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Novos sentidos da transformação organizacional a partir da investigação apreciativa

2 Referencial teórico

2.4 Mudança organizacional e investigação apreciativa

2.4.3 Novos sentidos da transformação organizacional a partir da investigação apreciativa

Esta tese apoia-se no estreitamento entre a temática da IA e do desenvolvimento organizacional transformacional, visando uma transformação generativa. Para tanto, buscou- se entender que o diálogo não poderia ser apreendido sem que houvesse a análise do caráter ideológico, estético e generativo da própria IA. Dessa forma, a ideia central desta seção consiste em observar como, quiçá, aplicada a um determinado objeto de estudo, a IA pode trazer um novo olhar, ou seja, novos sentidos para a apreciação da transformação organizacional, em termos generativos.

A IA faz parte da “revolução cognitiva” pela qual passou a área de comportamento organizacional nas duas últimas décadas (TENBRUNSEL et al., 2004). Essa postura

metacognitiva pode ser traduzida como um novo olhar sob a organização, o de conhecer o próprio ato de conhecer. A ideia central está baseada na apreciação da organização, que se dá por meio da imaginação, da visão de futuro e da busca pelo que nela há de belo e poético. A IA mostra que se pode obter uma nova percepção da realidade, capaz de contribuir para o entendimento de novos sentidos da experiência humana no ambiente organizacional (COOPERRIDER; WHITNEY; STAVROS, 2009).

Com efeito, a IA é uma tentativa de unir o belo e o útil na organização. Essa divisão entre as qualidades primárias, mundo físico; objetivo e universal, já tinha sido feita por Newton para separá-las das qualidades secundárias, objeto das experiências subjetivas, sensoriais e inexatas. O belo foi então separado do útil e do prático. As faculdades cognitivas do intelecto e suas produções foram separadas dos momentos de contemplação e imaginação. Entretanto, antes da Renascença, séc. XVIII, arte e técnica andavam unidas. Dessa forma, não se pode dissociar as ideias e as coisas, pensamentos e ações, espírito e matéria (KUHN, 1989).

As representações da realidade organizacional então estavam “sob a égide da racionalidade”, em que estas são muitas vezes descritas por meio de índices, números, organogramas, privilegiando aspectos instrumentais, em que a visão funcionalista-positivista ainda domina (WOOD JR, 2009). Para além da visão tradicional, Burrell e Morgan (2005) reconhecem a necessidade de novas abordagens teóricas para os estudos organizacionais, com o objetivo de contribuir para novas possibilidades de reflexão na área. Seguindo essa pista, a IA se enquadra como uma possibilidade positiva para os estudos organizacionais, como ponto defendido na visão de seus principais pensadores (COOPERRIDER; WHITNEY; STAVROS, 2009).

A crença da naturalidade e triunfo do racionalismo teve suas bases históricas e ideológicas observadas por Saint Simon, séc. XIX, considerado um dos primeiros teóricos organizacionais. Ele observou o surgimento dos padrões organizacionais modernos e interpretou as transformações ideológicas e estruturais produzidas pelo capitalismo industrial, além de perceber que mudanças profundas tinham acontecido com o advento da “lógica da organização”. O surgimento e disseminação das organizações de trabalho coletivo representavam um novo modo de organização da sociedade, visto pelo ângulo do triunfo da ciência, da racionalidade e da nova estrutura de poder baseada na capacidade técnica (REED, 1999).

Torna-se importante considerar que é o ser humano a origem e a solução, seja qual for a área do conhecimento, como ontologia. As pessoas são o elemento central e as

organizações, enquanto criações humanas podem ser melhores compreendidas por meio da inclusão das mais diversas dimensões e possibilidades das ações humanas, de forma interdisciplinar, não excludente das inúmeras possibilidades (REED, 1999; LEAL, 2003).

Em busca de novas formas de compreensão da vida organizacional, tentando superar a tese do dogma da incomensurabilidade paradigmática, do relativismo epistemológico e em favor de um diálogo entre diferentes posições paradigmáticas (REED, 1999), pesquisadores interessados em DO, como posto nas seções anteriores, vêm se apropriando do conceito de IA, associado originalmente ao campo da psicologia positiva, aplicada à compreensão dos fenômenos organizacionais. Vale ressaltar que, na última década os estudos na área de comportamento organizacional vêm enfatizando uma perspectiva mais cognitiva (TENBRUSSEL et al., 2004), e de sorte a compreender o processo de produção de significados, signos e valores sociais, ou seja aquilo que dá sentido (PEIRCE, 1977).

Desde as pesquisas realizadas pelo Instituto Tavistock, de Londres, na década de 1960, foram disseminadas as ideias e conhecimentos acerca da psicanálise e da psicodinâmica organizacional. O argumento principal dos pesquisadores dessa corrente de pensamento indica a tendência das organizações atuais, voltada para a busca por uma maior espontaneidade e humanização do ambiente de trabalho. Para Crozier apud Motta e Vasconcelos (2006), a mudança organizacional pode ser entendida não como um modelo mais racional, haja vista que todas as racionalidades são válidas, mas como um processo de criação coletiva em que os membros de uma coletividade criam e estabelecem novas maneiras de cooperação e de intermediação de conflito, negociando interesses e instaurando uma nova estrutura e ordem social (MOTTA; VASCONCELOS, 2006).

Outros estudos na área de sociologia também contribuíram para um novo olhar sobre os estudos organizacionais como o conceito de estética (STRATI, 2004; LEAL, 2003). A estética organizacional tem sido estudada com o objetivo de propor uma nova percepção para apreensão e compreensão dos fenômenos organizacionais. Inclui o pensamento visual, um registro mais criativo, imaginativo, inventivo e perspicaz (WOOD JR, 2009). Além desses aspectos, a exploração da dimensão estética nas organizações, por meio de sua lente da sensibilidade e da emoção, pode revelar facetas não percebidas por métodos científicos comuns às correntes dominantes (WOOD JR, 2009). Sobre as possibilidades advindas da estética e suas contribuições para a análise organizacional:

Importa vislumbrar que por meio da estética, torna-se possível integrar ao olhar organizacional, uma dimensão de compreensão que permite considerar, enquanto possibilidade o até então denominado de ilógico, irracional, emocional, intuitivo e

sentimental. Ou seja, a dimensão estética permite considerar ações e escolhas organizacionais tidas como incompreensíveis ou irracionais, como possíveis, a partir de uma outra referência ou análise” (LEAL, 2003, p. 15).

A estética apreciativa, como estratégia de análise, conjuga em sua essência a percepção da beleza e dos valores artísticos que existem na organização. Esta percepção do belo, por sua vez contribui para analisar as manifestações dos indivíduos e grupos na organização, por meio da valorização dos sentimentos e das emoções humanas, e em como estas são condicionadas e condicionam as ações nas organizações (COOPERRIDER; WHITNEY; STAVROS, 2009).

A estética apreciativa nos estudos organizacionais pode ser entendida como uma metáfora epistemológica (STRATI, 2004), uma forma de apreensão da realidade sob um novo olhar sobre o mundo real, imerso em formas e sentimentos (WOOD JR, 2001). Os estudos que abordam a questão estética buscam a faculdade de avaliar o que é prazeroso ou o que é adequado ao nosso gosto ou ainda o que envolve a esfera social da ciência à ética e estética organizacional. (STRATI, 2004).

Ao que parece, as organizações possuem uma dimensão estética de sorte que a exploração pelas lentes da sensibilidade e da emoção pode revelar facetas não percebidas por métodos científicos comuns às correntes dominantes (WOOD JR, 2009). A construção de teorias, inclusive, as de administração, baseia-se em premissas sobre a realidade, seus valores e formas de condução na construção. Sendo assim, as teorias, de um modo geral, se fundamentam em paradigmas.

A IA pode ser entendida também como parte da “ciência revolucionária” na qual a organização é um mistério a ser aceito (COOPERRIDER; WHITNEY; STAVROS, 2009). A IA busca uma alternativa, por meio de uma mudança paradigmática em relação à visão da resolução de problemas, própria da “ciência normal” (KUHN, 1989). Nesse construto da tese, então, a organização passa a ser vista como um mistério a ser aceito em contraponto à visão tradicional de solução de problemas (COOPERRIDER; WHITNEY; STAVROS, 2009). “Na ciência revolucionária, os pressupostos comuns sobre o objeto de estudo, os modelos de interpretação e o próprio conhecimento estão expostos a crítica e reavaliação contínuas” (SILVEIRA, 2013, p. 28). Não é simplesmente uma racionalização em prol de um consenso paradigmático, ao contrário, o discurso é apreciativo e sensível, para trazer reflexividade aos estudos organizacionais (GOULDNER, 1971 apud REED, 1999).

Muito se fala sobre paradigma. Tal conceito foi desenvolvido por Thomas Kuhn, com o objetivo de analisar a evolução das ciências. Kuhn (1989) entendia a evolução como a

sequência de períodos em que havia uma continuidade e outros períodos de descontinuidade em relação ao conhecimento “tido como certo”. Os momentos de descontinuidade traziam o novo conjunto de conceitos, métodos e teorias, divergentes dos anteriores, e que se tornavam uma verdadeira revolução na maneira de entender a realidade. Dessa maneira, as revoluções científicas sob a lente Kuhniana passam a acontecer quando há alteração das premissas ou paradigmas. Sobre a ciência e o processo de mudança paradigmática, nota-se que:

Em estudos de antropólogos e sociólogos como D. Bloor, B. Barnes, H. Collins, T. Pinch, B. Latour, S. Woolgar, K. Knorr-Cetina, e muitos outros, a natureza histórica e circunstancial do que fazem os cientistas, inclusive em nível de microrrelações nos "laboratórios", é afirmada como a caracterização mais sustentável do que seja "ciência". Eles trabalharam paralelamente ou foram secundados por autores hoje consagrados, mais fiéis à grande tradição sociológica, como Pierre Bourdieu, ou histórico-filosófica, como Michel Foucault. Não há coincidência entre seus pontos de vista, inclusive em relação a Kuhn (HOCHMAN, 1998), mas deslocaram definitivamente o eixo de interesse da pesquisa sobre a ciência. Assim, o conceito de ciência passou a incorporar uma conotação mais sociológica do que epistemológica (em termos do tratamento racionalizante anterior). Quando se fala de Administração como ciência, é hoje mais seguro pensar nas instituições acadêmicas que promovem profissionalmente a pesquisa nessa área, constituindo um "campo científico" (BOURDIEU, 1983), uma tradição incipiente, do que em alguma coisa confusa e discutível sobre o status epistemológico do que produzem aqueles pesquisadores (MATTOS, 2009, p.358).

Para Kuhn (1989), não é o método que gera o paradigma, é a prática social do paradigma que gera o método, como construção racional e operacional dele (grifos

meus). Sendo assim, considera-se mudança paradigmática revolucionária, aquela que altera um conjunto relativamente consistente e aceito de premissas, acerca da qual se diz que:

As ciências da sociedade, incluindo a administração, ainda convivem com grandes controvérsias sobre suas bases filosóficas focos de estudos, metodologias e, sobretudo, sobre sua própria; existência como ciência. O tema da inovação parece privilegiado para se compreender o impacto das controvérsias filosóficas e metodológicas em administração. Uma proposta de mudança jamais escapa de perguntas sobre os valores da boa gestão e sobre as formas de alcançá-la. Assim, a reflexão epistemológica surge como fundamental para estimular a consciência crítica sobre modelos de inovação administrativa. Por meio da análise das contendas filosóficas, pretende-se identificar convergências e divergências paradigmáticas na mudança organizacional, sobretudo aquelas inspiradas em fundamentos ontológicos e epistemológicos, ou seja, as formas de se construir o conhecimento e de se ver a realidade. Objetiva-se compreender melhor a natureza das controvérsias e contestar e propor modelos de intervenção organizacional (MOTTA, 1997, p. 40).

Sobre as controvérsias filosóficas e metodológicas acerca das temáticas estudadas no campo das ciências administrativas, vale ressaltar que autores como Gergen (1994) e Gergen

et al (1996) apontam para uma possibilidade de ponte entre a abordagem modernista e a pós-

pureza do conhecimento e nas grandes narrativas, todas estas questões serviram de embasamento para a emergência de um novo paradigma, uma possibilidade positiva. Uma alternativa foi apontada por Gergen et al (1996), que propõe um critério generativo para avaliação de teorias. Para esse autor, teorias devem ser avaliadas em termos dos desafios

que são capazes de gerar ao conhecimento estabelecido e, simultaneamente, pela capacidade de abrir novas possibilidades de ação nas organizações (grifos meus)

(COSTA; CAMPOS, 2003).

Marsden e Townley (in CLEGG et al., 1999, p. 31) afirmam que “a prática é um constructo teórico e a teorização é, em si mesma, uma prática”. Mas, então, surge o seguinte questionamento: qual seria a relação entre a teoria desenvolvida pelos acadêmicos e a prática daqueles que atuam diariamente dentro das organizações? Alguns esclarecimentos sobre esta questão são necessários em relação à “ciência da administração”:

porque administração é essencialmente isso, no ambiente de relações criado pela organização - e a narrativa metalinguística a ela referida. Parece que tal reflexividade é particularmente difícil, no caso. Contudo, desde que se renuncie a resposta normativa ("o que é") e a termos denotativos, é possível esclarecer melhor esta pergunta. Ela é feita porque o saber deu as costas à prática. Não é capaz de reconhecer-se nela e por isso tem dificuldade de "falar" sobre ela. Pois em nossa cultura ocidental os saberes tiveram, em seu berço grego, uma fragmentação desorientadora quando deixaram a unidade da Sophia pré-socrática pela análise de Platão e Aristóteles. E isso tornou-se um limite, um "obstáculo epistemológico" (BACHELARD, 1996, p. 17). De modo que é sugestivo - não se vai além da sugestão - retomar daquele ponto a questão do saber administrativo, que é individual e organizacional, solidamente preso ao singular e intuitivamente recorrente a formulações gerais para orientá-lo. Seguindo Koike e Mattos (2001), a tríplice referência téchnê, epistême, e phrónesis é capaz de inspirar uma reintegração do saber-construir (ou pôr [sic] a funcionar) com o saber conceitual, por meio do

saber "prudente", que não perde o sentido do real e do viável, e ao qual não escapa o senso político, no relacionamento humano e organizacional (grifos

meus) (MATTOS, 2009, p. 358).

Como dito por Mattos (2009), é preciso reintegrar e melhor articular o conhecimento técnico, prático e o emancipatório (HABERMAS, 2003) para gerar o saber prudente, o conhecimento reflexivo. Não há como dissociar os aspectos políticos e de relacionamento humanos, quando se fala em produção do conhecimento nas organizações. Essa prudência reflexiva é necessária para o avanço das ciências administrativas e pode ser conduzida por meio do equilíbrio na produção de conhecimento significativo aos indivíduos e grupos em seus ambientes de trabalho. Reforça-se que, para isso, não se pode ser nem antiteórico, nem ateórico. Além disso, o reconhecimento dos indivíduos como responsáveis exige tomá-los a sério como agentes que podem e devem ter voz na validação de normas e leis às quais eles próprios estão sujeitos, constituindo uma democracia deliberativa na organização em que

seriam validadas as normas de ação, considerando que os possíveis atingidos poderiam consentir como participantes de discursos racionais (HABERMAS, 2003).

Fato é que existem diversas e diferentes práticas organizacionais. De acordo com Machado-da-Silva et al (2005), não é segredo que o corpo de pesquisas sobre as organizações é multiparadigmático. Nesse sentido, Motta (1997) afirma que houve mudança no foco da Teoria Organizacional (TO), que antes visava ao gerenciamento do trabalho e, recentemente, vem sendo estendida para incorporar questões relacionadas com a emoção e o tempo, por exemplo.

Com isso, a prática da espiritualidade no ambiente de trabalho aparece como uma dimensão humanizadora que impulsiona o afloramento das qualidades organizacionais (BARRETO, 2012) como o “amor, compaixão, paciência, tolerância, capacidade de perdoar contentamento, responsabilidade e harmonia” (DALAI LAMA, 2000, p. 28). A espiritualidade constitui parte integrante dessa discussão desenvolvida por Motta (1997), posto que apela à transcendência quando se trata de fazer uma meta-análise, como é o caso da IA, cujo compromisso ideológico no campo organizacional é assunto da próxima seção.

2.4.4 A IA vista como um novo compromisso ideológico no campo