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Ameaças à Cultura

No documento MAJ Paulo Ramos (páginas 50-53)

Vejamos agora a ameaça que identificámos como de Anti-Estratégia Cultural Interna. Esta ameaça não explora as vulnerabilidades culturais mas tenta criá-las (não entra pela porta mas pretende abri-la), actuando directamente sobre os valores culturais do Estado. Esta é a ameaça das

Estratégia e Cultura

"Influências Culturais Externas". Esta "ameaça estratégica pesa sobre um dos bens mais preciosos

da humanidade: o direito dos indivíduos a uma identidade cultural diferenciada"65.

Esta ameaça, tanto pode ser originada pelo efeito secundário de uma outra actividade (não intencionalmente dirigida à Cultura) ou por uma Estratégia Cultural propositada, de um outro Estado. Esta última situação será caracterizada quando falarmos de Estratégia Cultural Externa. Agora, vamos falar das opções da Estratégia Cultural Interna, para fazer face a esta ameaça - intencional ou não.

Esta ameaça, faz-se sentir pela contacto de conteúdos culturais estranhos com a população. "A

mundialização cultural ameaça o equilíbrio. As pessoas normais são bombardeadas com sinais vindos de todos os sentidos. O bom senso levá-las-à a não ter em conta alguns desses sinais e a traduzir outros para o dia-a-dia da sua vida local. Existe, todavia um real potencial de desmembramento das identidades"66.

Estas influências culturais externas, numa época marcada pela globalização, fazem-se sentir de forma particularmente intensa. "Uma das consequências da mundialização foi fazer emergir

elites a ela ligadas, mas desligadas das suas sociedades de origem... Este desprendimento leva-os a tentar manipular as Culturas locais, incluindo a sua, a vergar-se àquelas que julgam ser as lógicas da mundialização e ainda a promover os seus interesses"67.

Estes conteúdos podem ser veiculados de diversas formas: pelas indústrias de Cultura (cinema, literatura, programas de televisão, música, etc.); por outras indústrias como a da alimentação, vestuário ou mobiliário; por organizações religiosas no seu esforço de divulgação da fé68; pelas comunidades de imigrantes ou pelas próprias instituições de divulgação cultural de países estrangeiros.

As indústrias de Cultura, como vimos no capítulo 2, têm um forte impacto cultural dada a sua capacidade de produção em massa e os potentes meios de divulgação de que dispõe, essenciais para se tornarem economicamente viáveis. Mais uma vez reforçamos a ideia, porque nos parece importante, de que nem todas estas actividades têm como sua principal actividade, a divulgação cultural. Por exemplo, os restaurantes chineses, mexicanos, italianos ou americanos estão orientados apenas para o lucro comercial, o que não significa que a sua actividade não tenha um impacto cultural. As indústrias de Cultura são indústrias de entretenimento orientadas para a conquista de mercado. No entanto, dado o potencial de que dispõem e se controladas pelo Estado, também

65 Jean Tardif, "Como governar o mundo?" in Le monde diplomatique, edição portuguesa, Abril 2000. 66 George Ross, Op Cit.

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44 podem ser utilizadas como meio de transmissão de conteúdos culturais. Este é o exemplo das televisões estatais ou do apoio financeiro à produção cultural. Já as organizações religiosas e as instituições culturais, têm uma nítida intenção de divulgação de valores. De qualquer das formas, intencional ou não, um Estado pode sempre considerar que estas influências culturais se constituem como uma ameaça.

Perante um cenário deste tipo, um Estado pode tomar duas atitudes, no âmbito da Estratégia Cultural:

Reforçar os valores culturais nacionais, de forma idêntica ao que é feito para as outras ameaças, no sentido de garantir uma solidez cultural. Esta solidez permite reduzir a eficácia da influência externa, acabando esses conteúdos culturais por ser rejeitados ou absorvidos, sem descaracterizar a Cultura nacional. No entanto, esta opção tem a particularidade de ser morosa, não responder às rápidas variações (aumentos) dos fluxos culturais e tem um limite em termos de resistência às influências. Para os Estados com uma fraca Identidade cultural ou sujeitos a um grande volume de influências - fruto da globalização - têm que ser tomadas outras opções.

Essa opção é o controlo dos fluxos culturais. Este controlo, pode ser mais ou menos apertado, podendo chegar ao ponto de negar qualquer entrada de características culturais estrangeiras. O seu objectivo é estabelecer um ponto de equilíbrio, entre os efeitos da influência externa e a capacidade de absorção interna, de forma a que não exista perda de identidade nacional.

"Para já, em jeito de resposta, assiste-se a um renovar do populismo nos

países desenvolvidos, que se reveste de formas variadas: nacionalismo, racismo, hiper-proteccionismo"69.

Este controlo pode ser feito a nível internacional, por acordo mútuo, como acontece relativamente ao controlo dos produtos comerciais.

"Ao contrário daqueles que gostariam de reduzir as trocas culturais a uma

dimensão comercial, a batalha pelas identidades reveste-se de uma grande importância. Os bens culturais necessitam de um regime específico de trocas comerciais, fora da alçada da Organização Mundial de Comércio (OMC), adaptado aos imperativos da soberania cultural. Assim, ao lado do sistema elaborado ao longo dos últimos 40 anos para as trocas de bens e

68 Para além das religiões clássicas, devem também ser consideradas as múltiplas seitas que têm surgido nos últimos

tempos. Estas seitas têm uma forte influência na postura cultural da população, uma vez que se substituem à religião original.

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serviços, sob os auspícios de uma OMC, seria criado um regime distinto adaptado à especificidade das trocas culturais. Teria em conta tanto os princípios da multifuncionalidade, como a precaução, diversidade e reciprocidade... seria conveniente criar um Conselho de Segurança cultural Mundial ou Conselho cultural Mundial... e poderia ser elaborado um regime contratual da diversidade e das trocas culturais... poderiam contribuir para controlar um pouco a mundialização, introduzindo outras considerações além das mercantis, ao mesmo tempo que um inicio de controlo democrático e sociocultural"70.

Este controlo pode ainda ser feito por cada Estado individualmente, através da regulação de entradas ou de cotas de exibição. Por exemplo, a Suíça tentou fazer um controlo da imigração, por motivos culturais. "Na Suíça, foi submetida a plebiscito uma lei limitadora da entrada de

estrangeiros, com o fundamento de que o seu número ameaçava a manutenção da identidade nacional... A lei não foi aprovada"71. A aplicação de cotas de exibição, acontece na maioria dos países, relativamente à rádio, televisão, cinema, etc. "Os canadianos consideram ser suficiente ter

60% dos livros, 75% da música difundida, 80% das revistas e 96% dos filmes vindos do estrangeiro, sobretudo quando a parte de leão dessas importações cabe a um único pais (EUA), ele próprio pouco aberto às Culturas estrangeiras"72.

Por fim, temos as estratégias de isolamento cultural, como aconteceu na União Soviética durante o período da Guerra Fria e acontece em alguns países fundamentalistas, como o Afeganistão.

"Vivemos no tempo da politização das diferenças culturais como uma forma

extrema das tendências fundamentalistas. A consciência da sua Cultura transforma-se em trampolim dos antagonismos políticos, com a exacerbada busca individual da identidade, na qual os movimentos mais radicais levam a melhor"73.

No documento MAJ Paulo Ramos (páginas 50-53)