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Competência concorrente e exclusiva

No documento Contratos internacionais "chave na mão" (páginas 173-177)

III. MODOS DE RESOLUÇÃO DE LITÍGIOS E DIREITO APLICÁVEL

21. LITIGAÇÃO PERANTE OS TRIBUNAIS ESTADUAIS

21.1 Competência Internacional

21.1.2 Brasil

21.1.2.1 Competência concorrente e exclusiva

A competência internacional da justiça brasileira é fixada nos artigos 88 e 89 do Código de Processo Civil377.

O primeiro deles trata das regras de competência concorrente, hipótese na qual a lei interna de um país admite que a justiça de outro Estado seja também internacionalmente competente para julgar a causa. O artigo 88 CPC dispõe que a autoridade judiciária brasileira será competente quando: “I - o réu, qualquer que seja a sua nacionalidade, estiver domiciliado no Brasil; II - no Brasil tiver de ser cumprida a obrigação; III - a ação se originar de fato ocorrido ou de ato praticado no Brasil.” O parágrafo único do citado artigo completa afirmando que para o fim do disposto no n. I, reputa-se domiciliada no Brasil a pessoa jurídica estrangeira que aqui tiver agência, filial ou sucursal.

Já o artigo 89 do CPC faz alusão aos casos em que há competência exclusiva ou absoluta da justiça brasileira. Nos termos deste artigo, compete à autoridade brasileira, com exclusão de qualquer outra: “I – conhecer de ações relativas a imóveis situados no Brasil; II – proceder a inventário e partilha de bens, situados no Brasil, ainda que o autor da herança seja estrangeiro e tenha residido fora do território nacional”.

A partir da identificação das regras de competência internacional concorrente e exclusiva vigentes no ordenamento jurídico brasileiro, nos cumpre analisar a sua aplicação perante os contratos internacionais que aqui temos em vista. Imaginemos, para tanto, que surgindo um litígio durante a execução de um contrato internacional “chave na mão”, e ao havendo no mesmo uma cláusula arbitral ou uma cláusula de eleição de foro, uma das partes ajuíza uma ação perante um Tribunal brasileiro. Recebida a ação, deverá o juiz, em primeiro lugar, analisar sua própria competência internacional para julgar a ação.

Tendo em vista os dispositivos de lei acima destacados, tem-se que a primeira hipótese na qual a justiça brasileira é competente ocorre quando o réu é domiciliado no Brasil. Como já destacado anteriormente, as partes nos contratos “chave na mão” que aqui temos estudado serão sempre pessoas jurídicas de direito privado. Neste sentido,

377 O art. 12 da Lei de Introdução ao Código Civil também contém regras sobre a competência

internacional. Este artigo, todavia, é tido por derrogado em virtude da vigência posterior dos dispositivos do Código de Processo Civil (arts. 88 a 90) que regulam a matéria lá contida.

174 em uma primeira hipótese, a justiça brasileira será competente para julgar a ação caso o a pessoa jurídica que figura como réu na ação proposta tenha seu domicílio no Brasil.

Mas como determinar o domicílio de uma pessoa jurídica?

Segundo o artigo 75, IV, do Código Civil brasileiro, as pessoas jurídicas de direito privado terão domicílio no lugar onde funcionarem as respectivas diretorias e administrações, ou onde elegerem domicílio especial no seu respectivo estatuto ou atos constitutivos. Desde logo, a justiça brasileira será competente quando a parte que figura como réu na ação proposta tiver sua respectiva diretoria ou administração funcionando em território brasileiro ou se os atos constitutivos da pessoa jurídica indicarem domicílio especial no Brasil.

Para além disso, conforme o parágrafo único do art. 88, se considera como domiciliada no Brasil a pessoa jurídica estrangeira que tiver agência, filial ou sucursal no país. No entanto, não basta a simples existência de uma agência, filial ou sucursal em território brasileiro para que o domicílio da pessoa jurídica estrangeira seja considerado como sendo no Brasil. Conforme destaca RECHSTEINER378, “[a] doutrina entende, e com razão, que para firmar a competência da justiça brasileira, nesses casos, é necessário que as ações sejam oriundas de atos próprios das agências, filiais ou sucursais localizadas no território brasileiro”379. Se assim não fosse, uma empresa estrangeira sediada em seu país poderia acionar, perante a justiça brasileira, outra empresa estrangeira sediada fora do território brasileiro por questões sem qualquer conexão com a ordem jurídica brasileira, simplesmente pelo fato desta última possuir aí uma filial, sucursal ou agência380.

Neste sentido, não é a localização destas últimas em território brasileiro que justifica que a demanda seja de competência da justiça nacional. O objetivo do referido preceito, como já referendado pela jurisprudência381, é o de estender o domicílio da pessoa jurídica nos casos em que ela tenha representante com capacidade para estabelecer negócios jurídicos no Brasil, estando assim apta a assumir direitos e contrair obrigações.

378 Ibid., p. 264.

379 O entendimento citado se coaduna com aquele exteriorizado na Súmula 363 do STF, a qual possui o

seguinte teor: “A pessoa jurídica de direito privado pode ser demandada no domicílio da agência, ou estabelecimento, em que se praticou o ato.”

380 Jatahy, Vera Maria Barrera. Do Conflito de Jurisdições: A competência internacional da justiça

brasileira, 1ª ed., Editora Forense, 2003, Rio de Janeiro.

381

Ver, neste sentido: Apelação Cível 67.348, da 6ª Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Rio de Janeiro, relator Fonseca Costa.

175 Em uma segunda hipótese, a justiça brasileira também será competente caso a obrigação tiver de ser cumprida no Brasil. O Superior Tribunal de Justiça, ao se manifestar sobre o art. 88, II do CPC, afirmou entendimento de que a obrigação levada em conta para a atribuição de competência à justiça brasileira é a obrigação principal e não a acessória382. No entanto, nem sempre as obrigações principais são facilmente identificadas em contratos complexos como os que aqui temos em vista. Por envolver prestações de natureza diversa, definir o local onde a obrigação referente a um contrato “chave na mão” deve ser cumprida não é tarefa simples. Entendemos que, em consonância com a solução adotada perante o direito convencional europeu, deve-se atentar ao critério da “prestação característica do contrato”383.

Tem-se que em um contrato “chave na mão” a prestação característica do será a própria construção da unidade industrial. Partindo desta premissa, é possível considerar que, para efeitos de aplicação da regra de competência internacional em questão, a obrigação principal do contrato é a própria execução da obra. Sendo assim, a justiça brasileira seria internacionalmente competente, nos termos do art. 88/II, CPC, caso a instalação industrial a ser construída pela sociedade de engenharia se situasse em solo brasileiro, uma vez que a obrigação principal do contrato seria aí cumprida.

Vale ressaltar que em ambos os casos a competência dos tribunais brasileiros seria concorrente, ou seja, não haveria, a princípio, qualquer problema para que uma sentença proferida em outro país fosse homologada para execução em território brasileiro.

Por outro lado, uma eventual competência exclusiva poderia ser suscitada em relação aos contratos “chave na mão”, com base no art. 89, I do CPC.

Este artigo reflete uma tendência geral de que os Estados soberanos possuam competência exclusiva para causas relativas a imóveis situados em seu território, por se tratarem, em última instância, de questões de ordem pública latu sensu e de segurança jurídica384.

A respeito deste dispositivo, questiona-se se o mesmo se refere apenas a ações que envolvem direitos reais ou se abrange quaisquer ações que versem sobre imóveis

382 Acórdão do STJ em Recurso Especial, 251438, de 08/08/2000, Relator Ministro Barros Monteiro. 383 Trataremos deste critério de forma mais aprofundada no item 21.2.2.

384

Cf. Araújo, Nádia de. Direito Internacional Privado: teoria e prática brasileira, 5ª Edição, Renovar, 2011, Rio de Janeiro, p. 258. Ainda neste contexto, o Tribunal de Justiça (Agr. Agr. SE 7101, julgado em 15/10/03, Ministro Maurício Correa) negou a colação a um inventário de bem imóvel situado em Portugal, uma vez que não competia à justiça brasileira decidir sobre questão que implicaria lesão à soberania portuguesa.

176 situados no Brasil. Mais especificamente, a questão controvertida diz respeito ao objeto do litígio ou a sua causa: a questão que se coloca é se o referido preceito legal se aplica apenas às ações fundadas em direito real (in rem) ou se sua aplicação também se estende às ações fundadas em direito obrigacional (in personam).

Para TIBÚRCIO385, há uma tendência de expandir a regra para além das ações fundadas em direitos reais. De acordo com o autor, se a intenção do legislador fosse restringir a aplicação da norma somente às ações in rem, ele o faria expressamente, assim como fez com o art. 95 do CPC386.

Em sentido contrário, ARAÚJO387 entende que após certo período de hesitação, o

Supremo Tribunal Federal388, seguindo a melhor doutrina389, sedimentou entendimento de que essas ações só abrangem as de cunho real, excluindo-se do rol de aplicação do art. 89/I as ações in personam. A nosso ver, esta segunda interpretação se mostra mais conforme com a doutrina e a jurisprudência pátrias.

Conforme explica PONTES DE MIRANDA390, “se a ação, embora relativa a imóvel, não é ação de direito real sobre imóvel, como se há apenas pré-contrato sem eficácia real, não se há de vedar a propositura da ação (no estrangeiro), pelo fato de ser situado no Brasil o imóvel.” No que toca a jurisprudência, o STF teve a oportunidade de se manifestar em Recurso Extraordinário391 que discutia o cumprimento de uma promessa de compra e venda de imóvel situado no Paraguai, cujo contrato foi celebrado no Brasil, assim como era este o local da execução. Em sua decisão, o STF afastou a aplicação a contrario sensu do at. 89, I, determinando que a justiça brasileira era competente, não obstante o imóvel estar situado em país estrangeiro, uma vez que se tratava de uma obrigação de fazer (outorga de escritura), de cunho pessoal e não real, e o foro brasileiro havia sido eleito para a execução do contrato.

385

Tibúrcio, Carmen. Temas de Direito Internacional. Editora Renovar, 2006, Rio de Janeiro, p. 94.

386 “Art. 95 - Nas ações fundadas em direito real sobre imóveis é competente o foro da situação da coisa.

Pode o autor, entretanto, optar pelo foro do domicílio ou de eleição, não recaindo o litígio sobre direito de propriedade, vizinhança, servidão, posse, divisão e demarcação de terras e nunciação de obra nova.”

387 Araújo, Nádia de. Direito Internacional Privado: teoria e prática brasileira, 5ª Edição, Renovar,

2011, Rio de Janeiro, p. 257.

388 A autora faz menção ao seguinte julgado: A. Reg. na S.E. nº 2.492, RTJ 101/69 (1982). 389

A autora se baseia no entendimento dos seguintes autores: Moreira, José Carlos Barbosa, Garantia

Constitucional do Direito à Jurisdição – Competência Internacional da Justiça Brasileira, Prova do Direito Estrangeiro, in Revista Forense, vol. 343, p. 147; Barbi, C.A, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, tomo II, 2ª ed., Editora Forense, São Paulo, 1975, p. 400; Mori, C.C e Nascimento,

E.B., A competência geral internacional do Brasil: competência legislativa e competência judiciária no

direito brasileiro, in Revista de Processo, 73/74 – 93, p. 83; Carneiro, A.G, Jurisdição e Competência, 3ª

ed., Editora Saraiva, 1989, p. 50.

390 Miranda, Pontes. Comentários ao Código de Processo Civil, tomo II: arts. 46 a 153, 3ª ed., Editora

Forense, Rio de Janeiro, 2000, p. 226.

177 Diante o exposto, e tendo em vista que os aspectos reais possuem aspecto apenas secundário perante os contratos “chave na mão”, não se vê possibilidade de aplicação da regra de competência exclusiva estipulada no art. 89, I, no que se refere a litígios surgidos no âmbito destes contratos.

No documento Contratos internacionais "chave na mão" (páginas 173-177)