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2 Referencial teórico

2.2 Investigação Apreciativa (IA)

2.2.2 Fundamentos ontológicos e epistemológicos da IA

Com o objetivo de transcender o dualismo empirismo versus racionalismo, Gergen e Gergen (2010) sugerem uma proposta epistemológica para a utilização da IA, baseada no interpretativismo, na hermenêutica e no construcionismo social. O cerne da discussão reside no pressuposto de que a criação de sentido pode ser observada por meio das atividades colaborativas em que o diálogo constitui o principal modo de discurso, em diferentes níveis de complexidade e de incertezas, posto que não depende apenas da pessoa, mas também daqueles que a rodeiam. Entretanto, em termos de generatividade, é necessário admitir que “os contrastes, tensões e incertezas não intimidam, uma vez que a tentativa de estabelecer uma verdade definitiva, uma lógica fundante, um código de valores ou uma lista de práticas seria algo absolutamente contrário ao desenvolvimento das ideias defendidas pelos construcionistas sociais” (GERGEN; GERGEN, 2010, p. 18). O que implica saber lidar com o fato de que há vozes que falam outras línguas em uma investigação compartilhada, constituindo uma maneira de pensar e refletir juntos, que dá margem a diferentes interpretações e ao manejo das diversidades de modo que a criação é conjunta, todos são coautores da realidade. Assim, tem- se que dominar a interpretação dos fenômenos envolvidos, em que se enfoca o ponto de vista do sentido/significado das pessoas estudadas (MARUJO et al., 2007).

Como a IA é sustentada por uma filosofia social construcionista (COOPERRIDER; SRIVASTVA, 2009), cabe assinalar à natureza qualitativa da abordagem a qual está associada e que aponta para os sugestivos processos interpretativos e hermenêuticos que a cercam. Essa

é a base epistemológica do paradigma apreciativo desenvolvido por Cooperrider, Whitney e Stavros (2009), que inspira a literatura sobre o assunto.

O que dá vida às organizações são as pessoas que se dispõem a participar de conversações, dado que as construções sociais acontecem no interior e no entorno das organizações. Para tanto, nesse prisma teórico, torna-se importante deixar claro o quadro de visões ontológicas e epistemológicas, com suas abordagens e polo metodológicos, utilizados nesta tese com o objetivo de mostrar a unidade as visões adotadas nesta discussão, apresentadas no Quadro 3(2).

Quadro 3(2): Visões adotadas neste estudo.

Ontologia Realidade construída socialmente

Epistemologia Paradigma construtivista interpretativista

Abordagem Qualitativa

Fonte: elaborado pela autora.

No interpretativismo, o discurso é ontologicamente visto como artefato de intercâmbio e da construção social, típica da interação social, cujo foco situa-se para além do dualismo empirista e racionalista. Em verdade, a IA coloca uma série de proposições que não se enquadram numa visão positivista da ciência, que toma a realidade como um dado objetivo, com o aditivo da neutralidade, cujo imperativo é claramente questionado no campo das ciências sociais (GUBA; LINCOLN, 1989).

Neste sentido, a adoção da lente construcionista envolve a apreensão da realidade em sua dualidade e paradoxos, em que o objetivo e o subjetivo convivem de forma ambígua, de sorte que um processo de negociação social conduz à mudança. Há negociação na realidade que é construída socialmente (BERGER; LUCKMANN, 2005), segundo modos partilhados e negociados de conversação ao longo do tempo. Assim sendo, interligam-se a linguagem, pensamento (modelos mentais) e ação, que permitem a interpretação de um número de possíveis realidades que podem resultar do que foi negociado, com propósitos comuns de mudança, que transcorre em meio a um equilíbrio dinâmico com caráter instável (COOPERRIDER; SRIVASTVA, 2009).

Como indicado pela literatura, o paradigma interpretacionista constitui a busca da superação do objetivismo funcionalista dos anos 1980 e 1990 (VERGARA; CALDAS, 2005). O interpretativismo surge na década de 1970 e questiona o objetivismo arraigado na doutrina

funcionalista. Enquanto vertente crítica, combate sua conivência com a regulação e a manutenção da ordem social ou mesmo a falta de engajamento em prol da mudança social. Para os autores, a aplicação do interacionismo na análise organizacional emerge como forma de criar um contraponto ao entendimento funcionalista, em que as organizações são objetos tangíveis, concretos e objetivos.

Do ponto de vista interpretativo, as organizações seriam processos que surgem das ações intencionais das pessoas, individualmente ou em grupo, os quais podem ser encontrados segundo várias formas, devido às diferentes interpretações individuais e negociações permanentes no clima organizacional e mudança de contextos sociais.

Burrell e Morgan (2005) veem o positivismo e o idealismo como pontos de um

continuum cujas características são respectivamente uma abordagem objetiva e uma subjetiva

às ciências sociais. Pesquisas empíricas de cunho subjetivista contemplam a visão de mundo dos sujeitos, definem amostras intencionais, selecionadas por tipicidade ou por acessibilidade, com dados obtidos por meio de técnicas pouco estruturadas, aos quais se aplica a análise de cunho interpretativo. Os resultados obtidos não são generalizáveis (BURRELL; MORGAN, 2005).

Para a fenomenologia, a existência humana é interpretativa. Há que se buscar a essência do objeto, ou seja, os atributos sem os quais ele não pode ser identificado. Para tanto, procura-se compreender e interpretar os produtos da mente humana, que constroem o mundo social e cultural (BURRELL; MORGAN, 2005; MOREIRA; QUEIROZ, 2007).

É no escopo da fenomenologia que se encontram duas escolas do pensamento cujos pressupostos são bastante utilizados nos estudos organizacionais: a etnometodologia e o interacionismo simbólico. Na etnometodologia, as bases teóricas advêm das ideias de Schutz e Garfinkel (ETZRODT, 2013). Busca-se descobrir como e o que as pessoas fazem na vida diária. A modificação do ambiente e a busca de teorização não são preocupações desses estudos (HAGUETTE, 1992). Como o foco desta tese transita no espaço da transformação organizacional em um ambiente de inovação, não caberia o uso da etnometodologia, mas sim o do interacionismo simbólico como escola de pensamento a ser adotada, pois no interacionismo simbólico sublinha-se o aspecto subjetivo do comportamento humano presente no grupo social, tendo como princípio fundamental a proposição de que as pessoas existem em ação.

A questão relacionada com a ordem negociada aparece como forma de destacar o papel da interação e dos contextos nos quais ocorrem as ações de mudança, que são

construções fenomenológicas (DENZIN, 1997). O interacionismo simbólico focaliza o contexto social em que os indivíduos se integram, empregando uma variedade de práticas para manter definições particulares do mundo onde realidades e fatos são criações sociais.

Sobre este aspecto, justifica-se a adoção das visões enunciadas no Quadro 2(2) e discutidas nesta tese, haja vista a construção aqui adotada, no sentido de entender a importância e influência de um dado contexto, ou seja, a transformação organizacional, por meio da abordagem generativa e apreciativa, em um campo empírico reservado às organizações públicas imersas em um ambiente de inovação, onde se cria valor social, como objeto de estudo.

A procura das origens do ser humano, a busca de uma genealogia que situe o homem no espaço e no tempo faz parte do universo simbólico de todos os povos, como mostra a universalidade das construções dos “mitos de origem”. As origens comuns facilitam as aproximações e as cisões entre grupos e indivíduos (OLIVEIRA, 1990). A organização não existe isolada, nem independente do espaço; ao contrário, ambos são indissociáveis (SANTOS, 2006). Por este motivo, em um estudo como o desta tese, torna-se preciso contextualizar o ambiente do serviço público, condição necessária para se compreender o cenário de inovação no setor público, apesar de se entender que este ambiente pode até predeterminar algumas ações sociais, porém não as determinar.

A este contorno que ora se delineia espera-se poder desenvolver a noção de que a IA está intrinsecamente ligada à ideia de motor generativo que valoriza o melhor na organização a ser focalizada. Com isso, deseja-se contribuir, de forma significativa, para o processo apreciativo e generativo como uma força propulsora da transformação organizacional. Prossegue-se, então, com o assunto, visando a um melhor entendimento do tema, colocando- se a IA em evidência, começando por questionar o que esta última traz como ensinamento sobre a mudança organizacional. Como discutido na próxima seção, o desenvolvimento organizacional requer não só processos de construção de significado compartilhado, mas também que esses sejam generativos para que haja a renovação contínua da organização.

2.3 Desenvolvimento organizacional e a investigação