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2 Referencial teórico

2.4 Mudança organizacional e investigação apreciativa

2.4.1 Ambiente de inovação e generatividade

As pesquisas sobre inovação no setor público nos últimos dez anos tiveram como foco os fatores ambientais que influenciam as mudanças organizacionais e gerenciais. Em verdade, variados fatores influenciam a inovação no setor público (BRANDÃO; BRUNO-FARIA, 2013). No Brasil, é paradigmático o que aconteceu em face do processo de Reforma do Estado, que gerou estruturas inovativas ligadas à descentralização e à participação, como observado por Farah (2001), em muito responsáveis por novas formas de gestão (grifos meus) introduzidas no domínio do público-privado.

Aliás, é o caso dos estudos realizados por Cunha et al (2010), Hidalgo e Albors (2008), que confirmam pesquisas mais antigas de Tidd, Bessant e Pavitt (1997), que sugerem a inovação não apenas como resultado exclusivo de P&D, mas de ações realizadas em várias áreas de dentro e de fora da organização. Em comum, a constatação destes autores reconhece que a inovação precisa partir das pessoas. O pressuposto é de que a inovação nas organizações depende da relação sinérgica existente entre cultura da organização, seus processos internos e seu ambiente externo (NEELY; HII, 1998).

Segundo Abdi e Senin (2014), a inovação é parte inerente da cultura organizacional. É o processo de criação e melhoria de produtos, serviços e gestão. Contudo, os autores ressaltam a importância da aprendizagem organizacional por meio dos construtos como visão compartilhada, abertura e compromisso com a aprendizagem, de sorte que seja possível influenciar, de forma efetiva, a cultura para a inovação organizacional.

O processo de inovação ocorre a todo tempo e em sua maior parte é influenciado por vários fatores. Emerge por meio de mudanças sucessivas, o que caracteriza sua complexidade e interatividade, já que não ocorre de forma isolada. Para que ocorra, supõe-se ser necessário

haver interação entre pessoas e instituições, para ganho e desenvolvimento de vários tipos de conhecimento, informação e outros recursos. As instituições envolvidas nessa rede de relações podem ser fornecedores, produtores, competidores, universidades, institutos de pesquisa, bancos de financiamento, escolas, governo; enfim, todos envolvidos e influenciando algo novo (EDQUIST, 1997).

O consenso existente em relação à inovação diz respeito ao fato de que ela está ligada a “algo novo” (SLAPPENDEL, 1996 apud MOREIRA; QUEIROZ, 2007, p. 2). Porém, há desacordo em relação ao que pode ser considerado “novo” (JOHANNESSEN; OLSEN; LUMPKIM, 2001 apud MOREIRA; QUEIROZ, 2007). Qualquer tipo de inovação, técnica ou tecnológica, para alguns autores é sinônimo de inovação (MOREIRA; QUEIROZ, 2007).

Para ser uma inovação, esclarece-se que “ser algo novo é situacional, se é novo para dado ambiente mesmo que para outros já seja bem conhecido” (TORNATZKY; FLEISCHER, 1990 apud MOREIRA; QUEIROZ, 2007, p. 9). Esse “novo” pode ser inovação radical (revolucionária) e inovação incremental. A inovação pode ser vista como uma ideia nova, gerada por meio da criatividade, que se tornou em algo útil para a organização (MOTTA, 1997). Contudo, é preciso gerir bem a nova ideia para que esta saia da fase de criatividade, ou seja, geração de novas ideias, e atinja o nível de inovação, pois:

A criatividade só pode ser reconhecida se aplicada. A criatividade de um cientista ou de um músico só pode ser verificada na obra realmente construída. Mozart ou Beethoven jamais seriam considerados gênios criativos na música se tivessem dedicado suas vidas a falar sobre novas ideias de composição musical. Inovação é resultado de empenho com a qualidade, com a satisfação do público externo e interno; é um compromisso de ação por parte do gestor. A inovação é, sobretudo, resultado de uma predisposição organizacional para facilitar as condições propícias a seus gestores e funcionários à conquista de novas oportunidades (MOTTA, 1997, p. 177).

Por meio de atividades inovadoras, as instituições estabelecem relações umas com as outras e entre vários tipos de organizações. Em certos casos, para isto acontecer, a responsabilidade pela sobrevivência das organizações passa a ser compartilhada com instituições que continuamente incentivam a inovação por meio de mecanismos legais, regulamentações, normas, regras sociais e técnicas de trabalho de nível avançado, com o objetivo de diferenciação dos produtos e processos. Deste modo, atores e contexto podem contribuir como elementos do sistema de criação e uso do conhecimento para fins econômicos (EDQUIST, 1997). As organizações podem gerar inovação para seu próprio uso ou para uso em outras organizações. Por fim, a geração de inovações traz resultados novos para seus colaboradores (DAFT, 1978; DAMANPOUR; WISCHNEVSKY, 2006).

As organizações inovam com a intenção de melhorar (ou pelo menos manter) o seu nível de desempenho efetivo. A partir desta perspectiva, quando uma inovação deixa de ser implementada, pode ser considerada uma ideia em gestação, fazendo com que os objetivos de inovar e melhorar os serviços continuem a ser buscados pelos interessados (DAMANPOUR; SCHNEIDER, 2008).

No Brasil são muitas as barreiras para a implementação da inovação no serviço público (BRANDÃO, 2012; BRANDÃO; BRUNO-FARIA, 2013), incluindo desde a falta de incentivos e financiamento insuficiente até as pressões de curto prazo associados com a política e reeleição e a necessidade de apoio público. No entanto, como líderes em suas organizações, gestores públicos podem influenciar a motivação dos trabalhadores e a satisfação no trabalho, ou mesmo criar uma obra social e clima para melhorar o moral, incentivar e premiar a inovação e mudança (DAMANPOUR; SCHNEIDER, 2006; HOOIJBERG; DITOMASO, 1996). Estas são características, portanto, dos líderes organizacionais que se julgam necessárias para influenciar a adoção de inovação (BANTEL; JACKSON, 1989; HOWELL; HIGGINS, 1990).

O fato é que a necessidade de superar a histórica inadequação do aparato institucional da política de Ciência e Tecnologia (C&T) e a consequente desarticulação ante a política industrial foi o objetivo central das reformas iniciadas no Brasil em 1999, as quais também se propunham a mobilizar novos recursos, para superar a instabilidade do gasto público para C&T (PACHECO, 2007). A proposição de mobilizar recursos para P&D faz parte do papel do Estado na área de C&T, como observado no Estado de Pernambuco, que adotou uma política pública de inovação e de interiorização, da qual emergiu uma rede de conhecimento que envolveu diferentes modos de cooperação e de competição, analisados a partir do estudo da criação e funcionamento de Centros Tecnológicos (OLIVEIRA; CABRAL, 2014). O estudo reforça a proposição de que a inovação depende das pessoas, suas criatividades e relações interpessoais, como defende Andrade (2006). Para o autor:

A inovação depende menos de investimento intensivo de capital e inventividade técnica, e mais da criação de redes de circulação de informação e conhecimento. A problemática da inovação torna-se menos tecnológica e mais pedagógica, adquire um sentido econômico (distributivo) e social (coesão) que transcende os ditames operacionais e funcionais dos objetos técnicos (ANDRADE, 2006, p. 320).

Pesquisas realizadas na área de inovação no Brasil têm buscado estudar o pensamento gerencial para saber a respeito do que seja uma organização inovadora (SOUZA; BASTOS, 2007). Outros temas abordados dizem respeito à questão das redes de relacionamento para o

fomento do compartilhamento e aprendizagem de conhecimento em inovação e tecnologia (FERIGOTTI; SCHLEMM, 2006).

Fernandino e Oliveira (2010), por sua vez, apontam que as empresas do setor elétrico brasileiro ainda estão na fase de estudo e avaliação de quais arquiteturas organizacionais seriam mais adequadas para a gestão de P&D. Aliás, desde o final dos anos 2000, por meio da Lei Nº 9.991, as organizações que integram o setor elétrico foram obrigadas a investir 1% da receita operacional líquida em projetos de P&D. Dessa forma, elas tiveram que criar e gerir programas de P&D com o objetivo de suprir o setor com novos conhecimentos, recursos humanos qualificados e novos produtos e serviços para a sociedade (BRASIL, 2000; MAISONNAVE; ROCHA-PINTO, 2008). Um dos objetivos da referida lei foi o fomento de uma cultura de inovação por meio de P&D nas organizações.

Levando-se em consideração as pesquisas já realizadas na área de inovação no Brasil, boa parte com enfoque quantitativo e somando-se a isso a orientação dada pelo governo por meio da regulamentação do setor, a questão da P&D no setor estatal parece ser uma das prioridades a serem estudadas, inclusive por meio de outros tipos de metodologia de pesquisa, a exemplo da qualitativa, com o objetivo de mudar a lente de análise e de se resgatar aspectos ainda não explorados e até mesmo sugerir mudanças planejadas orientadas para a inovação.

Vale lembrar que a função tecnológica nas organizações, outrora apenas “engenharias”, foi, com o passar do tempo, se especializando e sendo subdividida em áreas dedicadas a funções específicas. À função de P&D, por exemplo, cabia à gestão da tecnologia e à busca de inovação, como função de inteligência, prospectiva e externalizada. Esse papel foi redefinido, na busca de melhorias incrementais e contínuas num processo de socialização nas organizações. Em princípio, isto aconteceu por meio de investimento em laboratórios sofisticados e pessoal altamente qualificado, denominados P&D de 1ª geração; tendo prosseguido por meio de metodologias de gerenciamento de projetos, denominados P&D de 2ª geração. Por fim, por meio da integração de todos esses elementos em termos de estratégia organizacional, denominados P&D de 3ª geração. Dessa forma, a inovação tecnológica se tornou cada vez mais importante, juntamente com os custos de desenvolvimento maiores e os tempos de desenvolvimento menores (FLEURY; FLEURY, 2004).

Nessa trajetória seria interessante investigar qual foi o papel exercido pelas forças institucionais que privilegiaram os avanços geracionais ora mencionados sem que seja ainda quase não sabido como os atores participantes desses processos de P&D se fortaleceram frente às adversidades ou como potencializaram a capacidade de detectar e aceitar os

encontros e colaborações disponíveis, para chegar aonde chegaram em termos de desenvolvimento organizacional alcançado por suas instituições. Neste sentido, Gergen e Gergen (2010) sugerem que os diálogos generativos constituem processos básicos para o estabelecimento ou reestabelecimento de vínculos e redes sociais. Assim, ao se compreender os recursos desse tipo de diálogo, espera-se delinear em que contexto aconteceram as dinâmicas generativas que se interligaram com a inovação. Cabe observar que alguns estudos vêm trabalhando o diálogo generativo associado a temáticas como o planejamento participativo, a gestão do conhecimento e a descoberta do núcleo positivo por meio da IA, que tem o construcionismo social como um elemento de sua fundamentação teórica (ALMEIDA, 2013).

Certamente, nesse universo discursivo tem lugar o entendimento de que o discurso positivo pode contribuir para a mudança de valores organizacionais, por meio da construção de agendas generativas que considerem as pessoas e seus vínculos, e o que lhes permitam agir colaborativamente na construção conjunta de um novo projeto organizacional, que leve em consideração os esforços já alcançados (SCHINTMAN, 2010).

No campo do DO, a prática generativa seria percebida como um produto de forças institucionais que possibilitassem a pessoas ou a um grupo de pessoas passar a descobrir, a criar e a visualizar imagens que lhes permitissem fazer experimentos em seu trabalho e na organização de forma diferente (BUSHE, 2013). Assim, quanto mais influentes fossem as imagens generativas, maior o impacto sobre os sentimentos e as motivações, bem como os pensamentos das pessoas. Como é afirmado por Bushe (2013), novas opções, novas

estratégias e mesmo um novo núcleo positivo poderia emergir na organização, como um processo de desenvolvimento desencadeado pelo motor da generatividade, indo além do positivo, como se defende nesta tese (grifos meus).

Tendo estabelecido uma associação entre ambiente de inovação e generatividade, como pretendido nesta seção, então, acredita-se ter reunido elementos teóricos que permitam traduzir o novo olhar sobre o DO que fuja do paradigma clássico e se alinhe com a perspectiva construcionista, sob a qual paira o discurso forjado por uma ciência social positiva. Como posto nesta tese, também se destaca a defesa da IA como um motor generativo da transformação organizacional, que ultrapassa a questão do positivo, que a antecede, porém, não parece ser suficiente e requer aprofundamento.

Reforçando, inclusive pode-se fazer uma delimitação, por se referir às organizações que promovem a inovação, em bases generativas e afirmativas, as quais precisam se legitimar

por meio do diálogo positivo, que é necessário, mas não é suficiente por si só, pois este deve ser acompanhado pelo desempenho apropriado de uma organização inovadora, que seja reconhecida por seu valor público, especialmente no caso de entidades estatais, pois, defende- se que o investimento de recursos governamentais deve se reverter em bens e serviços para a sociedade. Daí a generatividade requerer que o contexto discursivo seja condizente e entendido como uma ação significativa e legítima (HARDY; LAWRENCE; GRANT, 2005; LAWRENCE; SUDDABY, 2006).

Ademais, sabendo-se que a construção social da realidade, tal como se encontra nos fundamentos da IA, ao incorporar a dicotomia (positivo-negativo) e seus paradoxos, pode-se acompanhar o pensamento de Heydenreich (2008), para quem aquilo que leva os atores a se envolverem uns com os outros e a estabelecerem pactos em torno de uma ação coletiva nada mais é do que um elemento constituinte do processo dialógico que conjuga interesses convergentes e divergentes, como precondição para a generatividade. Assim, juntam-se

agendas diferentes, background e ideologias, na esperança de que, apesar - e por causa - de suas diferenças, os stakeholders consigam encontrar soluções generativas e concretas para alguns dos problemas complexos que estão combatendo em conjunto, com o compromisso e a responsabilidade por seus resultados perante a sociedade. Sem dúvida, um deles consiste em obter um bom desempenho na promoção da inovação, que traga benefícios para todos, junto com a eficácia de seus resultados.

A partir deste referencial, monta-se a estratégia de combinação teórica que dá sustentação à tese, reunindo-se os elementos ora delineados nas próximas seções.

2.4.2 Capacidade dinâmica de ação para a inovação e a