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CARACTERÍSTICAS E IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES

No documento Contratos internacionais "chave na mão" (páginas 48-53)

5.1 Características gerais dos contratos “chave na mão”

Os contratos “chave-na-mão” são frutos do princípio da liberdade contratual de que gozam as partes e se mostram adequados para os mais variados projetos, especialmente os de grande porte, cada qual com circunstâncias e condições próprias96.

93 Santos Júnior, op. cit., 2009, p. 72, nota 186.

94 Marzorati, op. cit., p. 254; e Murray, et. al., op. cit., p. 597.

95 Esta definição vai de encontro àquela proposta por Philippe le Tourneau (L´ingénierie, les transferts de

technologie et de mâitrise industrielle…, Juris Classeur, Paris, 2003): “Dans le contrat clés en mains, un entrepreneur unique, super ensemblier, assume La responsabilité globale d´un projet, de La conception totalle (…), à la mise en route et à la livraison au maître de l´ouvrage d´une installation opérationelle, en passant par l´exécution (…) et la formation du personnel (…). Elle implique dons la maîtrise d´oeuvre, tout en la dépassant.”

49 Objetivamente, para além daquilo já exposto acima, os contratos “chave na mão” são aqueles nos quais a sociedade de engenharia é responsável tanto pelo projeto (design), quanto pela construção de uma determinada instalação industrial e a garantia de aptidão se deu funcionamento97. Porém, não se limitam a isso. No mesmo contrato, ainda pode haver a previsão de transferência de tecnologia e/ou a previsão de assistência técnica da sociedade de engenharia ao cliente uma vez concluída a execução do projeto98.

Estes contratos colocam, dessa maneira, a responsabilidade pelo projeto e pela construção em uma única parte contratual: a sociedade de engenharia. A estrutura dos contratos de engenharia tradicionais normalmente envolve a participação de três partes principais: o cliente, os projetistas contratados pelo cliente e a sociedade de engenharia99. A concentração das obrigações somente entre cliente e sociedade de engenharia, em teoria, proporciona uma maior facilidade de coordenação ao projeto, procurando-se atingir maior rendimento e velocidade na execução das obras e uma significativa redução dos custos100.

Essencialmente, a sociedade de engenharia nestes contratos gerencia os trabalhos de design e de construção, assumindo os riscos inerentes tanto à equipe de projeto quanto aos seus próprios trabalhos e os dos subcontratados, responsabilizando- se, por fim, pela entrega ao cliente de uma instalação pronta para uso (ready-to-use

facility)101.

Como regra geral, esta sociedade assume para si a responsabilidade por qualquer defeito no âmbito das obras. Assim, a responsabilidade primária sobre qualquer defeito na concepção, construção ou no desempenho do complexo industrial é da sociedade de engenharia, retirando do dono da obra o ônus de provar a extensão de um dano causado por uma falha de design ou de construção, como pode ocorrer em outros contratos de engenharia102. Resta claro, portanto, que estes contratos comportam riscos acrescidos para as sociedades de engenharia, ao mesmo tempo em que se mostram especialmente interessantes para o cliente, o que explica, em parte, o aumento da utilização deste modo de contratação nos últimos anos.

97 Schneider, op. cit., p. 339.

98 Santos Júnior, op. cit., 2009, p. 70. 99 Murray et. al., op. cit., p. 599. 100

Huse, Joseph A. Understandingand Negotiating Turnkey and EPC Contracts, Sweet & Maxwell, 2ª

Ed., London, 2002, p. IX.

101 Jenkins, Jane; e Simon Stebbings, International Construction Arbitration Law, Kluwer Law

International, 2006, p. 23.

50 Uma vez que os deveres relacionados com o design, coordenação e a construção estão alocados na figura da sociedade de engenharia contratada, não é necessário ao cliente fornecer o mesmo nível de informações técnicas como é de costume nos contratos tradicionais de engenharia.

O uso do método de contratação “chave na mão” resulta numa considerável redução da intervenção do cliente nos processos de projeção e construção da instalação quando comparado a outros métodos de contratação nesta área. O papel do cliente irá consistir, substancialmente, na administração do contrato. Além disso, poderá ainda incluir a revisão e/ou a aprovação do projeto e da construção. É importante, neste sentido, que o projeto final esteja de acordo com as capacidades técnicas da sociedade de engenharia, o que resultará num aumento de eficiência e de custo benefício na execução das obras103.

A combinação das responsabilidades de projeção e construção em uma mesma parte contratual deverá também, potencialmente, reduzir o tempo total para conclusão da obra. Esse fenômeno é conhecido como fast-track construction. Da mesma forma, o preço final do empreendimento irá variar de acordo com a eficiência atingida nos processos de concepção e de construção.

Tendo em vista que nos contratos “chave na mão” a responsabilidade pela coordenação da execução do projeto passa das mãos do cliente para as mãos da sociedade de engenharia, aquele terá de conviver com uma grande redução do seu poder de controle sobre as obras. Sendo assim, a sociedade de engenharia, diante do aumento do controle sobre a execução do projeto e, consequentemente, da sua responsabilidade sobre a mesma, deverá ter elevada experiência e capacidade para gerir projetos de larga escala, incluindo o conhecimento e a interligação entre diferentes métodos de construção e a supervisão dos trabalhos dos subcontratados e dos fornecedores104.

Outras prestações que regularmente estão presentes nos contratos “chave na mão” e que formam parte da obrigação global da sociedade de engenharia são as seguintes: o fornecimento de máquinas e materiais, bem como o transporte dos mesmos; e a realização de obras civis.

Ainda que os contratos internacionais “chave na mão” possam habitualmente ter por objeto a realização de obras imobiliárias (hospitais, escolas, hotéis) ou de obras de

103

Ibid., p. 6.

51 infraestrutura, a sua utilização mais relevante (e que aqui nos interessa) parece ocorrer no âmbito da construção de unidades industriais.

Geralmente, a construção de uma unidade industrial requer a utilização de um processo de fabricação protegido protegidos pelo direito de propriedade induatrial. Em grande parte dos casos, a exclusividade e especialidade do componente tecnológico empregado na construção, assim como o know-how e a experiência profissional que exigem as características do projeto se encontrará em poder de um número reduzido de empresas especializadas, as quais, dados os interesses que estarão em jogo, não estarão dispostas a fornecer sua tecnologia a não ser que elas mesmo se encarreguem de conceber, construir e colocar em funcionamento a unidade industrial em questão105.

É possível ainda, ao cliente, optar pelo modelo “chave na mão” apenas para determinadas partes ou unidades do empreendimento. São os chamados contratos chave

na mão parciais ou semi-chave na mão. Apesar de não se tratarem de termos

universalmente aceitos e com uma conotação clara106, entende-se que tais expressões seriam adequadas para designar aqueles contratos nos quais a sociedade de engenharia concebe o projeto, executa a maioria das obrigações típicas de um contrato “chave na mão”, mas não se torna responsável pela totalidade da realização do empreendimento, uma vez que a mesma será dividida também com outras entidades contratadas em paralelo pelo cliente107. Este cenário se formaria, por exemplo, quando a sociedade de engenharia contratada se incumbisse de certos aspectos da obra, como instalações de componentes pesados e de grande porte, as quais requerem uma projeção especializada, enquanto o cliente contrata outras entidades para a finalização das obras e o fornecimento de equipamentos. De certa forma, este método traria uma maior especialização aos trabalhos realizados, reduzindo o contato entre entidades que nem sempre estão bem familiarizadas com os métodos de trabalho uma das outras.

De qualquer maneira, feitas estas observações, os contratos aos quais iremos nos referir no restante do trabalho serão os contratos “chave na mão” integrais, ou seja, aqueles nos quais, em oposição aos chamados contratos chave na mão parciais, a responsabilidade pela concepção, construção e colocação em funcionamento está alocada integralmente na figura da sociedade de engenharia contratada.

105 Rodríguez, op. cit., p. 1745. 106

Cf. Wallace, op. cit., p. 434; e Santos Júnior, op. cit., 2009, p. 70, nota 177.

52 5.2. Identificação Das Partes

Antes de entrarmos na análise específica das vantagens e desvantagens da utilização do modelo “chave na mão”, importa esclarecer os termos utilizados para identificar as partes no contexto destes contratos.

Os termos anglo-saxões “employer” e “contractor” são os termos geralmente utilizados pela doutrina em inglês, assim como pelas organizações responsáveis pela elaboração dos modelos contratuais aqui aludidos, para identificar as partes nos contratos “chave na mão”108

.

A adaptação destes termos para a língua portuguesa merece, porém, algumas considerações. Em primeiro lugar, a tradução literal destes termos não parece ser o modo mais adequado para a transposição dos mesmos. O termo “employer” em uma tradução literal, significaria “empregador”, “patrão” ou “chefe”, o que não parece ser o termo mais indicado para identificar a figura do proprietário da instalação a ser construída. Já o termo “contractor” naturalmente seria traduzido como “contratante”, o que não serviria para designar, com a clareza necessária, a figura da entidade contratada em um contrato “chave na mão”.

Por outro lado, poderia se recorrer aos termos geralmente utilizados pela doutrina em língua portuguesa para designar as partes em um contrato de engenharia, quais sejam: “dono da obra” para o proprietário da instalação a ser construída; e “empreiteiro”, “construtor” ou “construtora” para a entidade contratada.

Quanto ao primeiro, a utilização do termo “dono da obra” parece ser mais adequada aos contratos de empreitada, os quais, como vimos, não se confundem com os contratos internacionais “chave na mão”. Já quanto o segundo, os termos “construtor” ou “construtora”, ainda que na prática sejam muito utilizados, se revelam um pouco limitados no que diz respeito aos contratos que aqui temos em vista, tendo em vista que nestes, a atividade da entidade contratada não se resume aos trabalhos de construção, mas incluem ainda a elaboração do projeto, a transferência de tecnologia, além de outras prestações eventualmente designadas no contrato.

Sendo assim, levando em conta as características próprias dos contratos “chave na mão” e ao mesmo tempo primando por uma designação uniforme em língua portuguesa para as partes nestes contratos, adotamos aqui os termos utilizados por

108

Os termos não são exclusivos dos contratos “chave na mão” e são utilizados para identificar as partes em diversos tipos de contratos de engenharia.

53 Santos Júnior109, o qual se utiliza do binômio “cliente/sociedade de engenharia” para proceder a tal identificação.

Tendo em vista que os agentes do comércio internacional são identificados como sociedades comerciais, a expressão “sociedade de engenharia” individualiza bem a entidade que realiza a atividade de engenharia em um contrato internacional “chave na

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