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PROPRIEDADE INDUSTRIAL E TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA

No documento Contratos internacionais "chave na mão" (páginas 102-106)

As finalidades perseguidas através da celebração de um contrato internacional “chave na mão” fatalmente implicarão na cessão ou licença de direitos de propriedade industrial e na transferência de tecnologia. Logo, seja através da inserção de uma ou mais cláusulas ou mesmo através de um acordo separado, em regra, haverá nestes contratos uma regulação relativa a estes aspectos.

O fornecimento de tecnologia normalmente estará integrado ao contrato como parte da obrigação global assumida pela sociedade de engenharia, a qual, geralmente, irá se comprometer a ceder ou garantir a licença de uso de todos os direitos de propriedade industrial necessários para a realização do projeto e o seu regular funcionamento. A isso se soma a transferência de tecnologia que permite a transmissão de conhecimentos técnicos, concretizando-se através de planos e instruções técnicas transmitidas ao cliente e ao seu pessoal, bem como de instruções de uso e manutenção do complexo industrial.

O conteúdo fundamental dos diversos direitos de propriedade industrial remete a um direito de exclusividade sobre um bem incorpóreo vinculado a uma atividade empresarial.

A tutela dos direitos de propriedade industrial possui caráter fundamentalmente oficial, uma vez que a sua outorga está subordinada ao cumprimento de certos requisitos legais e formalidades administrativas realizadas por organismos públicos. Em todo caso,

103 em que pese a intervenção pública em sua constituição, os direitos de propriedade industrial são direitos subjetivos revestidos de natureza jurídico-privada208.

A atribuição pelo poder público de um direito de propriedade industrial determina normalmente que o bem sobre o qual ele recai só possa ser utilizado no mercado por seu titular ou por terceiros com o seu consentimento. Assim, estes direitos são suscetíveis de transmissão contratual, seja na sua forma plena, através da cessão, seja na sua forma limitada, através da licença de uso.

Os direitos privativos reconhecidos pelo Direito de propriedade industrial sobre os processos técnicos de produção e desenvolvimento de riqueza, tomando como base as legislações brasileira e portuguesa209, podem ser, entre outros, as patentes, marcas, desenhos e modelos. Neste rol, dvem ainda ser incluídos os programas de computador.

Deste modo, requer-se, em primeiro lugar, que a sociedade de engenharia que, para a realização do objeto de um contrato “chave na mão”, recorra a tais elementos de propriedade industrial, o faça de forma legal, seja porque é titular destes direitos, seja porquer é detendora de licença de uso sobre os mesmos. Em um segundo momento, após a conclusão da instalação com aptidão para o funcionamento conforme previsto em contrato, caberá à sociedade de engenharia garantir ao cliente que este poderá usar os elementos de propriedade industrial ali implicados e que são essenciais ao seu regular funcionamento, sem que sejam violados direitos de terceiros, o que ocorrerá, conforme apontado anteriormente, através da cessão de direitos ou de licença de uso dos mesmos210.

Para além disso, o objeto de um contrato internacional “chave na mão” poderá importar também na tranferência de tecnologia211.

No âmbito do comércio internacional assumem grande relevo as transferências internacionais de tecnologia, processo através do qual recursos tecnológicos gerados e/ou utilizados num determinado país são aplicados em país diferente212.

208 Rozas et. al., op. cit. , p. 80. 209

No caso de Portugal, cf. o Código da Propriedade Industrial, aprovado pelo Decreto-Lei nº 36/2003, de 5 de Março e alterado pelos Decretos-Lei n.ºs 318/2007, de 26 de Setembro, nº 360/2007, de 2 de Novembro, 143/2008, de 25 de julho e pela Lei nº 16/2008, de 1 de Abril. No caso do Brasil, cf. Lei nº 9.279, de 14 de Maio de 1996.

210 Santos Júnior, op. cit., 2009, p. 129. 211

Segundo Venosa, o termo transferência é “utilizado nos contratos em sentido impróprio, figurativo, pois não se transporta a tecnologia de um local para outro, nem de uma pessoa a outra, mas uma parte concede a outra a possibilidade de utilização empresarial de uma patente ou proporciona conhecimentos técnicos e experiência sobre procedimentos ou fórmulas de produção de bens e serviços. Venosa, op.cit., 2009 (b), p. 533.

104 Nos contratos internacionais que aqui temos em vista, o componente-chave de qualquer processo de transferência de tecnologia é a efetiva transferência de habilidades e know-how intangível que assegurem a capacidade produtiva.

Neste sentido, as cláusulas inseridas no contrato ou mesmo o contrato apartado poderão conter elementos de diferentes tipos de contratos de transferência de tecnologia, como os de transmissão de saber-fazer (know-how)213, de licenças de fabricação (package licensing) e de licença (licensing).

Os contratos que tem por objeto a transmissão de saber-fazer são essencialmente formados por conhecimentos técnicos não protegidos por patentes ou por quaisquer outros direitos de propriedade industrial, de acesso essencialmente restrito, passível de ser transmitido, e que, quando aplicado ao processo produtivo industrial, concede uma vantagem para seu titular214.

Não se vê, perante os contratos tradicionais de engenharia, nos quais a obrigação da parte contratada se limita normalmente à construção da obra, grande aplicabilidade aos acordos de transferência de saber-fazer. No entanto, estando em causa um contrato “chave na mão”, que envolve uma obrigação global da sociedade de engenharia, é muito frequente a transmissão de know-how de produção, sobretudo através da disponibilização de documentação técnica relativa à utilização e funcionamento da instalação, bem como da formação técnica do pessoal do cliente215.

Quando a “tecnologia” não é patenteada, a principal decorrência da divulgação indevida do segredo é a ação indenizatória, sem prejuízo de tipificação criminal nos termos da lei. Assim, por não ser objeto de uma tutela jurídica específica, como ocorre com a propriedade intelectual, a proteção desta transmissão de saber-fazer dependerá da inserção de uma cláusula de confidencialidade e do próprio recurso às regras de

212

Pinheiro, Luis de Lima, op. cit., 2005 (a), p. 45 apud Vítor Simões – “Tecnologia (transferência de)”, in Enc. Pólis, vol. V, 1987.

213 Quanto à diferenciação entre os conceitos de "contratos de prestação de serviços técnicos", "contratos

de assistência técnica" e "contratos de know-how", ver a interessante decisão do Tribunal Central Administrativo Sul de Portugal, no Recurso Jurisdicional n.º 2.628/08, Relator Eugénio Siqueira, datada de 18/03/2009, disponível em:

«http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/7c2c92dcdb386e64802575830036a4 3b?OpenDocument»

214 Paulin, Luiz Alfredo R. da S. Contribuição ao estudo dos contratos internacionais de know-how -

Tese de doutorado , São Paulo: Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 1994, p. 27.

215 Bortolotti, Fábio. Manuale di diritto commerciale Internazionale, vol. 1: Diritto dei contratti

internazionali, 2ª Ed., CEDAM, Padova., 2001, p. 620 – 621. O autor ainda acrescenta que conforme o caso, o valor referente a transmissão do know-how poderá ser incluído no preço do contrato ou ser pago separadamente (Cf. Nota 149).

105 responsabilidade civil aplicáveis ao caso, seja ela contratual ou delitual216. Neste caso, pode-se dizer que o cessionário contrai uma obrigação negativa de não-fazer, qual seja, de não revelar o conteúdo daqueles conhecimentos transmitidos a terceiros.

O objeto dos contratos de licença também poderá ser abrangido por um contrato “chave na mão”. Na prática mercantil, a expressão “contratos de licença” geralmente é utilizada como abreviação dos contratos de licença para uso de patentes de invenção,

de modelos e similares. Fundamentalmente, através destes contratos, o titular de um

direito de propriedade intelectual (direitos de autor, marcas de produtos ou patentes de invenção), chamado de licenciador ou licenciante, cede a outrem, o licenciado, mediante o pagamento de uma remuneração, a utilização ou exploração temporária deste direito para fins empresariais, sem transferir a sua titularidade.

A complexidade de um contrato “chave na mão” pode envolver a aplicação de diversos elementos protegidos por direitos de propriedade intelectual, inclusive programas de computador.

Merecem menção ainda, pela sua especial aplicação em contratos que envolvam uma obrigação global por parte da sociedade de engenharia, as chamadas “licenças de fabricação”, através das quais o licenciador se obriga a colocar a disposição do

licenciado tudo aquilo que for necessário para a realização de uma determinada

atividade produtiva, o que poderá abranger, além de licenças de patentes, marcas e da transmissão do know-how, a prestação de serviços que envolvam a elaboração do projeto de um complexo industrial, a sua montagem, supervisão e ainda a assistência técnica e o fornecimento de equipamentos217.

Os contratos de transferência de tecnologia, perante os sistemas português e brasileiro, bem como perante a maioria dos principais sistemas jurídicos, são legalmente atípicos, embora sejam objeto de normas esparsas, sobretudo em matéria de licenças.

No Brasil, por exemplo, o art. 211 da Lei de Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/96) determina que o Instituto Nacional de Propriedade Industrial “fará o registro dos contratos que impliquem transferência de tecnologia, contratos de franquia e similares para produzirem efeitos em relação a terceiros”. Ou seja, qualquer contrato que implique a transferência de tecnologia deve necessariamente ser averbado perante o INPI para que possa ter eficácia perante terceiros.

216

Santos Júnior, op. cit., 2009, p. 131.

106 Por último, cabe ressaltar que a larga duração dos contratos “chave na mão”, somada ao fato de que nestes contratos é a sociedade de engenharia que se encarrega da concepção do projeto uma vez celebrado o contrato, faz com que em determinadas situações esta última se obrigue a informar ao cliente a respeito de possíveis modificações da tecnologia fornecida que possam resultar em melhoras de produtividade, cabendo ao cliente decidir se irá incorporá-las ou não. Por outro lado, é possível também, dependendo do conteúdo do contrato, que estas melhoras na tecnologia devam ser incorporadas automaticamente pela sociedade de engenharia, a não ser, é claro, que haja discordância por parte do cliente218.

No documento Contratos internacionais "chave na mão" (páginas 102-106)