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2 Referencial teórico

TRANSFORMAÇÃO INDIVIDUAL

2.4.5 IA vista como uma reinterpretação da realidade

A mudança é um processo consciente de se criar uma nova realidade organizacional (MOTTA, 1997). Para o autor, o comportamento humano pode ser entendido como resultado de um processo de interação social, no qual o indivíduo deve ser visto não como passivo nem reativo ao ambiente, mas sim como um ser ativo e participante, de forma direta, na formulação de seus próprios valores (MOTTA, 1997).

Convém inserir uma primeira pergunta filosófica: o que é realidade? Nada é real, a menos que as pessoas concordem que seja. É preciso refletir sobre o que se entende por realidade e como a entendemos (FOERSTER, 1996). Mas, para os construcionistas sociais, importa dizer que a realidade é definida por meio de uma tradição cultural. Apesar disto, sem estar preso à história ou à tradição. Isto porque o diálogo levanta questões, avalia metáforas, alternativas e brinca “na fronteira da razão, atravessando o limiar dos novos mundos e significados. O futuro é nosso para que o criemos... juntos” (GERGEN; GERGEN, 2010, p. 22).

Sobre a relação entre o construtivismo e o construcionismo social, Villedas (1992

apud GRANDESSO, 2006) refere-se a Gergen como aquele que levou o construtivismo ao

campo do social. Com suas peculiaridades que o diferenciam, o construcionismo social e o construtivismo permitem que se estabeleçam comparações entre ambas, conforme as categorias estabelecidas pelo autor, dispostas no Quadro 5(2).

Como a IA baseia-se nos princípios do construcionismo social a análise repousa nas categorias que as aproximam. Vale enfatizar, por exemplo, o aspecto das práticas sociais e de intercâmbio entre as pessoas, em detrimento dos aspectos psicológicos, relativos ao plano individual (GRANDESSO, 2006). Portanto, "nesse amplo contexto de intersubjetividade, as propostas de mudança acabam por incluir uma grande variedade de ações, mas todas por sua vez, carregadas nas dimensões comunicativas e relacionais" (MOTTA, 1997, p. 48). Isto porque a organização não existe, de forma natural, como ocorrência objetiva, mas como uma construção emergente das relações intersubjetivas das pessoas. No Quadro 5(2) podem ser vistas as principais comparações acerca das características comparadas entre construtivismo e construcionismo social.

Quadro 5(2): Comparações entre construtivismo e o construcionismo social.

Construcionismo social Construtivismo

Ênfase: práticas sociais de intercâmbio entre as

pessoas

Ênfase: indivíduo biológico e psicológico Mundo da experiência: construído nas práticas

discursivas decorrentes de processos microssociais

Mundo da experiência: construídos pelos processos

mentais

Mundo e mente: definidos como práticas

discursivas sujeitos a contestação e negociação

Mundo e mente: definidos como experiência

individual, organizados pela cognição e suas operações

Ideias, lembranças e conceitos: derivados dos

relacionamentos sociais

Ideias, lembranças e conceitos: derivados das

operações mentais dos do indivíduo

Ação humana: vinculada aos relacionamentos –

ação conjunta (Shotter)

Ação humana: vinculada aos processos intrínsecos

do indivíduo

Funcionamento individual: sujeito ao intercâmbio comum das práticas sociais

Funcionamento individual: sujeito ao determinismo

estrutural (Maturana), operando somente a partir de dentro de sua organização sistêmica

Processos psicológicos: histórica e culturalmente

contingentes e não possessões dos indivíduos

Processos psicológicos: possessões do indivíduo,

resultantes da sua experiência privada

Aspecto enfatizando: discurso sobre a experiência privada e sistemas linguísticos de descrição

Aspecto enfatizando: crenças, esquemas e a priori

cognitivos, organizados e expressos na linguagem Fonte: Adaptado de GRANDESSO (2006, p. 109)

Levando-se em consideração que o conhecimento, dentro do paradigma da mudança como reinterpretação crítica da realidade, pode ser construído por meio das interações humanas, o entendimento que se tem da realidade irá afetar a relação mantida com o todo. Pensar a realidade de forma a valorizar a questão por meio de uma fenomenologia, intersubjetiva, sugere a análise da relação sujeito-objeto, a qual se altera pela aproximação crítica aos seus aspectos relacionais, sendo a “compreensão, nesse caso, uma interpretação tanto da presença quanto da ação do indivíduo no contexto organizacional” (MOTTA, 1997, p. 47).

Ainda sobre o paradigma da reinterpretação crítica da realidade (MOTTA, 1997), percebe-se que, para o autor, a base teórica que o sustenta está associada ao conceito de ação social. A ação social para Weber (2004) pode ser definida como “toda conduta humana (ato, omissão ou permissão) dotada de um significado subjetivo dado por quem a executa e que orienta a ação” (QUINTANEIRO et al, 2003). Já a ação social “significa uma ação que quanto a seu sentido visado pelo agente ou os agentes, se refere ao comportamento de outros, orientando-se por este em seu curso” (WEBER, 2004, p. 3). Neste sentido, a relação social implica admitir “uma conduta plural (de vários), reciprocamente orientada, dotada de conteúdos significativos que descansam na probabilidade de que se agirá socialmente de um certo modo” (QUINTANEIRO, 2003). Dito isso, sobre a relação do paradigma e a compreensão da realidade:

Na verdade, as teorias fundamentadas nesse paradigma são teorias de ação social: incorporam um sentido prático à ideia da produção científica visando ao desenvolvimento da autoconsciência social e da autodeterminação individual. Possuem algumas variações, mas, em geral, acrescentam que: a) o mundo organizacional só pode ser entendido através dos significados subjetivos ou interpretações de cada pessoa sobre os objetos de sua atenção; b) tanto o indivíduo quanto a organização são frágeis como objeto de análise para a mudança - o indivíduo por ser unidade restrita e sem significado social fora de um contexto relacional, e a organização por ser um "constructo mental" e sem existência concreta fora da consciência humana; e c) por ser o mundo social (e a organização) produto da consciência individual, a única forma de compreendê-lo, capturar o seu caráter coletivo e uni-lo no seu todo é através da intersubjetividade, cuja expressão principal é a linguagem ou comunicação. O objetivo da análise social é compreender e não somente explicar. Propõe-se a distinção para mostrar a impossibilidade de uma explicação objetiva sobre a realidade, pois esta não existe à parte do indivíduo. Assim, a compreensão envolve a apreensão global do sentido de um objeto enquanto totalidade inseparável do sujeito (MOTTA, 1997, p. 47).

Dessa forma, observar a questão por meio de paradigmas pode relativizar a discussão, assim como mostrar a fragilidade dos paradigmas, uma vez que se pode incorrer nas seguintes questões: “imunidade à análise crítica”; “incompatibilidade” e a ideia de algo como “dado na ciência social”. Além disso, é importante entender que pode haver superposições entre os paradigmas (MOTTA, 1997).

Contudo a mudança promovida pela IA permite mostrar que a ideia defendida por Motta (1997), a respeito da emancipação dos indivíduos emerge da reconstrução de um novo significado organizacional, dos condicionantes estruturais e das formas comunicativas (MOTTA, 1997). Além disso, tanto a visão apreciativa, quanto a visão transformacional encontrada em Motta (1997), valorizam o ponto de vista dos atores e seus condicionantes. O que não deixa de ser um processo, por permissão; omissão ou ação, voltado para se criar uma nova realidade organizacional que é negociada e pode envolver processos políticos.

Sabe-se que mudar a realidade não é tarefa para todos, mas trata-se de uma possibilidade positiva a ser explorada. Como afirma Bushe (2013), a reconstrução de significado por meio dos processos generativos pode se dar por meio da criação de novas imagens, metáforas, representações físicas e possui duas qualidades: mudam como as pessoas pensam sobre as possibilidades decisórias encontradas no mundo real e criam imagens desejáveis e convincentes para que as pessoas possam agir, o que torna plausível a abordagem da generatividade organizacional cuja lógica emerge na discussão tomada na próxima seção.

2.4.6 Lógica da generatividade organizacional na perspectiva