• Nenhum resultado encontrado

ESTRATÉGI A CULTURAL ESTRATÉGI A DE PAZ

No documento MAJ Paulo Ramos (páginas 78-85)

No início deste trabalho propusemo-nos determinar de que forma as características culturais influenciam e integram a estratégia total do Estado. Desta forma, pretendíamos caracterizar uma realidade observada no campo das Relações Internacionais.

Durante a investigação, o objecto de estudo evoluiu da simples influência dos factores culturais para a sua constituição como uma forma de Estratégia. Durante a análise desta Estratégia Cultural, procurámos provar da sua necessidade, possibilidade e existência real. No fim, chegámos às seguintes conclusões:

No actual Sistema Internacional, o Estado tem necessidade de encontrar novas formas de poder e novos métodos para atingir os seus objectivos estratégicos.

Com a evolução do Sistema Internacional assistiu-se à transformação das fontes de poder e a sua transferência entre actores. A globalização levou ao desenvolvimento do poder económico mas simultaneamente à sua transferência do Estado para empresas privadas e transnacionais. Com o aumento da interdependência, o Estado transferiu parte do seu poder político para organizações regionais ou internacionais. A crescente democratização dos Estados e as capacidades dos meios de comunicação, levaram a um aumento do poder da opinião pública. O fim da confrontação Leste- Oeste, associado à pressão da economia e da opinião pública levaram a uma redução do poder militar do Estado. Ou seja, o Estado vê reduzido o seu poder e a liberdade de acção para o empregar.

Nesta época marcada pela globalização, o Sistema Internacional é mais aberto e o espaço de interesse do Estado ganha maior dimensão. Em consequência, aumenta o número de ameaças e transformam-se as suas características. A maioria das actuais ameaças ao Estado caracterizam-se por serem transnacionais, multidisciplinares, imprevisíveis, desterritorializadas, imateriais, de pequena intensidade e dirigidas ao progresso e bem-estar. Ou seja, as estratégias coercivas do Estado perdem eficácia perante este tipo de ameaças.

Perante este cenário, o Estado vê-se na necessidade de encontrar novas formas de poder e novos métodos para atingir os seus objectivos estratégicos.

Estratégia e Cultura

Uma alternativa às estratégias coercivas, pode ser uma Estratégia Cultural preventiva. Uma das medidas a adoptar pelo Estado é a de privilegiar o tipo de estratégia preventiva e de preparação, reduzindo assim os riscos e diminuindo a possibilidade de a ameaça se vir a revelar. A segunda medida é a de substituir o poder da força pelo "poder do comportamento". Esta medida não apresenta uma inovação significativa, mas sim um aumento da sua importância, em relação aos métodos coercivos. Durante a Guerra Fria assistiu-se, de ambas as partes, a uma luta ideológica pela "conquista das almas". As ideologias perderam significado, mas outros valores, orientadores dos comportamentos, continuam a existir.

Esta medida enquadra-se numa acção mais ampla, de adaptação à sociedade internacional, do modelo da sociedade nacional. Esta sociedade, caracteriza-se por possuir um poder legislativo, judicial e policial, que garantem a ordem e que "a força do direito impere sobre o direito da força". Na sociedade nacional, as relações de cooperação e de acomodação sobrepõem-se às de conflito. O Sistema Internacional tem vindo a evoluir neste sentido, existindo já um poder legislativo e judicial relativamente respeitado. O poder "policial", apoiado em algumas organizações internacionais, está ainda muito dependente dos interesses dos estados.

Mas existe ainda uma outra característica da sociedade nacional, que a internacional tende a adoptar. A maioria das relações entre cidadãos - no trabalho, na escola ou em família - não são regidas pelo peso da lei, mas sim pelos valores sociais. O comportamento do indivíduo é condicionado pelo instinto (Id) e pelos valores adquiridos na sociedade (Ego). Este conjunto de ideias e costumes (forma de pensar, sentir e fazer), adquiridos pelo indivíduo no seio da sociedade e que condiciona o seu comportamento, é a Cultura.

No Sistema Internacional, as estratégias clássicas pretendem coagir o adversário a aceitar os nossos pontos de vista, através de uma exploração das possibilidades conferidas pela força. Estas estratégias apenas actuam sobre o Id. Na sociedade nacional, e em particular nas organizações, o comportamento quotidiano dos seus elementos é "incutido" pela sua cultura organizacional e pela liderança das chefias. Quanto mais fortes forem estas duas características menor é a necessidade de recorrer a factores coercivos (que não deixam de existir). Este é o modelo que o Sistema Internacional pretende adoptar, por forma a reduzir o ambiente conflitual.

Em vez de coagir o adversário a aceitar os nossos pontos de vista, é preferível persuadi-lo a concordar com os nossas ideias e valores ou orientar as actividades no sentido de condicionar as suas preferências. Deste modo, é possível evitar a utilização dos tradicionais e dispendiosos recursos económicos e militares. Isto é chamado de softpower. Sendo os valores de uma sociedade determinados pela sua Cultura, então, uma alternativa às estratégias coercivas clássicas pode ser uma Estratégia Cultural preventiva.

Estratégia e Cultura

72 A adopção de uma Estratégia Cultural é a solução para a prevenção de conflitos que têm

como origem a intolerância cultural.

A adopção de uma Estratégia Cultural preventiva toma uma importância redobrada, tendo em conta que as diferenças culturais entre povos são uma das fontes de conflitos mais frequentes. O contacto entre povos, em que os códigos culturais não são mutuamente entendidos, provoca sentimentos de receio e insegurança. Perante o desconhecido, a outra Cultura pode ser entendida como uma ameaça, daqui resultando comportamentos de intolerância.

Esta realidade é empolada pela inevitabilidade da globalização e pelo ritmo acelerado que impõe às relações entre povos. A facilidade de transportes e comunicações leva à expansão sucessiva dos interesses, colocando em contacto intensivo e frequente Culturas até então desconhecidas. Esta convergência acelerada (choque) provoca rejeições e reacções de identificação. Não é apenas a distância cultural que está na origem dos conflitos mas sim a sua aproximação forçada e brusca. No choque de Culturas, a causa evitável dos conflitos não são as Culturas, mas sim o choque.

Perante este cenário, torna-se necessário prevenir este tipo de reacções de intolerância e conflito. Se a causa da reacção é o desconhecimento dos códigos culturais, então a melhor forma de anular o sentimento de insegurança é dar a conhecer mutuamente as suas formas de pensar, sentir e fazer. Isto é feito através de um intercâmbio cultural. Podemos considerar esta acção como parte de uma Estratégia Cultural preventiva, dado que utiliza meios culturais e visa anular possíveis ameaças, por forma a atingir os objectivos estratégicos.

Existe uma Estratégia Cultural Interna

Esta Estratégia actua no interior do Estado, sobre os seus cidadãos e sobre as influências Culturais externas. Sobre os cidadãos, no sentido de desenvolver as características Culturais nacionais. Sobre as influências Culturais externas, no sentido de reduzir os seus efeitos sobre a Cultura nacional.

O desenvolvimento dos valores de Coesão Nacional e de Identidade Nacional, é determinante para fazer face às ameaças à integridade do Estado e à independência nacional, respectivamente. Estes valores, estão directamente associados à Cultura de um povo. Deste modo, criando e desenvolvendo uma Cultura própria, o Estado aumenta as suas potencialidades e reduz as suas vulnerabilidades, relativamente àqueles valores. Esta Estratégia Cultural Interna, adopta uma acção preventiva e de preparação no sentido de anular a possibilidade de uma ameaça se revelar e no sentido de reduzir os seus efeitos, caso ela se venha a concretizar.

Estratégia e Cultura

Por outro lado, o Estado é sujeito a influências Culturais externas, que desempenham o papel contrário ao referido anteriormente. Ou seja, transforma ou dissolve as características Culturais próprias, reduzindo as potencialidades e aumentando as vulnerabilidades. Neste caso, a acção estratégica é tomada no sentido de controlar esta ameaça, reduzindo os seus efeitos, e garantindo a preservação do seu potencial Cultural.

Nesta acção, o Estado utiliza os seguintes instrumentos: A educação escolar; a religião; as industrias de Cultura; os órgãos de comunicação social e a sua própria acção legislativa e executiva. Existe uma Estratégia Cultural Externa

Esta estratégia visa atingir objectivos definidos pela política externa do Estado, assim como aumentar o seu potencial estratégico. No actual Sistema Internacional, globalizado e interdependente, as ameaças aos objectivos do Estado são os obstáculos à consecução dos seus interesses externos e as acções dos outros actores que actuam negativamente no seu interior. Os obstáculos e acções dos outros actores que são condicionados por comportamentos Culturais, podem ser resolvidos com recurso a uma Estratégia Cultural.

A Estratégia Cultural pode ser desenvolvida no sentido de divulgar o nosso modelo Cultural. Esta acção é essencialmente preventiva e visa transmitir uma imagem não hostil, por forma a evitar a reacção de insegurança, no contacto com a nossa Cultura. Visa igualmente transmitir um padrão sócio-cultural atractivo e prestigiante por forma a constituir-se como modelo, assumindo o Estado uma posição de liderança. Esta acção, além de prevenir possíveis oposições, leva a uma aceitação desejada da nossa intervenção

A Estratégia Cultural pode ainda ser desenvolvida no sentido de incutir características Culturais, por forma a que o receptor as passe a praticar. Esta acção é tomada quando se pretende substituir valores que impeçam o desenvolvimento dos mercados; quando se pretende incutir valores universais e democráticos que garantam a estabilidade desses mercados e quando se pretende anular determinados hábitos (ambientais ou sociais) que possam ameaçar o bem-estar da população.

Por fim, esta estratégia pode ser desenvolvida segundo a forma de "Intercâmbio Cultural". Esta acção visa, através dos factores Culturais, desenvolver o conhecimento mútuo e aumentar o nível de confiança. Deste modo, é igualmente evitada a reacção de insegurança, no contacto com a nossa Cultura. Mas o grande objectivo desta acção é o aumento do potencial estratégico, proporcionado pelo estabelecimento de laços de confiança com outros Estados, podendo levar ao estabelecimento de alianças ou organizações de base Cultural.

Estratégia e Cultura

74 Os instrumentos utilizados por esta Estratégia Cultural Externa são: as Indústrias de Cultura; certos Produtos Comerciais; o Ensino (bolsas de estudo); as Comunidades de Emigrantes; Instituições de Divulgação Cultural; Organizações Religiosas e o próprio Estado e Organizações Internacionais ligadas à Cultura.

Os conceitos doutrinários relativos à Estratégia devem sofrer uma evolução, no sentido de melhor reflectirem a realidade do actual Sistema Internacional.

No nosso estudo começámos por analisar as questões doutrinárias, passando depois à análise da realidade. Nestas conclusões, tendo o cenário real em mente, podemos avaliar de melhor forma, sobre a necessidade de fazer evoluir os conceitos doutrinários.

No primeiro capítulo, relativamente ao conceito de "Estratégia", concluímos que:

Os sujeitos da Estratégia são as organizações, em termos gerais, e não apenas as Unidades Políticas.

Uma organização recorre à Estratégia quando pretende atingir objectivos que sofrem ou podem vir a sofrer algum tipo de ameaça, e não apenas quando recorre à coacção.

A actuação sobre essa ameaça é feita no âmbito de relações de conflito ou de competição, podendo as forças ser utilizadas nas suas vertentes da prevenção, preparação para, ou condução.

Finalmente, que as forças podem ser materiais ou imateriais.

Quanto ao conceito de "Ameaça", esta deve ser entendida como uma resistência ou antagonismo a ultrapassar e não apenas como uma vontade hostil e intencional. Pode mesmo existir ameaça sem haver relação directa entre os agentes envolvidos.

Quanto ao conceito de "relação de competição", este deve ser entendido como uma variação das relações de conflito. Tem como característica comum o facto de em ambas as situações os actores disputarem objectivos divergentes. No entanto, apresenta substanciais diferenças. As relações de conflito estão normalmente associadas a objectivos vitais ou importantes; esses objectivos são divergentes e exclusivos (opostos) e normalmente existe uma oposição intencional e hostil. Nas relações de competição, os objectivos em causa são secundários; esses objectivos são divergentes mas não exclusivos (concorrentes) e existe uma oposição não hostil ou mesmo inconsciente.

Em substituição da trilogia vigente "objectivo político - oposição hostil de unidade política -

coacção, temos uma nova trilogia: "objectivo - ameaça - conflito/competição" em que o último

Estratégia e Cultura

que Estratégia será "a ciência e a arte de desenvolver e administrar as forças materiais e imateriais de uma organização, a fim de prevenir ou anular ameaças, reais ou potenciais, aos seus objectivos".

Deste modo, Estratégia Cultural pode ser entendida como "a ciência e a arte de desenvolver e administrar as forças Culturais de uma organização, a fim de prevenir ou anular ameaças, reais ou potenciais, aos seus objectivos"

Estratégia Cultural - Estratégia de Paz.

Como última conclusão, gostaríamos de referir que a Estratégia Cultural continua a ser orientada para a consecução dos interesses do Estado, que estão ou podem vir a estar ameaçados. No entanto, pretende atingir os seus objectivos pela utilização do softpower, em substituição da coacção. Actuando de forma preventiva, evita que as ameaças se revelem e que as estratégias coercivas tenham que ser empregues. Na medida em que a Estratégia Cultural substitui a coacção, pode ser considerada como uma Estratégia de Paz.

Estratégia e Cultura

76

PROPOSTAS

As propostas, a seguir apresentadas, são de âmbito puramente conceptual e académico. São dirigidas ao Departamento de Ensino do Instituto de Altos Estudos Militares e, em particular, à sua Secção de Ensino de Estratégia, no sentido de que:

Seja estudado, adoptado e leccionado um conceito de Estratégia mais alargado e melhor adaptado ao actual Sistema Internacional.

Seja aceite e adoptado o conceito de Estratégia Cultural.

Seja analisada a possibilidade de esta se constituir como uma das Estratégias Gerais. Sejam estudadas as suas características e potencialidades.

Estratégia e Cultura

No documento MAJ Paulo Ramos (páginas 78-85)