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Eleição de foro

No documento Contratos internacionais "chave na mão" (páginas 177-181)

III. MODOS DE RESOLUÇÃO DE LITÍGIOS E DIREITO APLICÁVEL

21. LITIGAÇÃO PERANTE OS TRIBUNAIS ESTADUAIS

21.1 Competência Internacional

21.1.2 Brasil

21.1.2.2 Eleição de foro

Perante o Direito brasileiro, a última questão que se coloca diz respeito à validade da cláusula de eleição de foro.

Como vimos anteriormente, ao tratar do caso português, a eleição de foro para a solução de litígios emergentes de contratos internacionais corresponde à obrigação das partes contratantes de submeterem à determinada jurisdição a solução das controvérsias que venham surgir durante a relação jurídica negocial. A cláusula de eleição de foro é amplamente utilizada e aceita como válida perante a grande maioria dos ordenamentos jurídicos consultados.

A escolha de foro em contratos internacionais se mostra, da mesma forma, totalmente compatível com o ordenamento jurídico brasileiro. Nos contratos internos, a possibilidade de escolha do foro é incontestável, pois o artigo 111 do Código de Processo Civil (CPC)392 dispõe que a competência interna fixada em razão do território pode ser modificada por convenção das partes. Com relação à competência internacional, contudo, o Código de Processo Civil brasileiro não contempla expressamente a possibilidade de sua atribuição pela via convencional. Porém, a despeito desta lacuna, não há na doutrina ou na jurisprudência grande discussão a respeito desta possibilidade.

Antes de tudo, para que se convalide a eleição do foro é indispensável que o consentimento das partes seja certo e isento de vício, designadamente no que toca aos contratos significativos, como são os de fornecimento de instalações industriais, de licença de marca e de know-how. Da mesma forma, a cláusula deve estipular quais são os litígios submetidos ao tribunal designado393.

A vontade das partes na escolha da jurisdição deve ser respeitada nas hipóteses em que o Estado brasileiro admite a competência concorrente, tendo em vista que o rol

392 “Art. 111 - A competência em razão da matéria e da hierarquia é inderrogável por convenção das

partes; mas estas podem modificar a competência em razão do valor e do território, elegendo foro onde serão propostas as ações oriundas de direitos e obrigações.”

178 do art. 88 não é taxativo, mas meramente exemplificativo. Sendo exemplificativo, não há porque impedir que a manifestação de vontade, válida e eficaz, crie novos casos de competência concorrente da autoridade judiciária brasileira.

Por outro lado, não terá validade tal escolha das partes nos casos em que é atribuída competência absoluta à justiça brasileira, tendo em vista que a eficácia da decisão tomada no foro eleito não poderá ser internalizada por homologação. Os efeitos da decisão proferida em foro estrangeiro eleito pelas partes são isentos de eficácia prática nos casos em que a justiça brasileira é exclusivamente competente, pois tal decisão terá, de qualquer forma, que ser executada no Brasil pelo fato de aí se localizarem os bens objeto da relação jurídica, resguardando-se assim a soberania do Estado, conforme já aludido anteriormente394. De forma geral, portanto, pode-se dizer que o Direito brasileiro admite a cláusula de eleição de foro quando designada pelas partes o foro brasileiro para resolução de litígios, em hipótese não prevista legalmente como de sua competência, ou, caso eleito foro estrangeiro, não se tratar de hipótese incluída naquelas de competência exclusiva da justiça brasileira.

Este entendimento também encontra respaldo no Direito Convencional. A Convenção de Direito Internacional Privado395, também conhecida como Código Bustamante, admite a possibilidade das partes, expressa ou tacitamente, submeterem-se a jurisdições diversas, desde que se seja observado algum elemento de fixação de competência internacional, designadamente a nacionalidade e o domicílio das partes. Chega-se a esta conclusão a partir da análise conjunta dos arts. 321, 322 e 318 da Convenção. O art. 318, estatui que será competente, em primeira instância, o juiz ao qual as partes tenham se submetido expressa (art. 321) ou tacitamente (art. 322), sempre que pelo menos uma delas seja nacional do Estado contratante ao qual pertença ou tenha domicílio o juiz, salvo Direito local em contrário. Diante desta Convenção, faz-se portanto necessária a demonstração de uma vinculação mínima, associada à nacionalidade ou domicílio, para que seja admitido o deslocamento de competência por liberalidade das partes.

394 Nardi, Marcelo de. Eleição de Foro em Contratos Internacionais: uma visão brasileira, in Contratos

Internacionais, João Grandino Rodas (coord.), 3 ed., Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 146.

395

A Convenção de Direito Internacional Privado (Código de Bustamante) foi adotada na Sexta Conferência Internacional Americana, reunida em Havana, Cuba, e assinada a 20-2-1928,. Aprovada, no Brasil, pelo Dec. nº 5.647, de 8-1-1929 e promulgada pelo Dec. nº 18.871, de 13-8-1929. Países que a subscreveram: Brasil, Cuba, República Dominicana, Haiti, Panamá, Costa Rica, Nicarágua Honduras, Salvador, Guatemala, Chile, Bolívia, Equador, Peru e Venezuela

179 Por sua vez, no âmbito do Mercosul, a possibilidade de eleição do foro resulta mais clara e menos condicionada. O capítulo I do Título II do Protocolo de Buenos Aires396 trata o tema de forma individualizada, sob o título “eleição de jurisdição”. Nos termos do art. 4º/1, “nos conflitos que decorram dos contratos internacionais em matéria civil ou comercial serão competentes os tribunais do Estado-Parte em cuja jurisdição os contratantes tenham acordado submeter-se por escrito, sempre que tal ajuste não tenha sido obtido de forma abusiva.” A validade e os efeitos da cláusula de eleição de foro são regulados pelo Direito do Estado-parte competente segundo as normas abstratas previstas no protocolo (art. 5º/2). Em todo caso, deve ser aplicado o Direito mais favorável à preservação da validade das manifestações de vontade exteriorizadas pelas partes (art. 5º/3).

De forma subsidiária, na falta de eleição das partes, terá jurisdição, à escolha do autor: a) o juízo do lugar do cumprimento do contrato; b) o juízo do domicílio do demandado; c) o juízo de seu domicílio ou sede social, quando demonstrar que cumpriu sua prestação.

Assim, em matéria de competência internacional, encontra-se corroborada pelas Convenções Internacionais das quais o Brasil faz parte a ideia de validade da cláusula de eleição de foro.

Não obstante, a sua aplicação não é absoluta. O reconhecimento da eficácia do pacto de eleição de foro formalizado no contrato submete-se ao chamado “sistema de limites”, consagrado nos 17º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro397

e 216º do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal398. As limitações instauradas por este sistema tem por objetivo o resguardo integral da soberania nacional, da ordem pública e dos bons costumes. Extrai-se daí que uma sentença proferida em um Estado estrangeiro não será homologada no Brasil quando de alguma maneira afrontar a soberania, a ordem pública ou os bons costumes, ainda que o foro estrangeiro tenha sido eleito contratualmente.

396 Protocolo sobre Jurisdição Internacional em Matéria Contratual (Protocolo de Buenos Aires),

aprovado pela decisão 1, de 05/08/1994, do Conselho do Mercado Comum, reunido em Buenos Aires, Argentina. o Estado brasileiro depositou a carta de ratificação do protocolo em 7 de maio de 1996, passando o mesmo a vigorar no Brasil a partir da data de 6 de junho de 1996, encontrando-se em plena vigência em solo brasileiro.

397 “Art. 17 - As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não

terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes.”

398

“Art. 216 - Não será homologada sentença que ofenda a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes.”

180 Outra limitação que pode ser destacada diz respeito aos contratos com consumidores. Quanto a estes, a jurisprudência brasileira vem sedimentando entendimento no sentido de que não serão válidas as cláusulas de eleição de foro neles contidas se o foro eleito pelas partes inviabiliza ou mesmo dificulta, de alguma forma, o acesso ao Poder Judiciário por parte do consumidor399.

Vale destacar que por se tratar de caso de competência relativa, a propositura da ação em foro diverso daquele elegido em contrato, que pelo conteúdo material da controvérsia seria competente para julgá-la de acordo com as regras de fixação de competência internacional, atrai a incidência do fenômeno da prorrogação do foro400.

A prorrogação de competência relativa é consagrada pelo sistema processual brasileiro, nos termos do já mencionado art. 111 do CPC e do art. 114 também do CPC401, que prevê a ocorrência do fenômeno quando o juiz não declinar a competência para o juízo do domicílio do réu, nos casos de nulidade de cláusula de eleição de foro em contratos de adesão, ou quando o réu não opuser exceção declinatória nos casos e prazos legais.

Mais uma vez, o fato destes dispositivos estarem localizados no capítulo referente à competência interna não impede a sua aplicação aos casos com elementos de conexão plurilocalizados. A conclusão a que se chega tem fundamento nem outro dispositivo legal, o art. 90 do CPC brasileiro. Segundo este artigo, “a ação intentada perante tribunal estrangeiro não induz litispendência, nem obsta a que a autoridade judiciária brasileira conheça da mesma causa e das que lhe são conexas”. Deduz-se do texto deste artigo que a pendência de ação idêntica perante um juízo estrangeiro não afasta a competência da justiça brasileira. Ou seja, tratando-se de competência concorrente, é dada a possibilidade de se ingressar com uma ação perante o juízo nacional mesmo que exista ação idêntica tramitando perante foro estrangeiro.

Uma vez que, por se tratar de competência concorrente, é permitido ao juízo brasileiro acolher sob sua jurisdição questão contratual submetida a foro estrangeiro por força de cláusula de eleição de foro, admite-se perante o Direito processual brasileiro a

prorrogação da competência. Assim, se a parte ré não desejar sujeitar-se a foro diverso

399 Ver neste sentido as seguintes decisões do STJ: AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 1.125.666 - MS

(2008/0262831-5) Relator Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, DJ 05/11/2010 ; REsp n. 1.089.993/SP, relator Ministro MASSAMI UYEDA, DJ de 8.3.2010; AgRg nos EDcl no REsp n. 470.622/SC, relator Ministro VASCO DELLA GIUSTINA - Desembargador Convocado do TJ/RS, DJ de 27.8.2010.

400 Nardi, op. cit., p. 138. 401

“Art. 114 - Prorrogar-se-á a competência se dela o juiz não declinar na forma do parágrafo único do art. 112 desta Lei ou o réu não opuser exceção declinatória nos casos e prazos legais.”

181 do eleito no contrato, deverá arguir exceção de incompetência, em conformidade com as normas processuais do foro excepcionado, na tentativa de obter provimento jurisdicional favorável a sua reivindicação402.

Em conclusão, tem-se que, na ótica do Direito brasileiro, será válida a cláusula de eleição de foro presente em um contrato internacional “chave na mão”. Não obstante, ainda que tal cláusula atribua competência a foro estrangeiro, estará a justiça brasileira apta a conhecer do litígio a si submetido, ainda que ação idêntica esteja pendente de julgamento no foro estrangeiro.

No documento Contratos internacionais "chave na mão" (páginas 177-181)