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1 O JOVEM HEIDEGGER E O CURSO INTRODUÇÃO À FENOMENOLOGIA DA

4.5 AMBITIO SAECULI – A SOBERBA DA VIDA

A soberba da vida, ou seja, a terceira forma de tentação na qual nos fala Agostinho, é representada pelo orgulho, a tentação do louvor e a vanglória. Heidegger a compara com as duas formas de tentação anteriores, a saber, a concupiscência da carne e a concupiscência dos olhos.

Nas duas primeiras formas de tentação, segundo Heidegger, o que determina a situação é: a) o agir conforme aquilo que ao corpo agrada e b) o curioso olhar

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Como no exemplo já citado: como é possível que alguém queira ver um cadáver? Que prazer há nisso? No entanto, Agostinho bem observa o fato do ser humano, quando envolvido no laço da curiosidade, experimentar até o que desagrada em busca de a tudo conhecer.

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Cf. HEIDEGGER, 2010, p. 279

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Santo Agostinho em sua obra intitulada A trindade deixa claro que a diferença entre o homem e o animal é que este vive, em sua posição do corpo, voltado para o chão. Em contrapartida, o homem vive ereto, pois essa é sua direção já indicada pelo próprio corpo: o olhar para as alturas. Não poderiam se diferenciar pela memória, pois os animais retornam aos seus ninhos por meio desta. Assim, Agostinho entende ser a direção do homem o caminho que leva a Deus, pois até em sua posição do corpo, isso já está indicado.

lançado ao mundo que se realiza no simples ver. Tais situações estão “essencialmente pertencente ao mundo circundante e não ao si-mesmo.” (HEIDEGGER, 2010, p. 212).

Eis aqui uma grande questão para Agostinho: enquanto as concupiscências da carne e dos olhos se dirigem ao mundo, ou seja, em ambos os casos, falamos “esta ou aquela pessoa, nesta ou naquela situação.” (HEIDEGGER, 2010, p. 212), a ambitio saeculi coloca o peso sobre o si-mesmo, “é ele quem está explicitamente em jogo.” (HEIDEGGER, 2010, p. 213)

O problema para Agostinho se apresenta na medida em que, diferente da objetualidade do agir e do olhar o mundo, como nas duas formas de tentação anteriores, a soberba da vida revela o peso que se encontra no próprio homem. Diferente do agir e do ver, agora Agostinho se questiona sobre a possibilidade de abandonar essa terceira forma de tentação, pois todos os homens querem ser amados e temidos.

Eis o sentido da existência do próprio homem, pois “o ser-ai, o si-mesmo, o ser efetivo da vida, é um ser absorvido, um derramar-se e um dissolver-se.” (HEIDEGGER, 2010, p. 213). Como se livrar desse mal que acontece no homem, no seu experimentar fáctico?

4.5.1 O orgulho – Timeri velle e amari velle

Como acontece a ambitio saeculi? A terceira forma de tentação se desdobra no homem à medida que deseja ser temido e amado por todos. Essa vontade – velle – nasce “[...] num colocar em obra a vida conscientemente de um modo tal que seja temido ou, respectivamente, amado pelos outros.” (HEIDEGGER, 2010, p. 214).

É preciso retornar a concupiscentia oculorum, pois nela o homem obtém o desejo de conhecer não para louvar a Deus, mas para ser temido e amado por outros. Na curiosidade, na busca pela descoberta dos segredos da natureza, o homem cai na importância de si mesmo em detrimento dos outros. “Nesse velle vê-se o próprio

experimentar nos olhos, nas pretensões, nos juízos, no gosto e, respectivamente, no desgosto, no caráter titubeante e na tolice dos outros.” (HEIDEGGER, 2010, p. 214).

No timere velle, o homem exalta a si mesmo, quer ser temido, esquecendo-se da vida de outros. No amare velle, o homem atribui a si mesmo a condição de valioso em relação aos demais. Em ambos os casos, essa vontade corrói o homem naquilo que desejam “ser amados e temidos não por amor de Vós, mas em vez de Vós.” (AGOSTINHO, 2006, p. 257). Para Heidegger, essa aspiração retrata “uma certa veemência interna da existência, mas também e em geral, de uma motivação da vida a uma debilidade covarde e a uma insegurança [...]” (HEIDEGGER, 2010, p. 215).

Assim surge o desejo da honra, da vanglória, da vingança, ou seja, aqui o homem perde a si mesmo segundo Agostinho. Mas, a interpretação de Heidegger encaminha nosso pensamento para a possibilidade de ser a “queda” a realização da facticidade, onde a moléstia torna-se uma possibilidade da própria vida, pois “todos os dias nos vemos investidos por estas tentações.” (AGOSTINHO, 2006, p. 258)

4.5.2 A tentação do louvor – Amor laudis

“O querer colocar-se em situação de autoridade” é para Heidegger uma motivação que nasce de um “tomar a si mesmo como importante.” (HEIDEGGER, 2010, p. 217). O desejo de receber louvores revela um mendigar a atenção de outros onde, mais uma vez, é levado o homem pela insegurança.

Agostinho não condena o louvor quando direcionado a Deus. Ainda que o homem seja louvado por amor a Ele, como a vontade humana pode cair, é melhor que o homem não receba tais louvores. Assim pedindo: “Afastai, Senhor, para longe de mim esta loucura, para que as minhas palavras não sejam azeite de pecador ungindo a minha cabeça.” (AGOSTINHO, 2006, p. 260)

Heidegger, no entanto, observa esse “tomar a si mesmo como importante” como uma agitação da vida que revela também a dimensão da cura, “uma cura por agradar.” (HEIDEGGER, 2010, p. 218).

A relação com o outro faz com que o homem pronuncie elogios. Mas, Santo Agostinho não condenava tal atitude. De fato, o que ele reprovava não era o louvor em si, mas todo o louvor que fosse incompatível com Deus. Porque o louvor recebido, quando verdadeiro, deve ser compreendido como donum Dei (Heidegger, 2010, p. 226). O que nos leva a outro conceito: iustitia, que é concebida na gratia Dei. Porém, o que santo Agostinho reforça é que, sendo a vida do homem uma tentação contínua é melhor que ele louve a Deus, ao invés de ser louvado, para que não caia em vanglória.

As palavras, porém, que saem da boca, e as obras que se tornam conhecidas aos homens encerram uma tentação muitíssimo perigosa, por causa do desejo de ser louvado, o qual concentra os votos que mendiga numa espécie de enaltecimento pessoal: tenta-me, e quando por mim, em mim, é denunciada, pelo mesmo facto de ser denunciada e, muitas vezes, pelo mesmo desprezo da vanglória, gloria-se vãmente, e, por isso, já se não gloria do próprio desprezo da glória: com efeito, não a despreza, quando se gloria. (AGOSTINHO, 2006, p. 258)

Louvar no sentido de iustitia Dei, possibilita reconhecer a Deus seja louvando ou recebendo o louvor. O que significa não invalidar a possibilidade de ser louvado, mas também não significa amar aos louvores. É, antes de tudo, acontecer na busca pela verdade, o que Heidegger aponta não como fuga, mas um mergulho no mundo.

“Iustitia Dei é o estar dirigido para algo em sentido verdadeiramente originário.” (HEIDEGGER, 2010, p. 223). O homem assume sua existência, efetivando sua entrega a Deus através do cumprimento da continência, único meio “da superação na experiência da tentatio, de deter a queda [...]” (HEIDEGGER, 2010, p. 223). Queda, vista por Agostinho como um perder a si mesmo, mas que Heidegger viu como realização e possibilidade da própria facticidade, onde ao homem cabe a decisão pela beata vita.