas.330 Ela foi rapidamente utilizada para apreciar os fatores "biossociológicos" na origem da decadência ou da prosperidade das nações e discriminar os grupos sociais desviantes, criminais ou inadaptados. Os antropólogos esperavam manifestar assim sua competência especializada. Consideravam-se os únicos capazes de formular os verdadeiros fins da humanidade e os meios de apressar seus progressos. Esta ideologia profissional corrente foi criticada pelo anatomista Léonce Manouvrier, um adversário de Cesare Lombroso convertido à etiologia comum entre os sociólogos. O artigo de Blanckaert lembra os fundamentos da antropotecnia, os termos da controvérsia que opôs os teóricos da hereditariedade e do meio, nas discussões do fim do XIX e início do XX. Ao contrário de outros cientistas de sua época, dentro da antropotecnia, Manouvrier defendia que as diferenças humanas estavam muito mais relacionadas aos fatores externos e culturais, do que das cifras físicas do indivíduo.

Não pretendemos aqui discutir o tema evolução e o surgimento da disciplina de antropologia, pois estaríamos fugindo ao nosso objeto. Mas é importante lembrar que

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Antropometria: Sistema de mensuração do corpo humano, antropologia física e posteriormente antropologia criminal, criminologia. Desde seu nascimento, a antropometria procedeu de outras exigências, quase obsessionais, relativas à vitalidade geral das populações. Daí vem o interesse pela demografia, pelas condições sanitárias das cidades e dos campos, das fusões étnicas que configuraram velhas nações e dos riscos de decadência biológica que arruinaria sua marcha progressiva em direção à civilização. Vale lembrar, que se por um lado havia o caráter etnocêntrico nas pesquisas antropométricas, elas possibilitaram à Medicina identificar doenças e síndromes patológicas como a síndrome de Down. Down (1828 – 1896) identificou que algumas crianças, mesmo filhas de pais europeus, tinham características físicas similares ao povo da Mongólia. Posteriormente, o francês Jerome Lejeune descobriu que as pessoas descritas pelo Dr. John Langdon Down tinham uma síndrome genética. Síndrome de Down ou trissomia do cromossoma 21 é um distúrbio genético causado pela presença de um cromossomo 21 extra total ou parcialmente. Como um cientista do XIX, Down mapeou, por meios e métodos científicos, maneiras de se identificar um tipo de ser humano. Na atualidade, científica e eticamente, a síndrome de Down é considerada um evento genético natural e universal, estando presente em todas as raças e classes sociais. Não é uma doença e, portanto, as pessoas com síndrome de Down não são doentes. A síndrome de Down também não é contagiosa. A mesma analogia, válida para conceituação dos seres humanos “diferentes”, é usada para anões e albinos. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbh/v21n41/a08v2141.pdf> Acesso em 31/07/2009.

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BLANCKAERT, Claude. Lógicas da antropotecnia: mensuração do homem e bio-sociologia. Revista Brasileira de História. Volume 21, no. 41. São Paulo, 2001. s/p.

concomitantemente às teorias de evolução do XIX, surgiam também as teorias de superioridade racial, as quais fomentaram os discursos racistas ao longo do século XX. A antropologia tem suas origens nesse contexto, embora este passado seja renegado pelos atuais antropólogos. À época, outros teóricos e cientistas tentaram provar cientificamente a supremacia de algumas nações em relação as outras. É certo que as justificativas para a escravidão existiam desde os tempos mais antigos. Mas o que diferencia os discursos colonialistas do século XVI sobre a suposta inferioridade do negro e do índio, dos discursos do XIX, é que a justificativa era religiosa e moral, pois para os colonizadores negros e índios não tinham alma. No XIX essa visão passou a ter uma pretensão de justificativa científica. Buscou-se cientificamente esta diferença. Outra questão ainda sobre esse tema espinhoso dos mitos de superioridade é que a ariosofia, por exemplo, que guarneceu posteriormente o discurso nazista, contando com argumentações e justificativas científicas, místicas, esotéricas e ocultistas, é um pensamento próprio do contexto do XIX. Portanto, a origem do homem, sua suposta superioridade e sua evolução foram a pauta de discussão do momento.

Vellozo entendia que tudo estava em processo de evolução, o homem, as sociedades, as raças, as nações, em uma dinâmica espiralada. Entendia que nada é perene. Articula as idéias evolucionistas científicas à idéia de um processo de evolução espiritual. Não concebia estas duas relações separadamente, assim como na matriz de pensamento evolutivo kardecista. Acreditava que a evolução levaria a humanidade à perfeição.

A espiral é o símbolo da Evolução, o caminho da Perpectibilidade...

A Vida é espiral: as sociedades, as civilizações, as raças, as espécies – não avançam ou recuam descrevendo circunferências. A subida é espiral, espiral a queda. Os ciclos manvantáricos são curvas espiralantes. Não passa o mesmo astro duas vezes em mesmo ponto do espaço; nem repassa o Homem os pontos do trâmite percorrido... Não há duas sensações perfeitamente iguais, nem impressão ou emoção que se reproduza. O momento vivido está perdido... Só o sonho, a Cisma, a Reminiscência evocam os édens e os infernos. 331

Devemos levar em consideração que o pensamento de Vellozo é carregado do espírito progressista do XIX, onde ao progresso é creditado a esperança de uma melhoria em um futuro buscado tanto pela ciência quanto pelo espiritualismo.

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A crença no conhecimento racional, bem como no progresso e na razão são concepções comuns ao naturalismo e ao evolucionismo que se caracterizaram nesse século. Explicar os fenômenos sobrenaturais à luz da ciência tornou-se um desafio para muitos estudiosos. Não foram poucas as experiências com o uso da fotografia, como já vimos, para provar um determinado ponto de vista. Porém, para homens como Dario Vellozo, o sobrenatural não existia. Tudo tinha uma causa natural e buscava-se uma explicação pelas vias metódicas da ciência positiva que se consolidava naquele momento. O sobrenatural, entretanto, não poderia ser compreendido apenas pela ótica da ciência e da filosofia, carecia de outros conhecimentos reservados às chamadas então “ciências ocultas”.

Não existe o milagre. Os efeitos têm causas; os fenômenos naturais têm causas naturais. Não há fenômenos sobrenaturais. O Universo é a Natureza.332

A questão que nos interessa aqui levantar é que, independentemente do que Vellozo achava sobre as pesquisas científicas, ao publicar textos com este teor, ele contribuía para a divulgação das mais novas descobertas no campo da ciência de sua época. Lembremos que muitos aspectos da nossa atual concepção de mundo se formaram ao longo do século XX, que cientificamente se moldou por uma perda de memória da antiga ciência obsoleta.

O que percebemos é que como Vellozo estava sempre inteirado das discussões científicas do seu tempo, não titubeava em usar todos os argumentos fornecidos pela ciência positiva para justificar seu discurso, conforme aquilo que lhe era conveniente. Ele usava todos os discursos científicos que lhe pareciam racionais. Para ele, não havia essa visão paradoxal entre ciência e misticismo como vemos hoje em olhar retrospectivo. Ele citava Gustave Le Bon, Darwin, Curie, Krishna, Baudelaire, Pitágoras, Jesus, Newton, Voltaire... Tudo o que lhe parecesse coerente e que acrescentasse argumentos plausíveis às suas idéias. Dario Vellozo aplicou o método hermético de separar e depois unir os elementos. Decididamente, Vellozo foi mais que um alquimista do discurso, foi um alquimista de idéias.

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No documento ARIETE NASULICZ E BELTRAMI (páginas 149-155)