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ALTERAÇÕES NO PROJETO E NA EXECUÇÃO DA OBRA – AS “VARIATION

No documento Contratos internacionais "chave na mão" (páginas 123-127)

CLAUSES”

Modificações e alterações são inerentes ao processo de concepção e construção de uma obra, em especial naquelas de grande porte. Tais modificações são muito comuns na prática, independentemente da qualificação técnica dos responsáveis pelo projeto e execução da obra ou mesmo da intenção do cliente em manter os custos dentro do orçamento inicialmente previsto. Diante disto, levando-se em conta o caráter evolutivo, complexo e de execução duradoura dos contratos internacionais de engenharia, estes fatalmente irão conter cláusulas de alterações do projeto e da

execução da obra (ou simplesmente cláusulas de modificação), mais conhecidas pela

sua denominação anglo-saxã “variation clauses”.

Estas cláusulas fazem referência, em termos gerais, às modificações ordenadas pelo cliente destinadas a aumentar, reduzir ou suprimir a quantidade, a qualidade ou a duração da obra, bem como a realizar alterações técnicas na mesma, dando lugar a um ajuste do preço do contrato e do prazo para sua execução258. Também a sociedade de engenharia, em atenção ao seu dever de informar o cliente de melhorias suscetíveis de acarretar uma diminuição de custos ou uma maior eficiência da obra, pode propor ao cliente modificações no projeto ou na execução da obra.

As razões que levam à inclusão de uma cláusula de modificação no contrato são marcadamente reduzidas em um contrato “chave na mão”. Nestes, a concepção do projeto, como já frisado anteriormente, já não é um campo sob controle estrito do cliente. A sociedade de engenharia assume a responsabilidade integral de garantir que as obras concluídas cumpram as exigências do cliente, o qual, pelo menos em teoria, não necessitaria solicitar modificações. No entanto, mesmo em um contrato “chave na mão”,

124 é necessário que o cliente mantenha seu “poder” de solicitar modificações no projeto (power to vary ou right to vary). Isso se deve a duas razões principais: por uma lado, preserva-se um poder de escolha ao cliente mesmo após a conclusão do contrato; e por outro, a superveniência de condições ou circunstâncias imprevistas podem fazer necessárias certas modificações259.

As modificações (variations) que aqui se tem em conta são aquelas prestações não incluídas inicialmente no contrato e nem no preço determinado no mesmo, mas que por razões supervenientes, se fazem, ao menos na visão de uma das partes no contrato, necessárias. No entanto, não significam simples variações do preço do contrato por fatores externos, bem como não acarretam uma renegociação do contrato, como ocorre com as cláusulas de hardship. Ao contrário disso, as cláusulas de modificação pressupõem, em regra, um poder unilateral do cliente para ordenar alterações no projeto e na execução da obra260.

Tal afirmação encontra respaldo nos modelos contratuais da FIDIC e da CCI que aqui temos analisado. Quanto ao primeiro, a sub-cláusula 13.1 estabelece que

modificações podem ser solicitadas pelo cliente a qualquer momento anterior à recepção

das obras pelo mesmo, momento este determinado pela emissão do documento denominado “Taking-Over Certificate”, como veremos mais adiante. Já no modelo contratual da CCI, o artigo 35.4 garante ao cliente o direito de ordenar modificações de tempos em tempos durante a execução dos trabalhos, até o momento da recepção da obra pelo mesmo ou, caso a modificação seja acordada pela sociedade de engenharia, até o o final do período de correção de defeitos determinado no contrato (Defect

Corretion Period). Em ambos os casos, no entanto, as modificações não podem consistir

na supressão de omissões em qualquer parte das obras, a fim de ter esse trabalho executado por outras partes que não a sociedade de engenharia.

Ainda que se trate de uma ordem unilateral de iniciativa do cliente, é reservado à sociedade de engenharia o direito de recusar a modificação solicitada, desde que preenchidos alguns requisitos. O Silver Book da FIDIC, na segunda parte da sub- cláusula 13.1, prevê que a sociedade de engenharia estará vinculada e deverá executar as modificações ordenadas pelo cliente a não ser que prontamente informe a este uma das seguintes condições: a) a impossibilidade de obtenção imediata dos bens e materiais necessários para a realização da modificação; b) que tal modificação acarretará na

259

Huse, op. cit., p. 369.

125 redução de segurança ou de adequação da obra; c) que tal modificação terá um impacto adverso no que diz respeito as garantias de desempenho da sociedade de engenharia. (Performance Guarantees). Nestes casos, após receber a informação, o cliente terá a opção de cancelar, confirmar ou realizar alterações na solicitação anterior.

Por sua vez, o ICC Model Turney Contract for Major Projects, em seu artigo 35.6, prevê que a sociedade de engenharia poderá negar a realização da modificação ordenada pelo cliente quando esta modificação: a) não tiver relação com o projeto ou com a execução da obra; b) não for viável na prática; c) não tenha sido, na opinião razoável da sociedade de engenharia, objeto de garantia adequada nos termos do art. 13.5; d) afete de maneira adversa as obrigações contratuais da sociedade de engenharia; e) signifique uma redução de segurança ou de adequação da obra.

Nesta mesma esteira, nos termos do art. 625, III, do Código Civil brasileiro, é possível inclusive que a parte contratada suspensa a obra caso as modificações exigidas pelo dono da obra, por seu vulto e natureza, forem desproporcionais ao projeto aprovado, ainda que o dono se disponha a arcar com o acréscimo de preço.

É normal que a cláusula de modificação, quando as alterações solicitadas acarretem direta ou indiretamente na necessidade de se ajustar o preço do contrato, estabeleça o critério de avaliação respectivo, utilizando-se para tanto de referências à preços parciais ou índices estabelecidos no contrato para o tipo de alteração que se trate. Neste sentido, será o próprio contrato que irá determinar a maneira de se valorar o preço referente às modificações pretendidas, o prazo para exame das mesmas e as formalidades que deverão ser atendidas por ambas as partes. No entanto, caso não haja previsão contratual expressa, as partes poderão formular acordo posterior a respeito do ajustamento do preço das alterações introduzidas ou ainda utilizar-se, por analogia, de índices aplicáveis ao preço do contrato para determinar as bases de cálculo para tais modificações. Divergindo as partes a respeito de tal ajustamento de preço, o mesmo deverá então ser determinado através do modo de resolução de litígios previsto no contrato261.

Sob o aspecto formal, tem-se normalmente que a ordem de modificação deve ser feita por escrito. A falta de um requerimento escrito pode causar dificuldades para que a sociedade de engenharia prove a existência de uma ordem de modificação e consequentemente obtenha o pagamento referente à mesma.

261 Murray et. al.,op. cit.,, p. 526.

126 A exigência de forma escrita, perante a legislação brasileira, é tida como condição para que se possa exigir acréscimo no preço. É o que extrai do art. 619 do Código Civil brasileiro, o qual dispõe o seguinte:

Art. 619. Salvo estipulação em contrário, o empreiteiro que se

incumbir de executar uma obra, segundo plano aceito por quem a encomendou, não terá direito a exigir acréscimo no preço, ainda que sejam introduzidas modificações no projeto, a não ser que estas resultem de instruções escritas do dono da obra.

Parágrafo único. Ainda que não tenha havido autorização escrita, o dono da obra é obrigado a pagar ao empreiteiro os aumentos e acréscimos, segundo o que for arbitrado, se, sempre presente à obra, por continuadas visitas, não podia ignorar o que se estava passando, e nunca protestou.

Não existe, para além disso, maior detalhamento no Código Civil brasileiro a respeitos das cláusulas de modificação.

Já perante o Direito português, mais especificamente no regime de Direito privado do contrato de empreitada, há menção expressa às cláusulas de modificação, as quais, perante este sistema, recebem a denominação de “alterações ao plano convencionado”262

. O Código Civil português tece distinções entre alterações de iniciativa do empreiteiro, as alterações necessárias e as alterações exigidas pelo dono da obra.

A regra geral das alterações de iniciativa do empreiteiro está consagrada no art. 1214º/1 CC e estabelece que o empreiteiro não pode fazer alterações ao plano convencionado sem autorização do dono da obra. Caso o faça, a obra alterada é havida como defeituosa, ficando a cargo do dono da obra aceitá-la ou não, não estando obrigado, no entanto, a qualquer suplemento de preço e nem a indemnização por enriquecimento sem causa (1214º/2). Nos casos em que houver autorização do dono da obra para a realização de alterações propostas pelo empreiteiro, será necessário observar se foi ou não fixado para a realização da obra um preço global. Tendo sido fixado um preço global, a autorização do cliente às alterações propostas deverá assumir a forma

262 Esta é a denominação adotada pelo texto do Código Civil e seguida por boa parte da doutrina. Por

outro lado, Santos Júnior (op. cit., 2009, p. 135) utiliza-se da expressão “cláusula de alterações do projecto e/ou da sua execução” para se referir às variation clauses.

127 escrita, com o respectivo recálculo do preço. Caso contrário, o empreiteiro só será ressarcido do que despender a mais nos termos do enriquecimento sem causa do dono da obra, nos termos do artigo 1214º/3 CC.

Quanto às alterações necessárias, a regra do art. 1215/1 CC dispõe que nos casos em que para a execução da obra for necessário, em consequência de direitos de terceiro ou de regras técnicas, introduzir alterações ao plano convencionado e as partes não vierem a acordo, compete ao tribunal determinar essas alterações e fixar as correspondentes modificações quanto ao preço e ao prazo de execução. As alterações de que trata este artigo são aquelas necessárias por fatos não imputáveis a nenhuma das partes e que tem em vista a proteção de direitos de terceiros ou a adequação técnica da obra.

Por último, nos termos do artigo 1216º/1 CC, é consagrada a possibilidade do dono da obra exigir a realização de alterações ao plano convencionado. Este artigo corresponde a uma daquelas hipóteses previstas pelo artigo 406º/1 CC, uma vez que a modificação do contrato se dá mediante uma manifestação unilateral de vontade, ou seja, trata-se de um “caso admitido na lei” que permite alterações no contrato sem que haja um “mútuo consentimento dos contraentes”. Este tipo de alteração se justifica pelo fato da empreitada ser executada no interesse do dono da obra (assim como o é nos contratos “chave na mão”), pelo que a sua vontade deve ser respeitada, mesmo após a celebração do contrato. Terá o empreiteiro, nestes casos, direito a um aumento do preço estipulado, correspondente ao acréscimo de despesa e trabalho, assim como a um acréscimo de prazo para a execução da obra.

No documento Contratos internacionais "chave na mão" (páginas 123-127)