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Instrumentos de Acção Estratégica

No documento MAJ Paulo Ramos (páginas 67-71)

Tal como foi feito para a Estratégia Cultural Interna, vamos terminar este capítulo referindo os instrumentos que a acção estratégica pode utilizar para fazer face às ameaças e atingir os objectivos estratégicos. Muitos destes instrumentos, utilizados pela Estratégia para transmitir conteúdos culturais, são idênticos aos utilizados na Estratégia Cultural Interna. No entanto, são utilizados de forma diferenciada. Existem ainda alguns instrumentos que são exclusivos desta Estratégia.

Antes de iniciar a sua descrição, seria útil esclarecer qual o tipo de entidades que pode utilizar estes instrumentos. Os instrumentos de acção estratégica podem ser utilizados por três tipos de entidades. Tratando-se de uma Estratégia do Estado, este actua directamente através da sua estrutura governativa. No entanto, o Estado pode-se apoiar em instituições públicas e privadas para o fazer. Como exemplo de instituições públicas temos algumas estações de televisão, universidades ou institutos de divulgação cultural. Como instituições privadas podemos considerar todas as relacionadas com as indústrias de Cultura ou fundações, apoiadas ou não pelo Estado.

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60 Comecemos então pelo instrumento mais poderoso na divulgação conteúdos culturais: as indústrias de Cultura. Produzindo e exportando em massa, mesmo com conteúdos culturais residuais ou não intencionais, este instrumento tem um forte poder de divulgação e influência. Divulgação, de valores e de uma imagem de prestígio do emissor. Influência, na forma de pensar e agir do receptor. As exportações da indústria de Cultura: cinema, programas de televisão, literatura, e conteúdos na Internet, são uma fonte de soft power101. Particularmente "atingidos" por estes meios, são as camadas mais jovens (desde tenra idade) que no seu processo de crescimento e amadurecimento absorvem toda a informação e modelos de comportamento. Mas estes meios, também têm um forte impacto nas "mentes formadas", principalmente porque veiculam produtos de entretenimento e, por isso, extremamente atractivos.

"Apoiando-se no poder da informação e das tecnologias, os Estados Unidos

estabelecem aquilo a que poderíamos chamar de uma opressão afável, ou um delicioso despotismo. Sobretudo quando este poder se desdobra num controlo das indústrias culturais e num domínio do nosso imaginário... inunda o Mundo com as produções de Hollywood e com telefilmes, desenhos animados, video-clips, bandas desenhadas, etc"102.

Uma característica importante deste instrumento é que, apesar de necessitar do apoio inicial do Estado, como acontece em muitos países, tem objectivos comerciais e pode tornar-se economicamente lucrativo. Ou seja, esta actividade pode tornar-se auto-suficiente, sustentando-se a si própria. Mesmo em termos de utilização de conteúdos culturais, estes não necessitam de ser "encomendados", uma vez que são a sua matéria prima natural. Este instrumento tem aumentado significativamente o seu poder com o surgimento dos canais televisivos emitidos por satélite e mais recentemente com a popularização da Internet.

Para além das indústrias de Cultura, outros produtos comerciais como a alimentação, o vestuário, o mobiliário ou o brinquedo podem-se constituir como instrumento de divulgação de conteúdos culturais. Um brinquedo desenhado na Europa pode não ter qualquer impacto cultural no Brasil ou nos EUA, mas o mesmo já não acontece no Médio Oriente ou em África. Para além dos produtos, toda a actividade envolvente destinada a proporcionar esse comércio, tem forte impacto nos hábitos da população, como exemplificado anteriormente103. A própria publicidade está "carregada" de mensagens culturais. O marketing dos produtos americanos é flagrante neste tipo de utilização de mensagens culturais. É o comercio do American way of life. "O marketing é de tal

101 Joseph Nye, Op Cit.

102 Ignacio Ramonet, "Um delicioso despotismo" in Le Monde Diplomatique, Edição portuguesa, Mai 2001, p.04 103 Ver citação identificada pela nota 47.

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forma sofisticado que aspira a vender, já não uma marca, mas uma identidade, não um sinal social, mas uma personalidade"104

Outro instrumento de divulgação e intercâmbio cultural é o ensino. Vimos que este era um instrumento importante na Estratégia Cultural Interna. Neste caso, o ensino é dirigido no sentido de proporcionar formação a estudantes estrangeiros. Um estudante que se forma num país estrangeiro transporta consigo, para toda a vida, os padrões culturais desse país. De regresso à terra natal, essa referência vai ter influência no tecido social, sendo tanto maior quanto mais elevada for a sua posição social. Os EUA utilizam esta ferramenta em massa, em todas as áreas de actividade profissional (inclusive militar). "A capacidade de atracção das universidades americanas, que

recebe anualmente meio milhão de estudantes estrangeiros é uma outra fonte de soft power. A maioria fica com uma ideia mais realista e positiva dos EUA do que poderiam obter no seu país natal. Por exemplo, na altura em que a propaganda do governo Chinês condenava os EUA, um ex- estudante deste país publicava um livro, largamente difundido em Pequim, descrevendo os EUA de forma positiva"105. Portugal utiliza igualmente este instrumento, relativamente aos cidadãos dos PALOP, tanto ao nível do ensino universitário como do ensino básico e secundário.

As comunidades de emigrantes têm igualmente grande importância como forma de veicular valores culturais. Todos nós reconhecemos a influência das comunidades chinesas, italianas ou portuguesas no intercâmbio cultural diário que se verifica em vários países do Mundo. A constituição de comunidades de emigrantes é uma forma natural de fazer face à hostilidade de um ambiente cultural estranho. Pretendem assim, continuar a viver segundo os seus hábitos culturais, "sofrendo" no entanto uma progressiva influência do meio envolvente. No entanto, estas comunidades acabam também por influenciar culturalmente o ambiente em que estão inseridas, transmitindo uma imagem do seu país de origem. O papel do Estado de origem é determinante para a preservação da sua Cultura, e para a manutenção da sua influência durante o maior número de gerações. "Os nossos compatriotas que vivem no estrangeiro, mais do que agentes económicos, são

importantes agentes culturais, quer em relação às comunidades portuguesas que integram, quer em relação às sociedades de acolhimento... sabemos que é importante o papel dos portugueses na vida política de países como os EUA, a Venezuela, e a África do Sul, para não falar do Brasil. Quer como cidadãos desses Estados, quer como grupos de pressão, é iniludível a sua influência"106.

Outro instrumento utilizado pelo Estado, são as instituições de divulgação cultural. Estas instituições - Institutos ou Centros de Cultura - podem estar sediadas no país de origem e

104 Ignacio Ramonet, "Um delicioso despotismo" in Le Monde Diplomatique, Edição portuguesa, Mai 2001, p.04 105 Joseph Nye, Op Cit.

106 Correia de Jesus, Manuel Filipe, "Comunidades portuguesas - um novo enfoque" in Nação e Defesa nº46, IDN,

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62 desenvolver uma acção internacional de divulgação cultural. Podem ainda, estar radicadas permanentemente num país estrangeiro e, normalmente, associadas a comunidades de emigrantes e à preservação da sua Cultura. Uma das actividades mais comuns destas instituições é o ensino da língua. A língua, como vimos, é um elemento de Cultura que pode ser veiculado por qualquer instrumento. O British Council, a Aliance Francaise, o Instituto Cervantes ou o Instituto Camões, são exemplos de instituições de divulgação cultural, apoiadas pelos respectivos Estados, cuja actividade essencial é o ensino da língua. Outro tipo de actividades destas instituições é a divulgação de produtos culturais (literatura, teatro, etc), comemoração de efemérides relacionadas com os dois países ou mesmo a divulgação de Cultura popular e festividades próprias.

As organizações religiosas, pela divulgação de valores associados ao seu culto, têm também um papel influente no intercâmbio cultural ou relacionamento político. A religião católica teve o seu auge de evangelização durante o período colonial, divulgando a língua e os costumes ocidentais. A expansão portuguesa foi feita segundo a ideologia da evangelização de Culturas107. Ainda hoje desenvolve uma intensa actividade na América do Sul e em África. Neste continente, as instituições religiosas, associadas aos Estados de origem, têm desenvolvido a sua acção no sentido do restabelecimento da paz, através da defesa de valores universais, contribuindo assim para o incremento do grau de confiança e aproximação entre os Estados. Veja-se o contributo da Comunidade de Santo Egídio para a influência que Itália passou a ter em Moçambique. Se tivermos em consideração sociedades, em que a religião tem um papel mais determinante, quase se substituindo ao Estado, como acontece com a religião Islâmica, então maior é o seu papel e a sua influência. A forte ligação entre a maioria dos Estados árabes deve-se essencialmente ao facto de serem islâmicos.

Para além dos instrumentos referidos, mais ou menos orientados pelo Estado, este pode também constituir-se em instrumento de acção estratégica. Existem acções que são executadas directamente através da acção política do Estado, ou seja, através do seu poder executivo. A componente do Estado melhor adaptada a esta acção cultural externa, é a actividade diplomática. São disso exemplo os acordos e protocolos entre Estados, no sentido da preservação das suas características culturais. Esta acção pode ser tomada por acordo bilateral ou apoiando-se em organizações internacionais que defendam a diversidade cultural, como é o caso da UNESCO. Por exemplo, Portugal tem vindo a diligenciar junto de alguns países, no sentido de incluir nos respectivos sistemas educativos, o ensino do português, tendo tido algum êxito junto da Alemanha, França, Espanha e Canadá.

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CAP 8 - CARACTERI ZAÇÃO E SI STEMATI ZAÇÃO

No documento MAJ Paulo Ramos (páginas 67-71)