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j Origem dos Conflitos

No documento MAJ Paulo Ramos (páginas 36-39)

Neste sub-capítulo vamos fazer uma breve análise da influência do factor cultural no fenómeno conflitual das Relações Internacionais.

Existem várias perspectivas (escolas) para analisar as origens dos conflitos, na sua vertente mais bélica, que é a guerra. Dentro da escola biológica, Thomas Hobbes refere que o homem é um ser cujo comportamento depende essencialmente das paixões e que a sua agressividade é desencadeada pelo medo. Políbio de Almeida refere, de forma semelhante, que as diferenças culturais levam a um entendimento pouco claro dos padrões de comportamento mútuos e consequente fonte de receios e desconfianças, que tem estado na origem da maioria dos conflitos.

A escola psicológica refere, entre outros, que a agressividade resulta da acumulação de frustrações durante o processo de sociabilização e que posteriormente é descarregada num "bode expiatório". A teoria das percepções refere que a causa de alguns conflitos reside nos estereótipos criados nos indivíduos por um processo de influência sociabilizante, como o sistema de educação

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ou os "mass média". Sabendo que a Cultura está intimamente associada ao processo de sociabilização, então podemos supor que esta pode ter um papel determinante na posterior postura conflitual. É a Cultura que nos referencia o bem e o mal, ou o amigo e o inimigo.

Na escola sociológica, Morgenthau refere que a fonte de conflitos está na incapacidade de intervenção coerciva do SI, criando um ambiente de anarquia. Como vimos anteriormente, esta situação tem evoluído e o SI tem reunido uma significativa capacidade económica, militar e diplomática para impor o direito internacional. Isto leva-nos a supor que, de futuro, o Estado irá recorrer ao maior poder que detém - a opinião pública e a sua Cultura - para atingir os seus objectivos. Da mesma escola, Raymond Aron refere que "o comportamento conflituoso de um

Estado não pode ser exclusivamente explicado pela luta pelo poder. Existem outros factores, nomeadamente de ordem ideológica e sócio-cultural, que tem uma importância considerável nesse comportamento... o grau de conflitualidade de um sistema depende da sua maior ou menor heterogeneidade"47.

Particularizando o caso da religião, que é uma das formas como a Cultura se pode revelar, aquela constitui-se como um factor de influência e decisão política e um factor de motivação das populações. Assim aconteceu com as Cruzadas, com a Guerra dos Trinta Anos (entre católicos e protestantes) ou com a Guerra do Golfo, e acontece com a Jihad, a Irlanda do Norte, os Balcãs e agora o Afeganistão. Tanto por parte do Iraque como no Afeganistão, houve uma acção de apelo, baseada na religião, no sentido de obter o apoio dos seus "irmãos de fé". "A Estratégia continuará

decerto a recorrer à grande capacidade de mobilização da religião para atingir os seus objectivos"48.

Mas esta análise sobre o papel da Cultura na origem dos conflitos não poderia ficar completa sem a apresentação das teorias de Samuel Huntington. "O conflito entre civilizações será a última

fase na evolução do conflito no mundo moderno. Durante um século e meio, após a emergência do moderno sistema internacional, com a paz de Westefália, os conflitos do mundo moderno ocorreram maioritariamente entre príncipes... Neste processo criaram os Estados-Nação, mas com a Revolução Francesa as principais linhas de conflito começaram a verificar-se mais entre nações do que entre príncipes. Em 1793 R. R. Palmer dizia que "as guerras entre reis acabaram; começaram as guerras entre povos"... Depois, com o resultado da revolução russa e da reacção contra ela, o conflito das nações conduziu ao conflito das ideologias, primeiro entre o comunismo, o nazi-fascismo e a democracia liberal... durante a guerra fria, este conflito foi corporizado na luta

47 Mariz Fernandes, Maj Gen, "Religião e Estratégia" in Religiões Segurança e Defesa (seminário), IAEM e Atena,

Lisboa, 1999, p.31-51.

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entre as duas superpotências, cada uma delas com as suas identidades definidas em termos das respectivas ideologias... A minha hipótese é a de que a fonte fundamental de conflito neste novo mundo não seja prevalentemente ideológica ou predominantemente económica. As grandes divisões existentes na humanidade e as fontes dominantes de conflito serão culturais... O choque de civilizações dominará a política global. As guerras civilizacionais serão as batalhas do futuro"49.

Huntington explica ainda porque haverá choques de civilizações. Primeiro, porque as civilizações se distinguem umas das outras pela Cultura e que pessoas de civilizações diferentes têm pontos de vista diferentes. As diferenças não significam necessariamente conflito. No entanto, ao longo da história, têm gerado os conflitos mais prolongados e mais violentos. Segundo, porque a globalização proporciona interacções crescentes entre as civilizações. Esta intensificação "forçada" do relacionamento evidencia as diferenças e suscita animosidades. Terceiro, porque se verifica, a nível mundial, um retorno à religiosidade. Quarto, porque está a ocorrer um fenómeno de "intoxicação" Ocidental e consequente retorno às origens, entre as civilizações não ocidentais. Quinto, porque as características e as diferenças culturais são menos mutáveis e menos comprometidas do que as políticas e económicas. Por fim, porque os blocos económicos se têm constituído no interior da mesma civilização. Em consequência, tem-se verificado um regionalismo económico que reforçará a consciência civilizacional. Organizações como a UE, NAFTA ou Mercosul têm-se desenvolvido naturalmente, no entanto, o Japão tem tido dificuldade em criar uma organização comparável. Isto porque, constituindo-se como uma civilização própria, as diferenças culturais com os outros países asiáticos inibe, ou talvez exclua, a integração económica regional.

De tudo o que foi dito, existem duas conclusões essenciais. A primeira conclusão prende-se com razões endógenas (próprias da natureza humana). O Homem reage ao desconhecido e àquilo que não compreende, com desconfiança e receio. O "desconhecido" é causa de insegurança e é considerado como potencial ameaça, devendo por isso ser anulado. Assim acontece quando os povos são "forçados" a conviver sem que haja um conhecimento prévio entre as partes. A segunda conclusão prende-se com razões exógenas (próprias do ambiente envolvente). As civilizações e as suas fronteiras sempre existiram. O que é que mudou para serem "promovidas" a fonte fundamental dos conflitos do futuro? A resposta está na inevitabilidade da globalização, nas suas consequências e no ritmo acelerado e multifacetado que impõe às relações entre povos. A sua acção de convergência e homogeneização dos modos de vida criam uma tendência de Cultura universal. No

49 Samuel Huntington et als, O choque das civilizações? (o debate sobre a tese de Samuel Huntington), Gradiva, Lisboa,

1999, p.7-32. Esta obra reproduz o texto original do artigo de Huntington na Foreign Affairs do Verão de 93. Huntington é director do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade de Harvard e este artigo é um produto de um projecto do seu Instituto sobre "the changing security environment and American national interests".

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entanto, a Cultura é o resultado de séculos de vivência em comum e não é apenas em alguns anos que se homogeneízam valores. Esta convergência acelerada (choque) provoca rejeições e reacções de identificação (conforme descrito na primeira conclusão). Ou seja, não é apenas a distância cultural que está na origem dos conflitos mas sim a sua aproximação forçada e brusca. No choque de Culturas, a causa evitável dos conflitos não são as Culturas, mas sim o choque.

No documento MAJ Paulo Ramos (páginas 36-39)